20 de jan. de 2017

NEM TRUMP SERÁ TUDO AQUILO, NEM OBAMA FOI TUDO ISSO



No exercício do cargo, um presidente dos EUA tem menos poderes que muitos primeiros-ministros europeus e inclusive, que o presidente da república no Brasil. 

Um presidente dos EUA não pode emitir medida provisória nem decreto-lei. A imensa maioria de suas nomeações mais importantes (inclusive ministeriais) tem necessariamente que obter aprovação do Congresso Nacional após sabatina. Ele não implanta um único programa econômico sem negociação com os parlamentares e não pode nomear um juiz da Suprema Corte sem que a sabatina do Senado não só seja rígida, como efetivamente pronta para recusar nomes até que um deles obtenha maioria da casa. Para declarar guerra, um presidente dos EUA precisa de autorização, para movimentar tropas sem que haja interesse ou risco para cidadãos dos EUA, idem. 

O Congresso dos EUA muda de composição conforme as leis estaduais, ou seja, em dois anos após a posse, o partido do presidente pode perder a maioria, o que o força a negociar com a oposição as coisas mais comezinhas, como, por exemplo, o orçamento, que nos EUA é impositivo, não há como gastar sem autorização prévia, com raras exceções legais. Um presidente dos EUA com minoria no Congresso se obriga a negociar com uma oposição ferrenha, porque apesar do sistema ser multipartidário, é dominado há décadas apenas por republicanos e democratas que se alternam tanto no poder federal quanto nos estaduais. Ou seja, não tem como oferecer ministério para aliciar partido de aluguel, a única saída é ceder, tratar com parlamentares olho no olho, mudar os termos da negociação, adequar o projeto àquilo que a maioria no Congresso tende a aceitar. 

Um presidente dos EUA não tem o poder que o do Brasil tem sobre estados e municípios. Cada estado arrecada seus próprios impostos, tem suas próprias leis (inclusive criminais) e seu próprio Legislativo, apenas as questões federais, a defesa e a representação internacional do país são de competência da União, ou seja, ela não impõe regras, não distribui nem contingencia verbas para ajudar ou atrapalhar um governador simpático ou de oposição. 

Em resumo, um presidente dos EUA não governa sem as instituições. Ele pode ter idéias fantásticas, boas e más intenções, ideais, interesses pessoais e objetivos sociais ou corporativos, mas daí a colocar tudo isso em prática é outro assunto que não depende apenas de sua vontade, mas da mobilização do partido que o elegeu, da negociação com o Congresso Nacional e da estrita legalidade do que propor, que será posta à prova nas votações da Câmara dos Deputados e do Senado.

Ninguém nega que Obama foi um presidente carismático e que mal ou bem tirou o país da crise econômica de 2008, nem seus esforços pacifistas e sua preocupação com programas sociais como o "Obamacare". Mas nós, brasileiros, as vezes esquecemos que o discurso de Trump agradou o americano médio, aquele que não está contente com o fim do emprego na indústria, substituído pelo do setor de serviços que emprega imigrantes desqualificados e mais baratos, nem com a insegurança causada ao país pela retirada das tropas do Iraque, que foi um fator que fortaleceu o ISIS. Também não atinamos para o fato de que Hillary Clinton foi acusada de corrupção, o que já está provado que, para nós, não é tão preponderante numa campanha eleitoral quanto lá. 

No Brasil, temos a mania de interpretar os fatos de outros países pela ótica dos nossos defeitos, de modo que tem sido comum nesses dias que antecedem a posse de Donald Trump ver a imprensa e as pessoas comentando sobre o demoníaco republicano que será cassado em pouco tempo porque é mau, machista e xenófobo, com pena de acabar o mandato do democrata bonzinho, paladino dos direitos civis, da paz e da concórdia. 

Esquecemos das instituições que aqui são fracas ou inexistentes e lá são fortes e presentes. Imaginamos um Donald Trump enviando tropas para todos os lados para impor algum capricho seu como constatamos a perseguição a caminhoneiros feita a partir de medida provisória emitida por uma presidente depois cassada. Pensamos que Trump vai comprar o Congresso com ministérios e secretarias, quando lá, se o Congresso implica com um ministro ou secretário o mais fácil é ele renunciar e o presidente colocar o rabo entre as pernas.

O Trump presidente não será aquele dos discursos radicais de campanha, do mesmo modo que Obama não fez as boas coisas que fez sem o auxílio e autorização prévia do Congresso. Do mesmo modo que Obama não fez nada sozinho (e nem entremos na discussão sobre seu legado, que é bem controversa), Trump não transformará o país num enorme cassino e hotel extravagante e permissivo como a fama de seus negócios pode sugerir.

17 de jan. de 2017

HIPOCRISIA PENITENCIÁRIA

na foto: Os ministros Carmen Lúcia e Alexandre de Morais, falando muito sobre o assunto.


