31 de mai. de 2018

PÂNICO E CIRCO



Os caminhoneiros legaram ao Brasil um profundo conhecimento de sua índole como suposta nação, um lugar onde existem leis para tudo, e onde elas não servem para absolutamente nada, especialmente para conter o caos que sua gente causa.

O Lei de Greve proíbe o piquete que impeça o trabalho alheio, mas o que mais se viu nos últimos 10 dias foi coação escancarada contra quem quisesse transportar alguma coisa. Coação com violência física, que o Código Penal prevê e tipifica como crime, mas que não levou ninguém a cadeia!

A mesma Lei de Greve define que serviços essenciais não podem ser afetados, mas a primeira coisa que os grevistas fizeram foi tentar paralisar a mobilidade urbana fazendo piquetes na frente de refinarias, o que acarretou prejuízo à segurança, à saúde e à educação, tudo numa tacada só. 

Descobrimos que existe lei que define que o etanol não pode ser vendido direto da usina para o consumidor, e que há lei que garante à Petrobrás uma margem de competitividade da gasolina com o álcool (para que este não seja competitivo nunca). Descobrimos que temos leis anti-truste e anti-cartel, mas que somos um país único no mundo, que tem uma empresa que detém o monopólio sobre os combustíveis e ao mesmo tempo tem ações negociadas em bolsa, e contra quem ninguém ousa concorrer, porque todo o aparato do Estado se volta para impedir, mesmo que isso seja ilegal.

Aprendemos que há leis estaduais que aumentam o preço dos combustíveis acima dos índices praticados pela Petrobrás. E que a Lei de Responsabilidade Fiscal impede reduções de impostos sem compensação, a mesma que não impediu os estados de RJ, MG e RS de falirem de uma tal forma que não conseguem pagar os salários de seu funcionalismo. Aliás, a mesma lei que não impede que impostos sejam constantemente aumentados.

O Brasil é o império da lei que ninguém cumpre. Nesta crise de proporções apocalípticas, o Ministério Público não fez absolutamente nada, o Ministério Público do Trabalho omitiu-se e coube às procuradorias municipais conseguirem decisões que garantiam escolta em comboios de combustíveis, escolta esta que era negada pelas polícias se não houvesse liminar que mandasse elas garantirem a ordem, coisa que a lei já diz para fazerem independentemente de sentença.

Constatamos que mesmo com um arcabouço jurídico que deve ser contado aos milhões de normas legais, nossos governantes não sabem o que fazer com elas, aliás, tem medo das críticas e de ferir suscetibilidades, em um contexto em que ficam apavoradas em usar da autoridade que a lei lhes confere, com medo de terem isso confundido com autoritarismo.

Em qualquer país decente do mundo, um movimento dessa magnitude aceita uma suspensão por algum tempo quando o Estado acena com um acordo. Michel Temer acenou com um acordo, a greve continuou. Daí ele foi à TV dizer que usaria da força, e esta não foi usada e a greve continuou. Então ele aceitou todas as exigências financeiras e selou um acordo, para constatar que os manifestantes não queriam apenas isto, passaram a pedir sua renúncia ou uma intervenção das forças armadas, que a lei não autoriza em lugar algum para que elas assumam funções executivas, legislativas ou judiciárias.

Além de não se cumprir lei alguma, no Brasil tem gente que exige que se cumpra leis que não existem.

E caminhoneiros e infiltrados (que eram muitos, e com as piores motivações) só desistiram da greve quando começaram a ocorrer operações conjuntas entre polícias e forças armadas.

Estes são os aspectos do pânico.

Porque o circo também foi armado. Menos de 36 horas depois de iniciada a paralisação, já havia filas nos postos de combustíveis, mesmo com os "espertos" aumentando abusivamente preços do que tinham em estoque. Dos postos de combustíveis, as filas migraram para os supermercados, farmácias e fornecedores de gás de cozinha. 

A histeria coletiva fez o preço dos hortifrutigranjeiros disparar. Num estalar de dedos, quem nunca come salada ficou desesperado porque não havia mais tomate, mesmo querendo pagar 10 vezes o preço do quilograma, para não ficar sem o precioso legume. E os combustíveis passaram a ter preço de guerra, porque as madames que só usam a SUV branca para levar os filhos na escola e parar na academia, precisaram desesperadamente encher seus tanques que ainda estavam pela metade, para não terem suas gloriosas rotinas alteradas, e os "boys" foram para as filas dos postos, porque não podiam abrir mão de desfilar pelas cidades com o som em último volume, lata de cerveja na mão, de chapéu e sem camisa. 

