12 de fev. de 2019

PUNIR O FLAMENGO É DEIXAR IMPUNE O VERDADEIRO CULPADO, NA VALE TAMBÉM.



O sistema jurídico brasileiro é fundado na pessoa, ele julga os atos humanos, não os fatos que afetam as universalidades como as empresas, os espólios e a administração pública. 

É recentíssima, em termos jurídicos, a discussão acerca das natureza de uma instituição. Quando entrei na faculdade, em 1989, ainda repercutia um livro do brilhante e saudoso professor José Lamartine Corrêa de Oliveira, "A Dupla Crise da Pessoa Jurídica", em que se discute justamente isto: até onde a pessoa jurídica é sujeito de direitos e obrigações? 

De qualquer modo, o importante para o leitor é saber que o sistema jurídico brasileiro só pune a pessoa jurídica do ponto de vista pecuniário. A pessoa jurídica é multada e condenada a pagar ou fazer, mas não sofre com sentença penal, porque por óbvio, os seus atos criminosos são praticados por pessoas físicas.

Os mesmos contâineres da tragédia no Ninho do Urubu do grande Flamengo são usados no CT do pequeno Coritiba para hotelaria dos jogadores profissionais. Talvez o projeto seja mais bem executado, provavelmente se tomaram cuidados adicionais, mas em essência, é o mesmo tipo construtivo. 

Um pequeno minerador também pode causar desastres ambientais. Uma pequena empresa também pode causar mortes no mau gerenciamento de suas atividades. Não é implausível, por exemplo, que um acidente numa pedreira possa gerar uma explosão gigantesca ou um derrame de material tóxico em um rio, com matança de peixes e de vegetação.

Essas tragédias praticamente comezinhas que acontecem no Brasil sempre são seguidas de discussões radicais: a Vale não pode ser fechada porque gera 70 mil empregos, o Flamengo não pode ser punido porque tem 30 milhões de torcedores, a Mineração da Anta precisa ser fechada porque dois de seus 10 funcionários morreram, o Coritiba Foot Ball Club tem de ser extinto porque seus torcedores causaram o caos na cidade e uma pessoa morreu a 15 quilômetros do estádio em decorrência do tumulto.

Notaram que o debate é contraditório?

Notaram que pau que bate em Chico nem sempre vai ralar Francisco?

Uma das piores características brasileiras é maniqueísmo que se usa para proteger quem erra. De acordo com o agente agressor, temos uma forma de agir. Se é o grande Flamengo, dizemos que o clube não pode ser punido, se é o pequeno Coritiba, fazemos campanha para que ele desapareça e sirva de lição. Se é o diretor da Vale, ele não tem como saber de todos os atos de seus subordinados, se é da Mineração da Anta, é um capitalista ganancioso sedento por lucro fácil.

E neste eterno debate, no fim das contas, os verdadeiros culpados ficam livres, não são afetados porque se forma uma confusão tamanha, que em certo momento não se sabe mais distinguir a pessoa da instituição, e isso vale para empresas, associações e até mesmo para o Estado, os órgãos da administração pública.

Já disse esses dias, pouco me importa se é na gigantesca Vale ou na micro Mineração da Anta, se é no pequeno Coritiba ou no gigante Flamengo, o que eu quero mesmo é ver gente em cana, presa, cumprindo decisão condenatória.

Porque quando acumulamos discussões sobre a responsabilidade de instituições, esquecemos que os atos delas são praticados por pessoas. 

Foram os diretores da Vale que não souberam tratar da segurança da barragem de Brumadinho, foram os da Samarco que não souberam tratar de Mariana, foram os diretores do Flamengo que mandaram os garotos se alojarem nos contâineres, foram os agentes públicos que multaram o clube 30 vezes e não interditaram o local com lacre, foram os fiscais da Agência Nacional de Mineração que não foram conferir o estado real das barragens de Mariana e Brumadinho.

Mas nenhum diretor do Coritiba foi preso por conta daquele incidente em 2009, como nenhum diretor da Samarco, como não foi sequer ouvido o governador do Paraná que negou policiamento adicional para aquele jogo fatídico da confusão do clube paranaense, como ninguém do então Departamento Nacional da Produção Mineral foi punido por omitir-se na fiscalização da barragem que veio a romper em Mariana.

E parece que agora, encaminha-se tudo para a mesma direção. Discute-se a responsabilidade das grandes instituições, Vale e Flamengo, mas não se fala na punição direta de suas diretorias ou ex-diretorias. Engenheiros de uma prestadora de serviço pegam prisão provisória, mas nada é feito contra a diretoria de uma empresa recorrente em problemas ambientais. Não se pune o administrador público omisso na sua obrigação de fazer cumprir a Lei, porque supostamente não havia pessoal suficiente, ou, ainda, não era clara a competência funcional em tomar atos acautelatórios.

Como a instituição só pode ser punida com multa ou com custo de praticar um ato, esta se paga, ou entra em dívida ativa, ou se discute ad aeternum em algum tribunal, mas os verdadeiros criminosos ficam livres, aproveitam o escudo eficiente da instituição que já deixou muito criminoso livre, leve e solto, gozando da vida que roubou outras vidas.


7 de fev. de 2019

AS TRAGÉDIAS DE UM BRASIL QUE NÃO APRENDE



O Césio 137 causou um problema gravíssimo, tanto de infra-estrutura quanto de saúde pública, mas há poucos dias, outro aparelho de raio-x foi encontrado em um ferro-velho. A mesma prática irresponsável, a mesma ausência de fiscalização, a mesma temeridade e provavelmente, a mesma ignorância de não atentar que um aparelho dessa natureza não pode ser descartado de modo tão simples.

É praticamente anual uma temporada de chuvas que cause desabamentos e mortes na cidade do Rio de Janeiro. Eu lembro bem de um carnaval 20 anos atrás, em que o Joaozinho Trinta chegou até a fazer uma alegoria que pedia chuva para um orixá que só atendia os pedidos em contrário. O fato é que, maiores ou menores, praticamente todos os anos o Rio de Janeiro experimenta tragédias nas encostas e nas suas muitas favelas. E nem por isso se faz absolutamente nada para corrigir o problema e conter o adensamento urbano irregular e desenfreado. Décadas perdidas sem nenhum programa eficiente de habitação popular e urbanização, coisas que o prefeito Negrão de Lima já defendia na década de 60. Em contrário, a favela virou até atração, com direito a trégua dos traficantes quando aparecem ônibus de turismo.

Na tragédia da Serra Fluminense em 2011, também. Naquele conjunto perverso de condições climáticas desfavoráveis e ocupação urbana desordenada e irresponsável morreram quase mil pessoas e 30 mil ficaram desabrigadas, sendo que ainda há gente nesta situação, passados mais de 8 anos. Quase uma década sem nenhuma política de segurança e, pior, roubalheira e corrupção generalizada nas obras públicas que seguiram para reparar os danos, desvios ou simples esquecimento de donativos em depósitos.