Alegando "direitos humanos", o governo brasileiro então liderado por Dilma Roussef chamou o embaixador da Indonésia a prestar explicações e retirou daquele país o representante brasileiro. Suplicou, esperneou, implorou e ameaçou acionar cortes jurídicas internacionais para salvar a vida de um traficante de drogas com execução iminente de pena de morte, que toda pessoa que viaja para aquele país é informada de que se aplica ao tipo criminal. Afrontou abertamente a lei e as autoridades eleitas democraticamente de um importante parceiro comercial brasileiro, que já havia adquirido 16 aviões Embraer Super Tucano e acenava com a possibilidade de adquirir os novos aviões-cargueiros KC-390 e diversos outros materiais militares.

No Brasil as autoridades fingem preocupar-se com direitos humanos. O próprio governo Dilma Roussef diminuiu os recursos do fundo penitenciário, o que não atrai apenas para si a responsabilidade que é de todos os governos que a antecederam e sucederam, ou ainda dos governos estaduais, porque a grande verdade é que, neste país, o sistema penitenciário é apenas mais uma estrutura pública ineficiente e abandonada, só lembrada quando acontecem rebeliões e mortes que atraem os olhares da imprensa.

Na hora de salvar um traficante brasileiro da pena justamente aplicada por violar as leis de um país independente o governo brasileiro "falou grosso", ameaçou e, claro, gastou por conta, se oferecendo até a mandar avião próprio para resgatar o cidadão nacional com data e hora marcada para morrer. Mas para cuidar dos presídios daqui, não, daí a fala é "mansa", a desculpa clássica do "não há dinheiro" e as "soluções" que nossas autoridades sugerem são as mesmas, sempre aplicadas quando um caso grave de violência ganha as manchetes - aumentar impostos, a criação de um ministério e a proposição de uma lei poética, idealizada, cheia de normas de interpretação ampla e objetivos ideais - um "estatuto", que no fim das contas, será apenas mais uma lei não cumprida, seja por exigir efetivos de recursos e pessoal que o país não tem ou não quer gastar, seja pela interpretação que será dada pelo mesmo Judiciário que mantém 40% do sistema prisional com indivíduos retidos temporária ou provisoriamente sem julgamento final, porque este demora uma infinidade de tempo, tamanha a leniência de nosso poder julgador com recursos protelatórios e repetidos sobre fatos já tratados.

Afora a incompetência. O governo brasileiro de modo geral não tem a capacidade de resolver o problema clássico das delegacias que deixam de investigar porque viraram mini-presídios, ou ainda, de instalar e fazer funcionar bloqueadores de celular nas prisões pátrias. Quando instala, acaba desligando porque em volta dos presídios, invasões de imóveis que não foram combatidas a tempo criaram "comunidades" que não aceitam ficar sem o precioso cânone da vida moderna, onipresente nas mãos de todos. 

Mas vai mais longe: descobriu-se que governos e Judiciário não conseguem sequer controlar o tempo de apenamento dos detentos, que não podem ser soltos na data que uma ficha indica ser seu último dia de cárcere, porque é necessário um alvará assinado pelo juiz, que muitas vezes nem sequer dá expediente na Vara de Execuções Penais. E ainda se constatou que nem mesmo dentro dos presídios se sabe em que pavilhão está cada preso, não se sabe ao certo quem de lá dentro trabalha e quem não, não se consegue distinguir preso de alta do de baixa periculosidade.

É um caos completo causado por incompetência visceral, leis mal redigidas, agentes públicos preguiçosos e, óbvio, péssima aplicação dos recursos disponíveis na medida em que já se disse que são necessários 10 bilhões de reais para adequar o sistema, uma mixaria perto do que já se sabe que se roubou da Petrobras, ou ante mesmo o déficit público estimado para 2017 ou efetivo em 2016, de mais de 100 bi em um orçamento de quase 3 trilhões de reais.  Usa-se o número de 10 bi, mas se esquece de informar que ele representa 0,3% do orçamento da União, que desconsidera os orçamentos estaduais, o que tornaria esse percentual já ínfimo muito menor.

O problema do sistema penitenciário não está apenas no preso, nem no excesso de lotação, muito menos no dinheiro que recebe e aplica mal, trata-se de uma questão de inexistência generalizada de ética: uma sociedade que não se importa com preso, uma classe política alienada que pensa que redações legais poéticas  resolvem problemas materiais, um poder Judiciário descompromissado que adotou como regra de interpretação  a aceitação de todo tipo de recurso, mesmo protelatório, em favor de réus, impondo como se noticiou hoje, um mutirão de defensores públicos para aliviar a lotação de prisões pelo país afora, quando isso deveria ser obrigação diária deles, no sentido de não deixar alguém preso sequer um dia além da data final do apenamento.

Direitos humanos não representam apenas ter compaixão por vidas humanas. Exigem competência, trabalho sério, aplicação correta de regras, responsabilidade com recursos públicos e observância estrita das leis. A única coisa que direitos humanos não comportam é a que sobra no Brasil, a hipocrisia de sensibilizar-se em atrasado, de algo grave que já se sabe que está acontecendo há muito tempo, mas que ninguém efetivamente se preocupa em solucionar.




CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...