Os caminhoneiros tem méritos históricos, eles ajudaram a deslindar o verdadeiro Brasil.

O Brasil do pânico e do circo, com leis inúteis, governantes patéticos, instituições frouxas que só pensam nos privilégios dos seus integrantes e povo abobalhado, que acha que o dinheiro do governo é infinito, e pensa que não paga a conta de nada do que os governantes decidem fazer. 

Tudo bem, os caminhoneiros tinham razão. Sobre sua atividade havia um garrote, o preço variável do diesel (variável sempre para cima) os impedia de fazer uma viagem e saber quanto lhes sobraria de remuneração ao final dela. Mas este garrote foi culpa do socialismo de ter uma única empresa monopolista de combustíveis, roubada escancaradamente e usada com finalidades eleitoreiras pelo PT e pelo PMDB, com as consequências do capitalismo: quando há muita concorrência, os preços dos fretes caem, e mesmo se não caem, não são reajustados todos os dias como acontece com os produtos da sacrossanta Petrobrás, que cobra do consumidor a conta dos desmandos de suas diretorias políticas.

E o ato final do espetáculo circense foi a greve dos petroleiros que trabalham para uma única empresa, com o imenso poder de paralisar o país por mais alguns dias.

Pânico e circo é o resumo do Brasil de maio de 2018.

28 de mai. de 2018

A POLÍTICA É A ARTE DO POSSÍVEL



Mesmo os piores governantes tem uma margem restrita de manobra sobre as atitudes de que podem tomar para tentar solucionar um problema. 

Mesmo os melhores governantes estão sujeitos à esta mesma margem, porque independentemente do regime político, da votação acumulada nas urnas, das pesquisas de popularidade, do apoio ou não do parlamento e da possibilidade de manipular o cumprimento das leis, os recursos de um governo são finitos, por mais que seja fácil aumentar impostos como é no Brasil.

Até a delação da JBS/Janot, Temer conseguia agrupar forças no Congresso para proceder reformas. E conseguiu definir o teto de gastos e pouco depois, a reforma trabalhista. Teve a reforma da previdência sabotada por um ato ilegal, a abertura de uma investigação que a Constituição proíbe, já que o presidente, no exercício do mandato, não pode ser investigado por crime comum, apenas pelos crimes politicos/administrativos.

A delação da JBS/Janot foi a troca da reforma da previdência pelo toma-lá, dá-cá descarado de cargos e benesses para manter o presidente no cargo, e a partir de então, instalou-se a paralisia, especialmente a que o fez ignorar os protestos dos caminhoneiros, que vinham ocorrendo desde outubro passado.

E o fez até porque o Congresso também não se preocupou mais em reformar nada. Pior que isso, Temer passou a ter todos os seus atos contestados pelo Judiciário. Por mais que tente atacar algum problema, o sistema político o bloqueia, o desgasta, o impede de qualquer iniciativa.

A soma da falta de apoio parlamentar com baixa autoridade de quem não exerce o poder que tem, salvo para se manter no cargo, levou o governo a empurrar o país com a barriga. Dentro daquela lógica de "não sabendo o que fazer, melhor nada fazer", chegou-se à esta crise que encerra muitos dos problemas do Brasil - um Estado inchado, que gasta mal o dinheiro público, no qual há gente demais encostada recebendo benefícios e privilégios em detrimento da maioria da população, que vê a carga tributária subir sem parar por 40 anos seguidos - mas com os candidatos à presidência defendendo a criação de ainda mais impostos, sem nenhuma preocupação em efetivamente reformar o que há muito não funciona direito. E ao mesmo tempo, setores da sociedade arroxada por impostos extorsivos e burocracia insana, protestando para receberem um alívio da pesada mão do Estado que lhes aperta os pescoços.

Temer contemporizou sobre as reivindicações dos caminhoneiros mas já chegou em junho. Seu mandato acaba em 6 meses sem a menor possibilidade de sequer ser candidato à reeleição. Quando viu que o país parou, pediu uma trégua de três dias e foi ignorado, celebrou um acordo provisório que o transformou em vilão também do mercado financeiro e por fim, aceitou todas as exigências mais óbvias de um movimento difuso, que não tem líderes.