O Morro do Bumba, episódio de ganância imobiliária misturada com ocupação urbana desordenada e irresponsável morreram 267 pessoas. Passados quase 9 anos não há um marco regulatório eficaz sobre aterros sanitários e lixões, que continuam sendo utilizados para adensamentos urbanos tão logo sejam desativados como destinos de lixo.

Na Boate Kiss morreram 242 pessoas e, passados quase 6 anos, não há nenhum condenado, não há nenhum indenizado. Daquela carnificina o que seguiu foi uma obrigatoriedade vexatória de placas verdes na frente de todos os estabelecimentos comerciais, mas de ação prática efetiva para que não se repita, quase nada. E ali manifestou-se outro defeito visceral do Brasil, o autoritarismo de agentes que deveriam proteger os cidadãos, como um promotor que processou um pai de vítima, único condenado até agora, por danos morais decorrentes de supostas ofensas em face da demora no trato da questão.

Na tragédia ambiental de Mariana, além de morrerem 19 pessoas foram milhares de animais domésticos e silvestres, além de uma perda colossal de biodiversidade com a morte de um rio, comprometendo uma bacia hidrográfica inteira. É possível que dali, tenham partido os surtos de febre amarela e chicungunha que estão levando a situação sanitária do país para algo parecido com a do início do século XX. Sem nenhuma consequência criminal, não há presos, as ações mitigadoras dos danos foram mínimas e o marco regulatório simplesmente não saiu do lugar. Os peixes voltaram ao Rio Doce, mas a pesca nele praticamente acabou em razão da contaminação, apesar da vida insistir em voltar ao rio, os bancos de areia de sedimentos tóxicos vão se transformando em ilhas. O então Departamento Nacional da Produção Mineral passou a exigir um relatório anual sobre o estado de represas de rejeitos e tudo ficou nisso mesmo, nada mais se fez, nada mais se disse até que aconteceu Brumadinho.

Em todos estes casos há componentes comuns: 

O problema aparece e não é atacado. Nada se resolve, no máximo se discutem leis poéticas e idealizadas que não são cumpridas porque exigem uma burocracia tão grande que o Estado não consegue operá-las, como, aliás, é incapaz de operar até a legislação que já existe, cujo rigor é imenso, mas apenas para acumular papéis.

Ausência completa de fiscalização e atuação pró-ativa do Estado. A legislação existe, existem diversos órgãos capazes de fazer verificações, mas na prática, alega-se falta de competência, de pessoal e de condições materiais. E o Estado continua existindo apenas como mantenedor de si mesmo, sem que as 3 esferas se conversem, como se municípios e estados não estivessem inseridos em uma federação.

Pior é o festival de politicagem. Deputados e senadores criam CPI(s) e fazem discursos inflamados contra o governo de plantão, exigem providências e dizem que vão instituir o rigor da Lei. Tudo jogado ao vento, esquecido tão logo a mídia passa para outro item da pauta macabra do dia a dia nacional. 

Há quem diga que o Brasil sofre um castigo de Deus, mas se olharmos os muitos episódios agudos e os milhares de episódios diários que são representados por quase 120 mil mortes violentas por ano, que incluem homicídios, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho e doenças decorrentes de atividades, a única constatação objetiva é de que somos irresponsáveis, não aprendemos com nossos erros, continuamos achando que leis poéticas resolvem problemas que precisam de ações práticas.

Aliás, o fetiche brasileiro por leis é algo sintomático de nossa sociedade. Para tudo há lei, para tudo há regulamento, mas nada é solucionado porque na mesma proporção em que se legisla, se abrem brechas para a proteção processual dos desonestos e dos malandros. Quando constatamos que ladrões contumazes de dinheiro público apostam sua liberdade na discussão de prisão somente após o trânsito em julgado, quando olhamos os números que demonstram que 90% das multas ambientais simplesmente não são pagas, quando indignados ouvimos falar da troca de punições por termos de ajustamentos de conduta, tudo isso nos remete a leis que não protegem a sociedade nem às coisas que ela deve prezar, mas somente às elites políticas, econômicas e intelectuais, todas elas sempre agraciadas com algum tipo de benesse que é negado para a maior parte da população.

Quando generalizo assim, é óbvio que a culpa recai sobre a classe política, afinal, é dela que se espera que se tomem as iniciativas mais importantes para enfrentar problemas. Mas não é um problema apenas da classe política, é um problema nosso, como país incapaz de cobrar de seus governantes uma atuação mínima que aprenda com os erros no pranto das tragédias, para que elas não se repitam.

Enquanto nós, brasileiros, não aprendermos que uma única morte violenta, qualquer que seja o motivo, é vergonhosa e aviltante à nossa condição de cidadãos, nunca sairemos deste circulo vicioso de tragédia-indignação-falatório-nova tragédia. Enquanto não colocarmos a Lei para punir os criminosos ao invés de dar-lhes razões de defesa e obtenção de prazos processuais protelatórios continuaremos a ser a pátria das tragédias, das mortes estúpidas, da vida que não vale nada se for de um cidadão comum que não tenha relações privilegiadas com o Estado.



31 de jan. de 2019

BRUMADINHO É O WATERLOO BRASILEIRO



Do lado de lá não havia o Duque de Wellington, do lado de cá não era Napoleão. 

200 anos atrás, os atos de heroísmo ocorreram durante a batalha, aqui, aos milhares depois do desastre.

Lá como cá, o derrotado foi prostrado, mas aqui não houve vencedores.

Brumadinho é uma espécie de Waterloo brasileiro. É aquele momento em que se descobre que aquilo tudo em acreditamos por muito tempo realmente nada vale. 

O Brasil acreditou em quase toda sua história que seus problemas se resolveriam com leis idealizadas e o Estado inchado de funcionários muito bem remunerados que às aplicariam para a glória da nação. 

Na prática, as leis não valem para nada e o Estado só serve à si mesmo. 

Ele não fiscaliza, seus agentes se escondem atrás de regras de competência, regulamentos obscuros, papelada, carimbos e a crença messiânica de que basta cobrar taxas e mandar que a iniciativa privada resolva todo o resto, enquanto o Estado posa de provedor do bem estar social que ele só garante para seus agentes mais bem remunerados. 

O Estado chancela, no Brasil é moleza: todos acreditam que uma licença ambiental emitida é garantia de que problema nenhum vai ocorrer. 

O papel é mais importante que as ações, o cidadão que falsifica o papel é mais vilão que o Estado que o emitiu sem nenhuma ação prática, salvo a de carimbar e assinar um processo com certificação eletrônica, sem se dar ao trabalho nem de ir dar uma olhadinha perfunctória para ver se está tudo ok.

