Um processo criminal só pode ser instalado com prova material do delito e indícios de autoria. Não existe nenhuma outra hipótese legal e nenhum outro requisito. Não existe como iniciar um processo penal com esta prova ainda a ser produzida ou sem indicação mínima da autoria, é isto que o juiz analisa e decide na chamada sentença de pronúncia: se existe prova, e se de alguma forma o crime pode ser atribuído ao indiciado, que então vira réu ou não. A prova pode até ser reforçada durante o processo, mas na instalação a ocorrência do crime tem que estar definida.
Em contrário do que a imprensa vem dizendo, não cabe ao delator fazer prova, esta continua sendo obrigação exclusiva do acusador. O delator pode apresentar complementos à prova já existente, pode enviar documentos e gravações que corroborem sua versão no sentido daquilo que a Lei exige dele, que é identificar coautores e partícipes da organização criminosa, sua estrutura hierárquica e possibilitar a recuperação total ou parcial do produto do crime, ou ainda, impedir que se faça nova vítima. Mas a prova da existência da organização e de seus vários crimes deve existir antes do ato de delação.
A prova material pode ser circunstancial, desde que forte. Se existem vários indícios que formam um conjunto hígido que indica o crime, a prova dele existe independentemente da necessidade de uma documento cabal, cabe ao juiz dosar a aplicação da lei após o contraditório, uma vez que o indiciado/réu necessariamente tem que estar ligado ao conjunto probatório, existindo nexo de causalidade entre seus atos e o resultado criminoso. Assim, a prova precisa existir antes, não se pode punir por achar que entre ela e o autor há nexo de causalidade ou ainda por achar que a prova se aplica ao caso.
Daí o acusador pode ter um conjunto de provas que indique que vários crimes foram cometidos, ou ainda que foram cometidos em conluio/conjunto/litisconsórcio e talvez não saber quem foram todos os autores. Aí que entra o delator, cabe à ele identificar a coautoria dos delitos, indicar meios de obter o nexo de causalidade entre o crime já provado e as pessoas que indicou, ele deve descrever a modalidade da participação dos coautores. Ou seja, o delator não faz prova, ele corrobora com as provas que tem que existir antes, indicando como ela é ligada à quem foi delatado.
A delação premiada é um instituto falho em nossos sistema jurídico, basicamente porque sua aplicação decorre de uma interpretação de vários institutos legais diferentes*, com finalidades diferentes, que tentam ser compilados na Lei 12.850/2013 que trata da organização criminosa, e cuja redação é ruim.
Por exemplo: no § 1º do artigo 4º, a Lei 12.850 diz que a personalidade do colaborador deve ser considerada na concessão do benefício, o que por si só já torna sua aplicação subjetiva. Afinal, como avaliar a personalidade de alguém, que é subjetiva, e transformá-la em algo que tem que ser objetivo, que é a prova? Adiante, se constata que a Lei possibilita o cancelamento da delação, mas não prevê punição adicional para aquela personalidade que à usou de modo incorreto.
E por força da Constituição, o delator não precisa fazer prova contra si mesmo.
Ou seja, um pilantra qualquer pode usar da delação, que é ato objetivo fundado em um preceito subjetivo (a personalidade) para fazer o que bem entender, inclusive criar o caos completo para desestabilizar o processo, roubar a credibilidade da Justiça e do acusador. No máximo, ele terá a delação cancelada.
O delator por si só, já é um criminoso, se sua personalidade é considerada no ato, então ele é precário, deve ser muito bem analisado, até em minúcias, antes que se determine autoria de coautores, e aí é que está o problema - estamos assistindo uma enxurrada de delações feitas por indivíduos que estão tentando ganhar tempo tumultuando os processos e envolvendo pessoas por simples citar de nomes ou situações - mas muitas vezes sem prova anterior e sem nexo de causalidade.
Pior que isso, estamos assistindo parte dos órgãos acusadores usando a delação para supostamente fazer prova que já deviam ter antes do ato!
É certo que o número de inocentes é pequeno dentro da classe política, o problema é que esse acúmulo explosivo de delações que estão sendo usadas para fazer prova, e não para confirmá-la, está produzindo o caos político e a destruição da credibilidade das instituições sempre que as delações são divulgadas sem que correspondam a sentenças condenatórias.
No fim das contas, a personalidade dos delatores é que está pautando o país. Via de regra eles são espertos, querem o caos porque dentro dele aliviam sua situação, ganham tempo e até mesmo chances de fuga, e é o caos que o país está experimentando, tanto político, quando econômico e social.