O que muita gente não percebeu é que Temer não capitulou, ele simplesmente levou até onde podia, desistiu de governar porque só faltam 6 meses para dar adeus ao Planalto. Ou seja, pôde dar o que o movimento queria, porque a conta não será administrada por ele. 

Nesta altura dos acontecimentos, ele pode pedalar (cobrir rombos do orçamento com dinheiro dos bancos públicos), desonerar impostos, beneficiar quem puder e até retirar projetos de lei sobre assuntos desta ordem, basicamente porque ele deixa a conta para o governo seguinte, sem nenhuma possibilidade de ser punido de modo efetivo por isto.

Mas ninguém poderá dizer que ele não fez o que podia para solucionar a crise, na história, está registrado que ele atendeu todas as reivindicações.

Quando chegar 2019 ele não será cassado por pedalar já que não será mais presidente. Nem terá medo da inelegibilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal, porque é improvável que volte a ser candidato a cargo algum.

Se ele for punido por algo, o será por crimes comuns que não guardam relação nenhuma com os atos administrativos que tomou ontem, assinando decretos e medidas provisórias.

Ganhou tempo, levou com a barriga até onde era possível transferir o problema para o próximo governante.

E transferiu. E o novo presidente que assuma o ônus dos efeitos. 

Para Temer, a arte do possível foi feita no sentido de terminar seu mandato ou ao menos, chegar ao mais próximo possível disto. Deu uma solução imediata, que agrava um problema mediato, que por sua vez, está há muito tempo sem ser atacado por uma classe política que parece não entender que o dinheiro do Estado não é infinito.

O próximo presidente será obrigado a fazer reformas administrativa, fiscal, previdenciária e tributária. Se não o fizer, acabará como Temer (ou seu vice acabará como Temer), manipulando o que for possível  para "tirar o seu da reta" e transferindo o ônus para o governante seguinte. 

A arte do possível tem disso. Você esta no topo do poder, mas não pode exercê-lo. Mas o exerce quando vê que não mais lhe diz mais respeito...

25 de mai. de 2018

OS CAMINHÕES PARARAM AGORA, O BRASIL JÁ PAROU FAZ TEMPO



RJ, RS e MG não pagam em dia os salários do funcionalismo, apesar disso não atingir as ilhas de prosperidade que são o Judiciário e o Ministério Público destas unidades da federação.

Todos os demais estados sofrem com o aperto orçamentário gerado pelo não crescimento da economia, que por sua vez, tem sua causa no aumento exponencial da burocracia e dos impostos que vão sendo majorados para cobrir os furos causados pela incompetência visceral dos políticos. 

Hoje, o empresário depara não apenas com impostos extorsivos, mas com um monstro engessador da economia chamado nota fiscal eletrônica, associado a outro, que é um monstro policialesco de suas atividades, chamado SPED/E-Social, que gera várias declarações absurdas, cheias de códigos e regulamentações, que forçam o gasto e a perda de tempo com rotinas administrativas.

Uma nota fiscal no Brasil, carrega de 20 a 40 códigos diferentes. Quem se habilita a abrir uma empresa com uma estupidez deste tamanho?

De 2015 para cá, TODOS os estados aumentaram alíquotas internas de ICMS. Em alguns casos, elas passaram de 18 para 35% em produtos específicos. Em outra situação, o RJ ultrapassou a alíquota básica máxima de 18%, acrescentando um ponto percentual, e ao final de 2018, terá outros estados querendo isso também. Quem tinha IPVA abaixo de 4%, subiu para o patamar mais alto, quem não cobrava ITCMD a 8%, o aumentou também. 

Criaram o DIFAL, um ICMS adicional que remunera os estados-destinos das mercadorias, e que por sua vez, exige que o fornecedor emita uma guia para cada venda de produto, sendo que esta guia tem que ser calculada estado por estado e não há uma alíquota única, forçando o empresário a estar atualizado sobre o regulamentos de ICMS de todas as unidades da federação. Além disso, também criaram o FCP - Fundo de Combate à Pobreza, de 2% cobrado do mesmo jeito, mas cujos recursos são usados para tudo, menos para combater a pobreza.

O governo federal não corrige a tabela do imposto de renda pessoa física e numa tacada só, majorou o PIS/COFINS sobre combustíveis, de modo que a gasolina e o etanol aumentaram em 40 centavos de um dia para o outro.