Tal qual Napoleão que exigia carga dos exércitos dos quais não mais dispunha, em Mariana o Brasil quis fazer o que sempre fez para ter efeito diferente: uma enxurrada de novas obrigações burocráticas, de taxas, de declarações, de acúmulo de papéis que na prática dariam a impressão de que o problema estava sendo atacado. 

Napoleão acreditava vencer com o poder que já não detinha, o Brasil pensou que poderia mudar a realidade cometendo os mesmos erros de sempre, aqueles da Boate Kiss, no Morro do Bumba, na Serra Fluminense e no episódio do Césio 137.

A grande verdade é que em Brumadinho, fomos derrotados como nação. Os poderoso exército imaginário de um Napoleão enfraquecido, aqui foi um Estado apodrecido, que coage e inviabiliza pequenos empresários, mas troca favores com as mega corporações em conselhos obscuros que relativizam a lei poética para maximizar o lucro que garante a valorização dos papéis de propriedade de fundos estatais de pensão.

Tal qual a França de Napoleão que conheceu o sabor amargo da derrota definitiva, o Brasil sentiu a boca seca da lama tóxica que nos alerta que, do jeito que fazemos, não podemos vencer.

O nosso Wellington foi a força poderosa do descaso e da irresponsabilidade, a vítima, foi como em Waterloo um país inteiro, que perdeu 400 dos seus filhos, milhares de animais domésticos e silvestres, plantas, árvores e rios inteiros, porque a maldita burocracia não consegue reunir agentes federais, estaduais e municipais para montar um cronograma de fiscalização de barragens de empresas lucrativas que não cumprem aqui, as obrigações rigorosas que cumprem no exterior.

Waterloo ensinou aos franceses o valor de aprender que o mundo muda e quem não aprende com isso conhece a derrota. Será que Brumadinho vai ensinar os brasileiros a não serem mais derrotados por sua incapacidade em mudar e fazer as coisas direito?










25 de jan. de 2019

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA NÃO É DO BOLSONARO



Induzir a confusão de reforma da previdência com fim da aposentadoria é criminoso, atenta contra o futuro de todos os brasileiros.

Se confirmado o atual cálculo atuarial sem que se faça nada para adequar a previdência, em breve o governo brasileiro terá de abrir mão de programas sociais que lhes são facultativos (não são políticas de Estado, não são definidas como obrigatórias) como o Bolsa-Família e o Seguro-Desemprego, deixando de pagá-los para quitar as obrigações carimbadas, no caso, as aposentadorias.

Se nada for feito, em um prazo adicional à isto, os governos brasileiros começarão a ter de escolher entre gastar  ou com a previdência, ou com a saúde, ou com a segurança pública. Não haverá recursos para todas elas, a tendência é que todas percam verba.

E se a inércia continuar, em determinado momento futuro o governo federal fará como os governos falidos do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro: passará a parcelar os pagamentos tanto de ativos, quanto de aposentados.

E se mesmo assim  não se fizer uma reforma, chegará o dia em que os governos simplesmente não pagarão mais uma parte dos aposentados ou vão retirar parte dos rendimentos, em razão da necessidade de manter serviços públicos mínimos.

E quando isso acontecer, os primeiros a serem prejudicados não serão os nababos que recebem aposentadorias de 6 dígitos, estes têm uma enorme rede de proteção que inclui um Judiciário elitista que certamente dará liminares em favor de ex-desembargadores ou ex-auditores fiscais, mas que vai ignorar os aposentados que recebem salário mínimo, estas pessoas que não têm dinheiro para pagar advogados e custas judiciais, e que são pessimamente atendidas pela Justiça dativa mal estruturada no país inteiro.

Reformar a previdência não era, certamente, uma tarefa que nenhum presidente do passado queria assumir. FHC, Lula e Dilma se desgastaram tratando disso, tiveram oposição ferrenha até mesmo dentro de seus próprios partidos. Michel Temer teve a chance de ouro de conseguir uma reforma parcial que daria um respiro atuarial de alguns anos, foi barrado pela denúncia Janot/Joesley. Todos eles, se pudessem, nem tocariam no assunto, é muito mais fácil ser governante sem mexer em vespeiro, o problema é que governar exige olhar para o futuro, e neste, o vespeiro sempre aparece no horizonte.

A reforma da previdência que vem por aí não é do Bolsonaro, porque se ela representa um número baixo, digamos, 400 bilhões de reais em 10 anos, significará uma economia que não chega a 1/3 do déficit público de 2018 em dois governos e meio. 

Aliás, se esta reforma que vem sendo discutida desde o governo Dilma for aprovada nestes termos, imediatamente após sua sanção ou promulgação, será necessário iniciar outra discussão sobre o mesmo assunto, porque as previdências dos militares, dos funcionalismos estaduais e municipais não terão sido atacadas.

O governo Jaime Lerner instituiu o Paraná Previdência, que é a entidade que administra as aposentadorias dos funcionários públicos estaduais. A idéia inicial era capitalizar as contribuições dos funcionários e do próprio estado. Mas o estado NUNCA honrou a sua parte (com os governadores Roberto Requião e Beto Richa) e além disso, recentemente aprovou-se uma lei segundo a qual, está isento de honrar tanto os compromissos passados quanto os futuros. Resultado: o cálculo atuarial simplesmente não encontra recursos para honrar as aposentadorias em 15 ou 20 anos.

É um problema colossal que se repete nos demais estados e em previdências municipais, em um país onde a expectativa de vida cresce todos os anos. 

Que pode, é verdade, ser amenizado com crescimento e recuperação da economia. Mas amenizar não é solucionar.

Se o atual governo aceitar o desgaste que terá para discutir a previdência, em aprovando qualquer reforma estará prestando um enorme serviço ao país, inclusive aos governantes futuros, sejam eles da situação, sejam da oposição.

Vivendo em uma democracia, é provável, aliás, é certeiro que em algum momento futuro a oposição voltará a governar o país. Há quem prefira assumir um país totalmente quebrado e inviável, porque isso abre chance para discursos salvacionistas, demagogia e no fim das contas, ditadura. Mas acreditando na democracia também se pode dizer que mesmo a oposição séria tem interesse em reformar a previdência.

Portanto, quem disser que a reforma quer acabar com a aposentadoria, certamente tem um pé no regime de exceção. A questão precisa ser discutida, ninguém está pedindo que a oposição não apresente alternativas, mas fazer nada não é alternativa, e todo mundo sabe disto!




23 de jan. de 2019

QUANDO NADA ESTÁ BOM...

Nem falar de Dilma Roussef, cuja burrice extrema virou motivo de piada mundial.

Ou de Lula, com seus "nunca antes", querendo dizer que ele mesmo refundou o país e o mundo.

Mas Michel Temer, a cada vez que se manifestava, era um desastre completo. Suas mesóclises e incapacidade de concisão, as derrapadas que fariam qualquer porta-voz ficar de cabelos brancos. 

