Nós, brasileiros, somos campeões da bondade em teoria. Temos sempre as melhores intenções quando escrevemos nossas leis, quase sempre belas e cheias de conceitos ideais com objetivos audaciosos. Mas na prática, pouco ou nada fazemos para que estas leis funcionem e cumpram as promessas de seus autores.
Uma das coisas que os brasileiros mais fantasiam é a infância. Nossas leis são rígidas. Em teoria nossas crianças são intocáveis. Existe todo um arcabouço legal fantasioso que regula desde a publicidade de brinquedos até o que um professor pode dizer ou não para uma criança em sala de aula, e que foi feito para que, sendo lido, nos dê a impressão de que realmente cuidamos de nossas crianças, com o discurso oficial sempre muito bonito de que elas são nosso futuro como nação.
Mas na prática, nossa sociedade odeia suas crianças, às usa como mercadorias e escudo para seus crimes recorrentes, sua falta de sensibilidade e sua divisão ideológica maniqueísta. O Brasil sempre foi um país de péssimo histórico com a infância. Trabalho infantil é uma coisa recorrente em nossa sociedade desde sua fundação, maus tratos são uma constante desde sempre, pouco importa o conteúdo das leis.
Em certa época de minha vida advoguei na área de família e saia estarrecido do fórum ao constatar o uso de crianças para atingir alguma das partes do processo. Sob a desculpa de cuidar do menor, mães impedindo a visita pelos pais, pais negando pensão alimentícia e casais que não trabalhavam achacando avós. Uma coisa pavorosa, o pior da espécie humana se aproveitando da inocência de uma criança por vingança pessoal ou interesse meramente mercantil.
Isso foi há 20 anos e de lá para cá, esse comportamento que era típico nos fóruns de família parece ter espraiado para o dia a dia de nossa sociedade doente e violenta, sexista e desonesta em sua essência, mercantilista ao ponto de sacrificar suas crianças sem a menor sensibilidade.
É um quadro vem se agravando de modo dramático. Quando criança, eu tinha a possibilidade de sair de casa e ir brincar na pracinha que ficava há uns 3 ou 4 quadras, ou ainda procurar um campinho para jogar futebol com os primos. Hoje, nossa sociedade neurótica criou uma situação em que uma criança desacompanhada em uma praça é quase certeza de tragédia, tamanho o foco maldoso que colocamos sobre elas.
Sexualizamos a infância. Sob a desculpa da "democracia" e da "liberdade de expressão" desprezamos todos os valores mais básicos do desenvolvimento delas. Queremos que elas namorem aos 5 anos de idade, às vestimos como adultos, às levamos para festas juninas onde estão sujeitas a sertanejo universitária pregando "pegar" e beber, ou ao funk sexualizado, seguindo a lógica perversa de que é apenas música. Elas não brincam mais, ficam presas aos malditos smartphones, à internet e à TV, sujeitas a todo tipo de sensualização que nossa sociedade doente praticamente exige. E dessa sexualização da infância decorrem pais e parentes que violam as crianças de suas próprias famílias, promoção e defesa descarada da pedofilia, inclusive com a violação direta das leis idealizadas que não servem para muita coisa quando interpretadas por juízes frouxos e, em casos recentes, por artistas desonestos desesperados para usar dinheiro da Lei Rouanet. Dentre os países com algum desenvolvimento social, o Brasil é o campeão em prostituição infantil e violência contra crianças, mas para nossa sociedade não importa, a nossa "liberdade" exige que o sexo esteja em todos os aspectos da vida, pouco importando o efeito final.
Negligenciamos a educação. Impedimos nossas escolas de disciplinar e sujeitamos os educadores aos maus humores de pais tão super-protetores quanto incompetentes em educar, a ponto de preferirem culpar a escola pelos erros que seus filhos cometem porque não recebem limite nenhum em casa. De tanto que nossas leis ideais protegem, nossos agentes públicos (leia-se: Ministério Público e Conselhos Tutelares) simplesmente são incapazes, seja por preguiça, seja por incompetência, de distinguir um ato disciplinador de um ato de violência, classificando tudo como crime, atando as mãos de quem tenta ensinar, a ponto delas mesmas, cooptadas por ideologia política, invadirem as escolas onde deveriam estudar, sem que os pais ou mesmo o Estado nada fizessem por semanas, como aconteceu no PR, em SP e no RJ.
Dizemos que não, mas temos tolerado trabalho infantil, prostituição, pedofilia e mesmo o uso das crianças como escudo para a prática de crimes, inclusive políticos, já que elas não são poupadas da guerra ideológica entre supostos progressistas contra conservadores de araque, predominantemente ladrões comprovadamente lutando apenas pelo direito de assaltar os cofres públicos.
O Brasil tem odiado suas crianças. Quando vemos assassinatos cruéis de crianças de colo como os que repercutiram na última semana, quando não percebemos que nossa sociedade transforma um jovem de 13 anos num monstro a disparar tiros contra colegas de colégio, é porque odiamos no sentido de não tratá-las como crianças, são apenas mais cidadãos aos quais impomos nossa agenda brasileira de libertinagem, negligência e demagogia, tolerando a violência comezinha que acaba por desaguar no crime visceral que choca por uns poucos dias quando exposto no noticiário do horário nobre das TV(s).
O Brasil odeia suas crianças. Fala muito em amá-las, mas nada faz para respeitá-las. É um país doente que está destruindo seu próprio futuro com raiva e demagogia ilimitadas, promovidas por interesses mesquinhos e não raro, meramente eleitoreiros. Uma tristeza!