E todo esse "ajuste fiscal" sem cortar despesas, que continuam crescendo mais que a arrecadação.

A politicagem que tomou conta do país desde 2003, quando o então presidente da república começou a incentivar a criação de novos partidos políticos para enfraquecer a oposição, legou ao Brasil a incapacidade de atacar seus problemas, pelo medo do efeito eleitoral.

O Brasil não discute reforma da previdência porque os parlamentares tem medo de não serem reeleitos. Não tira do armário a reforma tributária porque isso incomoda os governadores e prefeitos. Não faz reforma administrativa porque não quer ferir suscetibilidades, especialmente a dos agentes públicos que recebem remunerações acima do teto constitucional. Não se discutem os salários do Judiciário e do Ministério Público com medo de represálias da Lava Jato, não se mexe nas remunerações dos Legislativos com o medo que se percam apoios paroquiais das bases dos deputados e senadores.

Todos os problemas do país são tratados exclusivamente sob a ótica da arrecadação tributária. Aumentam-se os impostos e a burocracia para cobrá-los, e os problemas reais são dados como insolúveis, porque nenhum agente político quer ter a dor de cabeça de se explicar para seu eleitorado, até porque a mídia incentiva o discurso dos políticos contra o povo, sendo que este, rejeita qualquer proposta e qualquer discussão, mesmo que isso signifique proteger privilégios de uns poucos.

O Brasil é um país em que a Constituição limita remuneração do funcionalismo em 35 mil, mas mantém milhares de agentes ganhando acima disso. É um país que fala bastante de empreendedorismo, mas odeia a livre empresa, faz tudo para impedir que ela prospere. É um lugar onde se fala demais nos direitos de todos, mas não faz nada além de incentivar que sejam violados para que os privilegiados, que são os altos agentes públicos e as pessoas associadas à eles, vivam como nababos em meio a miséria e à desesperança. Pior que isso, é a associação de políticos (e consequentemente do Estado) com o crime organizado comum, como comprova o Rio de Janeiro.

Já chegamos ao caldo de cultura que transformou a Venezuela num inferno. Está faltando apenas eleger um populista com anseios ditatoriais e candidatos à isto não faltam, aliás, são maioria tanto à esquerda quanto à direita do espectro político, com seus ares salvacionistas, arrotando que pensam no povo, quando em verdade, o usam como massa de manobra para deixar tudo como está e manter os privilegiados de sempre sem atacar os verdadeiros problemas nacionais.

Se a paralisação dos transportadores causar desabastecimento grave, além de um certo limite de tolerância popular, temo que o Brasil entre em um processo de convulsão social que, ou vai gerar a eleição de um belzebu pronto para se transformar num Nicolas Maduro, ou vai entregar o poder a um presidente de mãos atadas, que vai administrar a falência final do país, que não aguenta mais pagar impostos em troca do nada que constata ao menos desde 2010, postergando, apenas, o problema final que será muito pior.

21 de mai. de 2018

A GASOLINA, O DIESEL E O ETANOL QUE NOS ATORMENTAM



Várias vezes eu já disse que o brasileiro é "sui generis". Ele quer o melhor do capitalismo, mas não abre mão de socializar seus problemas. Quando faz as escolhas erradas, acorre ao Estado pela sua salvação, quando o lucro é alto, foge da coisa pública para não pagar impostos.

O caso da Petrobrás encerra algumas idiossincrasias nacionais.

A empresa detém um monopólio. Ela explora e refina o petróleo, e distribui os derivados praticamente sozinha. Seu poder é tão grande, seu "lobby" é tão poderoso que ninguém é louco de concorrer ousando importar combustíveis para vender no mercado interno. Quem tenta, depara com um monstro burocrático e fiscal à serviço da companhia que deveria ser "do povo", mas que tem milhares de acionistas privados, porque em certo momento se descobriu que poderia gerar aportes de capital com dinheiro alheio. De estatal foi transformada em pública, dentro daquele rol de eufemismos que o político brasileiro usa para justificar suas pilantragens e sua avidez pelo dinheiro alheio.