Nem por isso Temer tinha seus discursos analisados linha por linha, vírgula por vírgula.

Uma boa parte da imprensa brasileira não entendeu ainda que o país não quis eleger Fernando Haddad, porque ele era candidato do PT e do presidiário Lula. 

O país pode não ter escolhido o melhor candidato de oposição ao PT (eu mesmo, preferia o Henrique Meirelles, que nem era assim tão oposição ao PT), mas efetivamente não quis manter o projeto ditatorial e irresponsável do partido que apóia Nicolas Maduro, o partido de José Dirceu, Antonio Palocci, Cândido Vacarezza, Tarso Genro, Césare Battisti, Gleisi Hoffmann, Benedita da Silva e Maria do Rosário.

O país elegeu Jair Bolsonaro. Eu votei no Jair Bolsonaro não porque gostava dele, mas porque ele era a única opção contra o PT. Se Ciro Gomes tivesse ido ao segundo turno contra Haddad, eu votaria em Ciro Gomes. Se fosse o Alckmin, idem, se fosse o Luciano Huck, idem, Cabo Daciollo, idem, etc...

Negar o sentimento nacional de anti-petismo é simplesmente ignorar as derrotas acachapantes de Dilma Roussef, Roberto Requião, Lindberg Farias e demais próceres do petismo ou do petismo disfarçado. E não são os deslizes morais de Flávio Bolsonaro que podem remir o rol de absursos perpetrados pelo partido do presidiário Lula.

Se o Flávio Bolsonaro, filho do presidente, é corrupto, se ele desviou dinheiro dos funcionários do gabinete, se ele empregou mãe e irmã de miliciano, é outro assunto completamente diferente. O Flávio Bolsonaro que seja investigado, condenado e preso, pouco importa, ele não é o presidente.

Mas desqualificar todos os atos do governo, analisando discursos vírgula por vírgula e remetendo o governo inteiro ao deslize moral do filho do presidente é asqueroso, especialmente com 20 dias de governo.

Se o governo vai engrenar, não sei.

Se vai conseguir aprovar reformas, também não sei.

Se ao final de 4 anos será um desastre, ninguém sabe.

Se Jair Bolsonaro vai sofrer impeachment, não se pode dizer isso agora.

Mas desqualificar um governo eleito democraticamente por um discurso de 6 minutos é apenas e tão somente recalque.

9 de jan. de 2019

PADRE RUPERT MAYER - O TRIUNFO DA CONVICÇÃO


Introdução:

Na minha família, a história é de que meu avô encontrou o nome de meu pai em um resto de jornal no chão, lá em Jaraguá do Sul/SC, terra de colonos alemães, na década de 30.

Sim, meu pai se chama Rupert Mayer, um homônimo do herói que quero retratar neste texto singelo. Não se sabe, ao certo, se naquele jornal meu avô encontrou o nome do nosso herói ou apenas um “Rupert” remetendo ao duque da Bavária, príncipe do Reno, que viveu entre 1619 e 1682 na terra natal de nossos antepassados alemães. De qualquer modo, minha família não necessariamente veio da Alemanha como “Mayer”, ela pode ser “Mayr” ou mesmo “Meyer”, já que se sabe que meu avô tinha medo do nazismo e então batizou os filhos com um nome que não remetesse às famílias judias que na época já eram torturadas pelo regime criminoso liderado por Hitler.

Já faz certo tempo que penso em escrever sobre esta figura histórica. Foi quando um primo de meu pai, voltando de viagem à Alemanha, disse que, de repente, em Munique, se viu na “Rupert Mayer strasse” em frente à uma estátua do padre e nos contou em tom de brincadeira que nem lá, em outro continente, conseguia se ver livre do “alemão”, seu primo chegado numa cerveja e numa boa festa.

Enfim, faço esta introdução apenas para explicar que não tenho parentesco com o capelão, herói, beato e provavelmente santo, no futuro. Mas não deixa de ser uma homenagem ao meu pai e à minha família, afinal, ostentamos o nome Mayer de um herói, um homem que salvou vidas, que deu apoio espiritual e pregou sempre a palavra de Deus, inclusive para inúmeros não-católicos com quem serviu no campo de batalha, e até para judeus, muitos dos quais ajudou a salvar do horror nazista.

Nascimento, família e formação:

Nascido em 23 de janeiro de 1876 em Stuttgart, Alemanha, filho de comerciantes alemães, o segundo de dois meninos mais 4 meninas. Era uma família capaz de dar aos filhos a melhor educação e as melhores oportunidades, na infância estudaram música e formaram uma pequena orquestra caseira onde ele respondeu pelo primeiro violino, o que por si só já revela traços de sua personalidade.

Ao ser enviado pelo pai para estudar em Ravensburg, onde completaria seus estudos colegiais, encontrou antigos alunos do colégio jesuíta Stella Maris de Feldkirch, na Áustria, que por sua vez fizeram grandes elogios aos seus mestres. Instado a informar-se, Rupert fez um retiro, após o qual decidiu aderir à Companhia de Jesus. A família se opôs mas, não conseguindo demovê-lo da idéia, o convenceu a ordenar-se primeiro e, somente depois, em descobrindo a vocação, aderir à congregação que já sofria os efeitos do anti-clericalismo de época.

Estudou filosofia e teologia nas universidades de Friburgo, Munique e Tübigen, um ano em cada uma delas, e um quarto ano no seminário Rottenburg. Foi ordenado padre sem fazer o seminário completo em 2 de maio de 1899, designado para a paróquia de Spaichingen em Baden-Wüttemberg. Após um ano nesta paróquia, requisitou ao bispado juntar-se aos jesuítas, o que só conseguiu em um segundo pedido, pois isto implicava uma licença de suas funções sacerdotais para obter a formação congregacional.

Em 1o. de outubro de 1900 assume o noviciado, ficando até 1908 na formação congregacional, e até 1911 como missionário, tendo visitado a própria Áustria, a sua Alemanha natal, a Suíça e a Holanda, claro, lugares de idioma alemão.

O capelão dos imigrantes:

No início do século XX, a Europa era a sede dos grandes impérios coloniais.

O colonialismo assegurava matérias-primas baratas e abundantes, além de mercados cativos. As metrópoles experimentavam a industrialização forjada na necessidade de produzir modernos meios de transporte, marinhas de guerra e armamentos cada vez mais eficientes em prol da capacidade de manter o controle sobre as colônias e, consequentemente, o fluxo econômico que delas emanava, numa época conturbada, da aurora do nacionalismo e dos processos de independência de inúmeras nações colonizadas, numa velocidade nunca antes experimentada: “Observadores atentos de todo o mundo se maravilhavam com essa tempestade de mudanças, uma rajada após a outra. A tempestade era, na verdade, o próprio século 20. As mudanças tendiam a acontecer mais rapidamente em questões que envolviam a matéria – armas que aniquilavam a vida e remédios que a prolongavam, transporte, energia, modos de poupar o esforço humano.” (BLAINEY, Geoffrey, Uma Breve História do Século XX, Editora Fundamendo, 2008, p. 37).

Essa industrialização causou grande êxodo rural, que teve por efeito o afastamento dos fiéis de suas igrejas natais e o excesso de oferta de mão-de obra, que gerou baixos salários e desemprego porque o processo não era capaz de absorver toda a força de trabalho que se apresentava. Além disso, sérios problemas de urbanização causando bolsões de miséria e guetos, onde logo proliferaram os discursos salvacionistas e radicais que acabavam encontrando seguidores.

Tempos em que as discussões filosóficas chegaram às massas sob a forma de pressão política: greves por melhores salários, reivindicações por empregos e melhores condições de vida. Obviamente era muito mais fácil arregimentar adeptos nas concentrações urbanas que no campo. A Alemanha (e a Europa) convivia com conservadores, liberais, sociais-democratas, socialistas, comunistas e anarquistas. Todas as idéias tinham adeptos, todas elas tinham chances de prosperar e obter poder político.“Quando se tratava da difusão de novas ideologias, entretanto, as transformações não eram tão facilmente previsíveis. O romancista Victor Hugo, que escrevia em francês – a língua que havia expressado muitas das novas ideias -, proclamava a força inexorável da mentalidade dinâmica cuja época havia chegado. 'É possível resistir à invasão de qualquer exército, mas não é possível resistir à invasão das ideias', escreveu. De fato, algumas das novas ideias presentes nos campos da religião, da economia, da política e da filosofia avançavam e recuavam de modo desordenado. Ondas de pensamentos se chocavam contra conceitos pré-existentes no inicio do novo século. Cada vez mais, europeus ouviam as palavras de ordem dos socialistas e anarquistas, os pedidos das mulheres por direitos iguais e as queixas das minorias étnicas...” (obra citada, p. 37). E muitas destas ideias e filosofias eram anti-clericais, o que, repita-se, na Alemanha era mais acentuado contra a Igreja Católica.

Foi neste contexto que, em 8 de janeiro de 1912, Rupert Mayer assumiu a função de capelão dos imigrantes em Munique, capital da Baviera, uma das florescentes metrópoles industriais daquele país que ainda conservava um imperador poderoso e quase absolutista em uma economia em que as massas de trabalhadores clamavam por poder político e eram instados a odiar a religião e ver as igrejas como inimigas, na esteira da pregação de sociais-democratas, anarquistas, comunistas, socialistas de várias correntes e bem depois, do nazismo.

Foi designado especificamente para cuidar das massas de pessoas que chegavam do campo para uma cidade em rápida industrialização, mas onde o desemprego já era alto e onde não havia condições urbanas e de abrigo para todos que à ela acorriam.

Ao invés de esperar os fiéis na igreja que não conseguia abrigá-los, Mayer levou a palavra jesuíta aos imigrantes. Saiu pela cidade abordando andarilhos nas calçadas, visitando barracos e comunidades pobres fazendo amizades, promovendo o evangelho e prestando pequenos favores, encaminhando trabalhadores a sindicatos onde sua inscrição era obrigatória para obter empregos, e a lugares onde havia propostas de trabalho. Fez isto e arregimentou milhares de fiéis que o acompanharam na tarefa, gerando uma mobilização que melhorou em muito as condições de abrigo e emprego dos imigrantes e da cidade, com visíveis efeitos sócio-econômicos. “O problema não tinha sido resolvido, longe disso; mas pelo menos agora era bem conhecido de todos, o que tornava bem mais fácil a tarefa de encontrar uma maneira de solucioná-lo. A simples burocracia não seria suficiente; requeria-se contato pessoal e humano: os recém-chegados seriam bem acolhidos e ajudados para se matricularem em algum sindicato de trabalhadores, sem o qual permaneceriam incapazes de conseguir emprego. Deveriam ser levados a entrar em contato com a Igreja e, para tanto, era necessário também enfrentar a propaganda anti-religiosa. Os habitantes das aldeias deveriam ser esclarecidos acerca das dificuldades que os esperavam na cidade grande; se aí já existia desemprego, o problema seria mais agravado pela imigração em massa(...)”(ECHANIZ, Ignacio – Paixão e Glória – História da Companhia de Jesus em corpo e alma, volume IV, p. 181).

Já neste episódio se afirmavam características pessoais que permearam toda sua vida: vontade férrea, profunda religiosidade, a grande preocupação e dedicação pelo próximo. “A vida do P. Rupert Mayer constituiu síntese convincente do anúncio do Evangelho e e do compromisso em favor dos pobres e oprimidos”. (Carta do Superior Geral dos Jesuítas, Roma, 19/01;1987, anunciando a beatificação).

Cada soldado deve saber que o capelão é seu melhor amigo.”

Como já dito, em 1914 a Europa vivia a efervescência cultural e política decorrente do êxodo rural e do crescimento das cidades. A Primeira Guerra Mundial foi um conflito causado inclusive por estes fatores, aliados ao nacionalismo que foi tomando tons extremos com o passar do tempo.

Quando eclodiu a grande guerra, descobriu-se que todo aquele avanço tecnológico (armamentista), e toda aquela efervescência ideológica à tornou muito mais grave e violenta, mais destrutiva e marcante do que qualquer outra na história. O historiador JOHN KEEGAN diz que “No início de julho de 1914, havia cerca de 4 milhões de europeus uniformizados; no final de agosto, havia 20 milhões, e muitos milhares já haviam sido mortos. A sociedade guerreira submersa irrompera armada na paisagem pacífica e os guerreiros travariam a guerra até que, quatro anos depois, não conseguissem mais lutar.” e complementa que muito desse estado de coisas foi decorrente dos embates filosóficos, dizendo ainda que “A ideologia da 'guerra verdadeira' foi a ideologia dos exércitos da Primeira Guerra, e o destino estarrecedor que aqueles exercitos construiram para si mesmos, graças a seu fervor para com essa ideologia...” (Uma História da Guerra, Companhia das Letras, 1995, p. 40).

Enfim, foi uma guerra cuja duração e violência estarreceram a humanidade, influenciando os rumos da história ainda por muitas décadas, visto que, do conflito, emergiu um Estado comunista, desapareceram impérios milenares e se construiu um novo mapa europeu sem a Alemanha como superpotência.

É importante que se saiba disso, porque Rupert Mayer foi um personagem daquela guerra, e deveu à isto inclusive sua própria vida durante o embate ainda mais perigoso que teve contra o nazismo 20 anos depois.

Em 1914 alistou-se voluntariamente no exército alemão para exercer a função de capelão, com a intenção de servir no campo de batalha, que, no caso, também foram as trincheiras que caracterizaram aquele conflito.