Sendo pública e tendo acionistas, cria-se o dilema: ela precisa dar lucros cada vez maiores para atender ao mercado, mas tendo o DNA estatal, deveria subsidiar os combustíveis em prol do crescimento de toda a economia, que é o que companhias estatais monopolistas fazem em qualquer lugar do mundo - elas trocam a ausência de concorrentes pelo lucro menor - em suposto favor da sociedade à que prestam serviço.

Mas na prática, a Petrobrás não faz uma coisa nem outra.

Dilma Roussef à queria estatal, mantinha os preços estáveis, independentes da quotação internacional do petróleo, da variação do dólar e dos custos. A empresa ameaçou quebrar e os acionistas chiaram, o mercado exigiu uma administração menos política, alegava que o controle dos preços não havia retido a inflação que não parava de crescer, apesar do acúmulo de prejuízos (se bem que também causados pela corrupção extraordinariamente ousada daqueles tempos). E os brasileiros exigiam a cabeça de Graça Foster, então presidente da companhia.

Assume Michel Temer e a companhia passa a ser gerida de modo profissional. A primeira medida é atrelar o preços dos derivados à quotação internacional e à variação dos custos. Mas sendo monopolista, isso gera efeito imediato nas bombas, não há semana em que o preço não suba e, quando deve cair, não desce, porque a margem de lucro de revendedores de combustíveis é baixa e eles aproveitam para lucrar, sem o que não sobrevivem. E os brasileiros passam a exigir a cabeça de Pedro Parente, atual presidente da empresa.

A gasolina subiu em torno de 57% desde que Michel Temer assumiu a presidência. O problema é que dentro deste percentual, mais ou menos metade corresponde ao aumento do PIS/COFINS, que, junto com a CIDE, são cobrados em valor fixo por litro. Numa tacada só, alegando a necessidade de equilíbrio fiscal, o preço subiu 40 centavos por litro. Outra boa parte é tomada pelo ICMS dos estados. Há estados que cobram o imposto por percentual, de modo que há governador que faz festa a cada vez que a Petrobrás pratica a majoração, porque a arrecadação sobe. No fim das contas, os impostos e a burocracia representam 80% do preço do combustível na bomba, sendo todo o resto, custos da Petrobras, das distribuidoras e dos postos, mais uma margem de lucro, que na ponta do revendedor final é quase nula, as vezes inexistente.

Mas se perguntar para o brasileiro médio o que ele pensa da Petrobrás, a resposta será simples: precisa ser estatal e monopolista! Mas é o mesmo cidadão que, se tiver a chance, troca o FGTS por ações da companhia e então passa a exigir que ela tenha lucros e que nunca deixe de acompanhar as altas do preço internacional.

O combustível no Brasil não é mais caro que, por exemplo, na Europa, onde a estrutura de custos e a tributação é parecida.

O problema é que o brasileiro, em média, tem renda muito menor que a de um europeu e ao mesmo tempo, sofre com a pilantragem: alguém já viu, em algum momento de sua vida, o álcool/etanol custar abaixo de 60% do valor de um litro de gasolina?

Resposta: não! Quando a gasolina sobe de preço, o etanol à acompanha, e seu preço está sempre no limite da viabilidade de consumo dos veículos.

Ou seja, é um conjunto perverso de monopólio que atende a poucos interesses, impostos extorsivos, burocracia, safadeza política, safadeza privada e pura e simples ausência de espírito cívico por todos os lados.

O preço dos combustíveis no Brasil, segue a máxima da "farinha pouca, meu pirão primeiro"...

9 de mai. de 2018

O CARTEL NOSSO DE CADA DIA



Se um curitibano quiser comprar um carro zero com seu usado no negócio, vai pesquisar em todas as marcas e aferir preços parecidos em todas elas. E o valor oferecido pelo seu usado não vai variar: em Curitiba, 3 grupos econômicos concentram 80% do mercado de carros novos, inclusive com cada um deles oferecendo quase todas as marcas e indo em direção a oferecer todas em pouco tempo, o que faz com que, via de regra, a primeira avaliação do usado, na primeira pesquisa, seja a que vai ser aplicada no negócio. Ou seja, ganha-se bem na venda do novo, na compra do usado e na revenda do usado, porque a concorrência é pífia e foi sendo eliminada ao longo da última década, quando revendedores tradicionais foram entregando suas lojas para os grandes grupos.