Somente em agosto de 1915 foi nomeado capelão-chefe da 8a. Divisão de Reserva da Baviera, quando deixou do trabalho em um hospital militar para o qual fora inicialmente lotado e passou à linha de frente do conflito, tendo estado em batalhas na França, na Polônia e na Romênia.

Minha vida está nas mãos de Deus” ele respondia quando indagado sobre suas incursões ao campo de batalha. Ele entendia que deveria estar ao lado dos jovens soldados, arriscando a vida como eles. “-O que o senhor pretende fazer aqui? Não é possível ajuntar os homens para um culto religioso.” lhe disse um capitão, com a resposta: “-Não me importa. Eu simplesmente irei com você até as trincheiras para falar com os soldados”.

Novamente, a exemplo de sua atividade em Munique, com grande esforço pessoal e com a prática de atos de amizade, compaixão e heroísmo, ganhou a mais alta consideração tanto dos soldados católicos, quanto dos protestantes e judeus que lutaram pelo império.

Esteve presente nos campos em pleno bombardeio, ministrou sacramentos abaixo do zumbido de metralhadoras e fuzis em plena carga, arrastou-se para aconselhar quem lhe pedia conselhos em pleno combate, ajudou o corpo médico, arrastou feridos para detrás da linha de batalha transferindo-os para os auxilios médicos. Foi condecorado diversas vezes por bravura e indicado à mais alta condecoração das forças armadas germânicas, a Cruz de Ferro de 1a. Classe, honraria que, embora tenha sido muito deferida naquele conflito, carrega uma carga histórica e nacional de alta importância entre os alemães.

Numa época em que os jesuítas não eram bem vistos na Alemanha, foi o primeiro capelão militar e primeiro religioso a recebê-la. Mais que isso, a recomendação para a honraria partiu do general da sua divisão, que era protestante e que declarou: “Nós fomos capazes de manter uma posição muito importante, devido ao exemplo de coragem dado pelo Padre Rupert Mayer”.

A coragem cobrou seu preço na perda, em batalha, da perna esquerda, quando em 30 de novembro de 1916 foi ferido por um obus, tendo sofrido duas amputações consequentes dada a grande perda de sangue e à uma infecção. Novamente sua vontade férrea se manifestou e, 27 de outubro de 1917 voltou a celebrar uma missa, em pé, já adaptado à perna artificial.

No entre-guerras:

Na carta do superior geral dos Jesuítas quando da beatificação de Rupert Mayer, se disse que “Foi sobretudo no tempo intermédio entre as duas guerras mundiais que esta testemunha crítica e valorosa da fé apresentou uma figura profética, que sempre constituiu um repto”.

A guerra acabara, mas a efervescência política e ideológica, não.

Em contrário, agora a Alemanha se encontrava no caos político e econômico. Eram monarquistas versus republicanos, anarquistas versus nacionalistas, capitalistas versus comunistas, radicais de esquerda e de direita, partidos políticos nacionais versus regionais, golpes e contra-golpes regionais, a desencontrada República de Weimar e o peso colossal da indenização que foi imposta à Alemanha, que, em várias ocasiões gerou conflitos e agressões externas decorrentes de uma guerra que não fora causada somente por ela.

E um enorme contingente de mutilados de guerra nem sempre contritos, nem sempre conformados. E inflação, desemprego, desesperança, miséria e caos generalizado. Era assim na Bavária, era em Munique, era em toda a Alemanha que emergira da guerra como um país menor, não mais associado ao império Austro-Húngaro que fora extinto, e somente um pouco maior que a velha Prússia que era seu modelo histórico de governo forte e não necessariamente democrático representado na figura do imperador, agora tendo que aprender a ser uma democracia praticamente imposta pelo Tratado de Versalhes.

E o anti-clericalismo também, afinal, a Alemanha não deixara de ser o berço de vários movimentos socialistas, do comunismo e do anarquismo, além de ser predominantemente protestante entre quem era religioso.

Mas novamente, o diálogo, a amizade e o evangelismo de Mayer voltou a trabalhar pela paz. “O povo alemão não poderia ser salvo com o auxílio de outras nações: a melhor forma para a reconstrução nacional estava na prática da fé cristã”. (ECHANIZ, Ignacio, obra citada, p.183). Foi um tempo em que arregimentou fiéis tal qual em Munique na década anterior, trabalhando com eles na pacificação da cidade, assumindo a Congregação Mariana que já contava com 2.500 membros, logo elevados para mais de 8 mil.

E neste tempo, esteve nas assembléias partidárias, inclusive as comunistas e nazistas, nos comandos de greves, nas reuniões de revolucionários, nos julgamentos e nas diversas ocasiões em que os conflitos ideológicos roubavam a paz da Bavária e de Munique e ao mesmo tempo ameaçavam a fé e a Igreja Católica.

Foi uma época em que seu prestígio, conquistado pela bravura em combate na grande guerra, representado inclusive pela Cruz de Ferro que não raro ostentava com a batina, foi acrescido pelo trabalho apostólico que combatia radicalismo em prol do bem estar dos pobres e dos oprimidos que voltara a assistir tão logo recuperado do ferimento de guerra. Exercitou a fé e o amor em contraponto ao radicalismo latente.

Passou a ser uma referência, um indivíduo acima das opiniões e radicalismos, o “apóstolo” de Munique.

Hitler:

Presente em muitos eventos partidários na defesa da igreja e da fé, Mayer teve seu primeiro contato com Adolf Hiter em 1919, uma época em que este ainda pregava um “cristianismo positivo” e não se apresentava anti-religioso.

Nestes primeiros contatos detectou em Hitler certa histeria, amainada por alguma coerência de idéias. Mas não tardou a constatar completa incompatibilidade entre o catolicismo e o nazismo, cujo ódio sistemático e os traços de personalismo, totalitarismo, nacionalismo patriótico extremado e anti-semitismo entendia incompatíveis com o amor cristão.

Como não se furtava a levantar a voz na defesa pública da religião e seus princípios, na medida em que o nazismo cresceu também aumentou a pressão sobre ele. Diz-se hoje que, já no “putsch” de 1923, alguns nazistas pensaram em assassiná-lo, provavelmente mudando de ideia para que não se criasse uma figura martirizada pelo movimento, que, em época, não se apresentava como radicalmente anti-religioso. Com o passar do tempo e o aumento de poder do partido, o anti-clericalismo se mantinha, mas o discurso anti-clerical foi desaparecendo, de modo que, em 1935, já muito tempo depois de Mayer deixar de frequentar (por medo) as reuniões partidárias, começaram as retaliações abertas contra coletas de fundos, contra as escolas católicas que sofriam boicotes e uma campanha de desmoralização do clero, que era espionado, tendo todos seus defeitos transformados em escândalos que a imprensa oficial tratava como decadência e corrupção generalizadas.

O fato é que Rupert Mayer insurgiu-se contra tudo isto tanto em suas pregações quanto em seus atos como líder da igreja em contato com as autoridades. E o fez em em todo o país, viajou pela Alemanha fazendo até 70 pregações mensais, seis o sete delas aos domingos, tornando-se um opositor com popularidade que impedia que os órgãos de repressão (a Gestapo) o calassem.

Seu embate contra Hitler passou a ser aberto, era um padre católico que enfrentava o nazismo e especialmente sua máquina de propaganda, na época voltada contra o clero, usando de espionagem e campanhas difamatórias generalizadas.

"Um homem deve obedecer mais à Deus que aos homens”

Viajando pelo país, pregando contra o o Estado nazista que coagia a igreja foi preso inúmeras vezes, algumas delas em Landsberg, mesma prisão onde Hitler havia cumprido sua pena pela tentativa de golpe de estado. A Gestapo passou a acompanhar seus passos, uma vez que sua pregação era direta: o nazismo era contrário aos valores defendidos pela igreja, um católico não poderia ser nazista.

E mesmo perseguido, só agregou audiência. As igrejas ficaram pequenas para seus sermões que passaram a ser feitos em praça pública.

Incomodando um regime que não hesitava em simplesmente matar seus oponentes, sua popularidade o salvou da morte sumária.

Em 7 de abril de 1937, a Gestapo emitiu a ordem: “Uma vez que o Padre Rupert Mayer é nocivo ao Estado com sua pregação, ele fica proibido de pregar”, o que lhe foi comunicado pessoalmente em 28 de maio, quando negou-se a calar, seguindo-se, em 5 de junho a primeira prisão pela Gestapo, ao mesmo tempo em que esta promovia uma campanha inflamada acusando os jesuítas de todos os tipos de crimes, usada para afastar o padre do centro das atenções.

Mas de pouco adiantou. Preso, logo todas as paróquias de Munique souberam do fato e ocorreram manifestações. E à prisão acorreram outros religiosos que se negaram a delas saírem sem vê-lo pessoalmente, garantindo à população que estava vivo, o que manteve a atenção do público sobre as autoridades nazistas.

Ofereceram-lhe liberdade se deixasse de pregar, depois, o direito de pregar apenas na igreja jesuíta de São Miguel em Munique. Negou-se, “Eu devo seguir minha consciência e continuar pregando” e declarou isto por escrito, o que causou sua condenação formal, tirando-o das mãos da polícia política, sendo enviado para uma cadeia comum até o julgamento em 22 de julho, quando foi condenado, mas solto, em razão da pena de 6 meses, pelo que foi instado a ficar 7 meses sem pregar para não prejudicar a igreja e a congregação jesuíta.

Mas como isto causou uma impressão de covardia e de curvar-se à Gestapo, não cumpriu o prazo e voltou a pregar já em dezembro, o que o levou novamente à prisão em 1938, sendo libertado pouco antes do fim de sua pena, dando-lhe oportunidade de estar presente na procissão de Corpus Christi, quando foi ovacionado pela população, com a renovação da ordem da polícia política em não pregar, o que acabou sendo-lhe determinado pelo cardeal provincial.

Deixou o púlpito mas continuou seu apostolado no contato pessoal, sendo que, em 1939, foi chamado novamente a depor, pois a Gestapo queria informações sobre conspiradores contra o Estado que eram eventualmente recebidas em confissão. Recusando-se a informar nomes em respeito aos seus deveres de sacerdote, acabou novamente preso, com ordem expressa de Heinrich Himmler, de que assim ficasse até o fim da guerra, por apoiar “movimentos hostis ao Estado”.

A popularidade de Rupert Mayer o havia salvado da tortura e da morte nas mãos da Gestapo, e mesmo a prisão que seguiu-se à ordem de Himmler também foi afetada pela opinião pública. Recolhido a um campo de concentração, sua saúde apresentou rápida deterioração novamente causando preocupação no Partido Nazista, a mesma que ocorrera em 1923, pois de viesse a morrer na prisão, forte reação popular era esperada, com a possibilidade de se criar um mártir que atrapalhasse os planos de poder.

Então, uma negociação entre a igreja e o partido o enviou para o mosteiro de Ettal, onde ficaria recluso sem direito a pregar e sem funções sacerdotais, inclusive não podendo receber confissões. Fora calado pela Gestapo, “Embora esteja vivo, fui declarado morto, de uma morte muito pior que o falecimento real que enfrentei tantas vezes”, foi dado como um homem doente em tratamento.

Ficou recluso até as tropas norte-americanas chegarem ao mosteiro, quando no mesmo dia, 6 de maio de 1945, voltou a pregar na igreja da abadia.

Em 11 de maio volta à Munique e em 27 do mesmo mês, já abatido e muito doente volta a pregar na cidade que o tornou respeitado em todo país pela sua coragem, sua vontade férrea e suas convicções.

E não deixou de lutar contra o nazismo e então, também contra os efeitos da desnazificação levada a cabo pelos americanos. “A longa série de sofrimentos que Mayer sofrera sob o poder nazista habilitavam-no a falar livremente e ele aproveitou plenamente essa vantagem da autoridade moral que o passado lhe conferia. Escreveu mais de 300 cartas intercedendo por pessoas que tinham sido depostas de seus cargos por causa de suspeitas sem fundamento” (ECHANIZ, Ignacio, obra citada, p.192). Impediu que o nazismo fizesse outras novas vítimas em razão da necessidade de ser extirpado.

Em 31 de outubro de 1945, exausto da luta de décadas, cansado da guerra e de suas consequências, mas ainda ativo contra as injustiças causadas pelo nazismo e no púlpito, sofreu um derrame cerebral vindo a falecer no dia seguinte.

Beato Rupert Mayer:

Diz o blog Santos? Todos! que “Nenhum santo é santo só por aquilo que fez de forma heróica, porque nunca o teria feito se antes não existisse a consciência de um amor incondicional e gratuito, e o desejo de uma resposta coerente a este amor. Assim, a santidade é muito mais uma rendição do que uma conquista, porque é fruto, não tanto do esforço, mas da gratidão. O grande trabalho é interior, aquilo que por fora se vê é reflexo do que por dentro se experimenta e do que se quer dar testemunho”. (santostodos.blogspot.com)

A pregação de Rupert Mayer salvou vidas, alertou as pessoas a fugirem ou se prepararem para as privações. Esteve presente em todos os movimentos que buscaram impedir a ascenção de Hitler e do nazismo, chegou a ser agente do papa Pio XII nas tarefas de informação e contra-informação, na espionagem e na luta para que a guerra não ocorresse e depois, que acabasse. Salvou católicos, protestantes, judeus e ateus do horror, suas palavras impediram males muito maiores, foi um pequeno agente de Deus a confrontar um demônio colossal.