Na mesma Curitiba, dois ou três grupos educacionais vão concentrando escolas e faculdades em seu portfólio e não é raro que instituições tradicionais mudem de nome e logotipo da noite para o dia. E agora, está experimentando uma onda de venda das instituições que sobraram, para grandes grupos educacionais do RJ e de SP, e na esteira disto, vem o aumento do preço, porque poucas empresas oferecem o serviço, e todas elas ávidas pelos créditos estudantis oferecidos pelo governo. Ou seja, o governo brasileiro é o que mais perde: ele oferece um crédito estudantil com algum subsídio, que acaba sendo deferido para alunos de algumas poucas instituições, sem muita variação de mensalidades.

E Curitiba é apenas uma cidade, que não deixa de ser um microcosmo do país, onde esse processo de concentração está ocorrendo em todo lugar, em maior ou menor grau.

De uns tempos para cá se descobriu o ovo de Colombo: os juros são altos para o consumidor porque apenas 5 bancos concentram 90% do crédito e do microcrédito no país, sendo dois deles estatais e os outros 3, gigantes que foram adquirindo concorrentes com uma facilidade ímpar, sem muita ou nenhuma preocupação com as leis anti-truste ou de prevenção à concentração econômica. O discurso foi sempre o mesmo - o pequeno banco tem que ser vendido ao grande banco, para que "o sistema" não sofra riscos - e com isso, o consumidor paga taxas que correspondem a 10 a 15 vezes a SELIC, afinal, entre 5 grandes, basta uma reunião de diretores para estipular uma banda de juros mínimos e máximos e "concorrer" com variação mínima e lucros para todos. Mas ainda mais deletério é saber que estes 5 bancos restringem o crédito e empurram o consumidor com algum problema de cadastro para as arapucas da consignação em folha ou do crédito para negativados, cujas taxas são ainda maiores e as regras draconianas, à guisa muitas vezes do desespero da pessoa que precisa solucionar problemas imediatos.

O problema não é estas empresas lucrarem, mas sim eliminarem seus concorrentes sem muita repercussão, facilitando a estipulação de preços. 

A proteção à livre concorrência no Brasil é notoriamente frouxa. O CADE tem por função atuar nacional ou localmente, ou seja, tanto na concentração nacional, quanto na estadual, na regional e na municipal, em valores que não são assim tão altos, a ponto de isentar as empresas de declararem o ato de incorporação da concorrência. E eu não lembro de uma única ocasião em que o Banco Central tenha se manifestado contra a fusão de bancos, que é uma coisa tão comum no país que as pessoas deixaram de perceber.

Mas nos 3 exemplos o processo de cartelização cobra seu preço: nunca se produziram tantos automóveis no país, mas os preços só aumentam. Nunca se ofereceram tantas vagas em instituições de ensino privadas, mas o custo é proibitivo e o Estado brasileiro assume boa parte dele. Nunca os juros nominais da economia foram tão baixos, mas as taxas ao consumidor e às empresas estão inalteradas, chegam a 16, 17% ao mês nas modalidades de crédito mais agressivas.

É certo que é da índole nacional adorar um cartório. O brasileiro pensa que o seu valor não pode ser aviltado, ele prefere um acordo com o adversário do que se esforçar para atrair o consumidor com preços mais baixos e margens mais apertadas. O brasileiro não é muito afeito ao ganho de escala e de eficiência, e disto sai prejudicado, embora defenda sempre o seu cartel particular.

Pode até o leitor dizer que cartel é uma palavra forte demais, que ele não está caracterizado, que é um exagero... mas dê-se o nome que quiser, o fato é que o país está caminhando a passos largos para a não-concorrência em alguns setores, com visível prejuízo ao progresso e à sua população. Essa mesma "não-concorrência" já quebrou o Estado brasileiro algumas vezes na insistência dos monopólios estatais, mas a grande verdade é que a conta sempre foi paga pelas mesmas pessoas que pagam pela concentração de negócios privados, o consumidor e/ou o contribuinte.

3 de mai. de 2018

O FUTEBOL PREDATÓRIO DA TV



O futebol moderno é caracterizado pela influência da TV. 

Ao mesmo tempo em que a TV aumenta a visibilidade de alguns clubes, ela condena outros à decadência, e na mesma medida em que faz dos super-craques milionários da noite para o dia, traz o desemprego à maioria dos atletas pela inexistência de mercado de trabalho.

Em contrário do modelo norte-americano de privilegiar a competição e não o clube, nem a marca, a estratégia financeira das TV(s)  inflaciona o futebol porque escolhe seus clubes preferidos, e faz com  que os demais experimentem recordes de endividamento na tentativa de se igualarem nas competições. Isso mostra que todo o dinheiro que a TV gera não é suficiente para atender os custos crescentes do espetáculo midiático, mesmo em um universo restrito de 40 clubes por país, se muito.

Ademais, é um fenômeno que não encerra na questão financeira, também tem reflexos no aspecto técnico. É visível, já há algumas décadas, que as arbitragens favorecem aqueles clubes que as TV(s) privilegiam porque somam mais espectadores a cada transmissão. E dentre os grandes, os que dão mais audiência são ainda mais favorecidos por pênaltis estranhos marcados ou negados, inversões de faltas e arbitragens que travam jogos em que o empate garante o campeão de audiência na próxima fase.

No Brasil, esse fenômeno já  limitou os campeonatos estaduais e tolheu dezenas de clubes tradicionais. XV de Piracicaba, XV de Jaú, São Bento de Sorocaba, Matsubara, União Bandeirante, Olaria, Bangu, Vila Nova MG, Internacional de Santa Maria, Anapolina, etc... que volta e meia aprontavam para os ditos grandes e tornavam o futebol atrativo. Hoje, os que ainda mantém atividades são sombras do seu passado, incapazes de montar times porque o futebol ficou inflacionado e sofre a concorrência da própria TV, que oferece campeonatos a qualquer horário do dia, de modo que o espectador simplesmente não assiste mais jogos ao vivo, o que gera estádios (alguns enormes) vazios e decrépitos, sub-utilizados ou inutilizados e desemprego entre os atletas, muitos dos quais jogam apenas por 2 ou 3 meses por ano.

E já estamos numa segunda fase desse processo. Clubes antigamente considerados grandes como Coritiba, Goiás, Náutico, Santa Cruz, Avaí, Figueirense, Ceará, Fortaleza e Paysandú encaram balanços indicando grandes dívidas geradas pela necessidade de enfrentar a inflação do futebol e manter a luta inglória de tentar ganhar títulos importantes, inclusive contra as arbitragens. Falando pelo meu clube, o Coritiba, o balanço deste ano revela que, em 2017, teve um déficit de 700 mil reais por mês. Roubado descaradamente em duas finais de Copa do Brasil nesta década, viu sua dívida saltar dos 30 milhões em 2008 para 250 em 2017, isso fazendo contratações caras para lutar sempre para não ser rebaixado. E como ele, vários clubes com grandes massas torcedoras em situação parecida.

É verdade que a má-administração atávica o afetou, mas o futebol moderno vem sistematicamente diminuindo o tamanho de agremiações tradicionais e de massa torcedora relevante, um fenômeno que já está afetando Vasco da Gama, Botafogo e Fluminense e não vai demorar, se alastrará para outros até maiores, a julgar pelo tempo em que clubes como Atlhetic Bilbão, Nottingham Forest, Everton, Werder Bremen, Milan e Glasgow Rangers amargam sem títulos, quando no passado estavam sempre disputando as melhores posições em seus torneios.

Não vai demorar o processo vai se agravar e tolher os clubes ditos médios e depois, dentre os grandes, os menos grandes e de menor audiência, até o dia em que os torneios nacionais serão como os da Espanha, onde Real Madrid e Barcelona fazem suas campanhas disputando os títulos apenas entre eles mesmos, isso se não se criar a dita "liga mundial", onde 10 ou 12 clubes concentrarão as receitas e as audiências, e todos os demais serão tapa-buracos de audiência e de programações de TV, se enterrando ainda mais em dívidas na tentativa de conseguir uma vaga na competição internacional.

Os norte-americanos já descobriram há tempos que o esporte coletivo não sobrevive quando os títulos se concentram em poucas agremiações. Em determinado momento, o torcedor desiste de acompanhar, não vai mais ao estádio ou ao ginásio, não vê necessidade de apoiar sabendo que isso não vai alterar o resultado. No futebol, que é um esporte em que a corrupção está presente desde a base até o topo de sua estrutura, ainda não se entendeu que competição envolve muitos atores, não apenas dois ou três que gerem índices de audiência.

O futuro do "nobre esporte bretão", deveria ser melhor discutido nos momentos em que se assinam contratos de transmissão.

CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...