As poderosas convicções do “apóstolo de Munique” levaram o papa João Paulo II a beatificá-lo em 3 de maio de 1987.

Em 19 de janeiro daquele ano, o Superior Geral da Companhia de Jesus assim declarou em carta que anunciava a beatificação: Da profundidade da sua pessoa brotavam-lhe as convicções, que expressava, imperturbável, nas palavras e nas acções. Estava interiormente ancorado em Deus; isto levava-o a discernir os espíritos e tornava-o capaz de sair sem condições em defesa dos direitos de Deus e dos homens. A exclamação de S. Paulo: 'Ai de mim se não proclamar o Evangelho'(1 Cor 9:16) era também realidade para ele. "Não posso calar-me", era lema que inspirava o seu compromisso em favor da verdade espezinhada. As suas últimas palavras foram: 'O Senhor... O Senhor'. Morreu enquanto pregava, anunciando Aquele em tomo de quem tinha girado toda a sua vida: 'Senhor, como quiseres, quando quiseres, o que quiseres e enquanto Tu o quiseres... assim se faça"; esta a sua oração favorita. entrega em defesa da verdade não se limitou apenas a palavras. Todo o seu falar ia acompanhado por um amor prático do próximo. A vida do P. Rupert Mayer constituiu síntese convincente do anúncio do Evangelho e do compromisso em favor dos pobres dos oprimidos. Viveu de muitas maneiras "o amor preferencial pelos pobres". Nos pobres encontrava ele o Senhor em pessoa. Nisto é para nós modelo. E também o é noutro aspecto: na Congregação Mariana formava ele leigos convictos das suas responsabilidades, que foram os seus colaboradores, extraordinariamente activos na propaganda da fé, no compromisso em favor dos perseguidos e na ajuda aos necessitados. A atuação do P. Mayer ensina-nos, além disso, exemplarmente, o esforço constante para acomodar nosso apostolado às circunstâncias do momento e a empreender novas iniciativas, de acordo com as exigências duma época em mudança”.

Foi feito beato pela força das suas convicções.

Sua capacidade de agregar gente à uma causa como lider religioso numa época de desemprego e privações lhe valeu a amizade de milhares de pessoas. Depois, seus atos de heroísmo no campo de batalha o agraciaram com a mais alta condecoração militar alemã, ao mesmo tem em que granjeou respeito e admiração das massas, a quem ele soube retribuir com fé inabalável, amor ao próximo e a insistência em levar a palavra de Deus a todas as pessoas, mesmo nos momentos mais difíceis de sua própria existência. Foi o agente da luz divina na escuridão assustadora de uma época, morreu praticamente ao mesmo tempo em que nazismo era banido da Alemanha, combateu o bom combate, venceu a luta ao preço da sua própria vida, mas não desistiu daquilo em que acreditava.

Conclusão:

Os textos curtos da internet nem sempre conseguem demonstrar a dimensão histórica de uma pessoa. É por isso que faço perfis e os publico aqui, tento agregar as muitas informações em um texto só, que dê uma visão geral da vida que tento retratar.

Sem pretensão de substituir o trabalho dos historiadores, cujas teses podem divergir do que escrevo ou mesmo encontrar imperfeições, quis apenar homenagear o exemplo de fé e coragem do padre cujo nome também é o do meu pai.

É certo que as minhas opiniões pessoais podem ter causado imperfeições técnicas, mas em verdade, minha intenção foi a de fazer um resumo da vida e da obra de um grande homem cujo sobrenome por acaso eu carrego.

Grandes homens são o farol da humanidade, os seus exemplos são a luz que Deus nos envia como guia. No caso de Rupert Mayer, além do exemplo, me impressiona a força da sua palavra, a capacidade que ele teve em pregar.

Numa internet onde textos longos são ignorados, espero que quem tenha a paciência de ler este texto até o fim entenda o verdadeiro sentido da homenagem, que é o de acreditar nas palavras e nas boas ações que elas inspiram.

Curitiba, 8 de janeiro de 2019.

7 de jun. de 2018

A BUROCRACIA FEZ O FRETE VIRAR CONFUSÃO



No Brasil existem os Ministérios de Minas e Energia, Fazenda e Planejamento, além da Agência Nacional do Petróleo e da Receita Federal, que não tiveram a capacidade de calcular direito, para chegar à conclusão de que a redução de R$ 0,46 por litro de diesel era impossível com o acréscimo de biodiesel na mistura que chega aos postos. 

Tampouco a assessoria do Presidente da República (o Palácio do Planalto conta com 5000 funcionários) foi capaz de alertá-lo para não definir valor exato para a redução ofertada aos caminhoneiros, porque isto seria temerário em um contexto em que existem milhares de agentes privados envolvidos na equação, em distribuidoras e postos de combustiveis pelo país afora.

O país também conta com um Ministério dos Transportes, um da Indústria e Comércio, um da Agricultura e uma Agência Nacional de Transportes Terrestres, além de diversas agências regionais de transportes e de estradas. Mesmo assim, ao criar a tal tabela de preços para os fretes, desagradou meio mundo, provocou uma bolha inflacionária e deu dar força às ameaças do movimento dos caminhoneiros em parar o país novamente.

É um arcabouço burocrático e fiscal tão grande e custoso, quanto incompetente e inútil, dentro de um contexto em que não consegue fazer contas básicas, nem conhece absolutamente nada da realidade do país. 

Mas baixa regras estúpidas e promete mundos e fundos. 

Milhares de funcionários, uns concursados, outros não, agentes políticos e conselheiros indicados por políticos, todo mundo andando em círculos, sem nenhuma ação efetiva pelo bem do país e quando são chamados para resolver um problema imediato, o pioram!

São ministérios que viraram antros de contratados em confiança e agências reguladoras incapazes, que não servem para nada além de emitirem guias de anuidades, taxas e autos de infração, entulhando a vida do cidadão com burocracia insana e sem fim.

O que vai sobrar disso?

Simples: todo o aparato burocrático e fiscal do Estado agora vai se voltar para MULTAR caminhoneiros, transportadoras e contratantes de fretes se ousarem não cumprir a tal tabela mágica. E distribuidoras e postos de gasolina que não repassarem, mesmo com prejuízo, o tal desconto miraculoso de R$ 0,46 por litro de óleo diesel.

Só não vão se insurgir contra a sacrossanta Petrobrás com seu monopólio criminoso e seus custos colossais para fazer mais caro o que petroleiras privadas fazem com menos funcionários e mais eficiência.

A Petrobrás não sofre nada, afinal, ela é parte do mesmo Estado paquidérmico, burocrático e ineficiente que abriga tantos ministérios e agências reguladoras.

Enfim, a greve dos caminhoneiros continua deslindando o verdadeiro Brasil, aquele que todo mundo sabe, mas não admite que existe, e que só se revela nestas horas de tormento.

CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...