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7 de fev. de 2019

AS TRAGÉDIAS DE UM BRASIL QUE NÃO APRENDE



O Césio 137 causou um problema gravíssimo, tanto de infra-estrutura quanto de saúde pública, mas há poucos dias, outro aparelho de raio-x foi encontrado em um ferro-velho. A mesma prática irresponsável, a mesma ausência de fiscalização, a mesma temeridade e provavelmente, a mesma ignorância de não atentar que um aparelho dessa natureza não pode ser descartado de modo tão simples.

É praticamente anual uma temporada de chuvas que cause desabamentos e mortes na cidade do Rio de Janeiro. Eu lembro bem de um carnaval 20 anos atrás, em que o Joaozinho Trinta chegou até a fazer uma alegoria que pedia chuva para um orixá que só atendia os pedidos em contrário. O fato é que, maiores ou menores, praticamente todos os anos o Rio de Janeiro experimenta tragédias nas encostas e nas suas muitas favelas. E nem por isso se faz absolutamente nada para corrigir o problema e conter o adensamento urbano irregular e desenfreado. Décadas perdidas sem nenhum programa eficiente de habitação popular e urbanização, coisas que o prefeito Negrão de Lima já defendia na década de 60. Em contrário, a favela virou até atração, com direito a trégua dos traficantes quando aparecem ônibus de turismo.

Na tragédia da Serra Fluminense em 2011, também. Naquele conjunto perverso de condições climáticas desfavoráveis e ocupação urbana desordenada e irresponsável morreram quase mil pessoas e 30 mil ficaram desabrigadas, sendo que ainda há gente nesta situação, passados mais de 8 anos. Quase uma década sem nenhuma política de segurança e, pior, roubalheira e corrupção generalizada nas obras públicas que seguiram para reparar os danos, desvios ou simples esquecimento de donativos em depósitos.

O Morro do Bumba, episódio de ganância imobiliária misturada com ocupação urbana desordenada e irresponsável morreram 267 pessoas. Passados quase 9 anos não há um marco regulatório eficaz sobre aterros sanitários e lixões, que continuam sendo utilizados para adensamentos urbanos tão logo sejam desativados como destinos de lixo.

Na Boate Kiss morreram 242 pessoas e, passados quase 6 anos, não há nenhum condenado, não há nenhum indenizado. Daquela carnificina o que seguiu foi uma obrigatoriedade vexatória de placas verdes na frente de todos os estabelecimentos comerciais, mas de ação prática efetiva para que não se repita, quase nada. E ali manifestou-se outro defeito visceral do Brasil, o autoritarismo de agentes que deveriam proteger os cidadãos, como um promotor que processou um pai de vítima, único condenado até agora, por danos morais decorrentes de supostas ofensas em face da demora no trato da questão.

Na tragédia ambiental de Mariana, além de morrerem 19 pessoas foram milhares de animais domésticos e silvestres, além de uma perda colossal de biodiversidade com a morte de um rio, comprometendo uma bacia hidrográfica inteira. É possível que dali, tenham partido os surtos de febre amarela e chicungunha que estão levando a situação sanitária do país para algo parecido com a do início do século XX. Sem nenhuma consequência criminal, não há presos, as ações mitigadoras dos danos foram mínimas e o marco regulatório simplesmente não saiu do lugar. Os peixes voltaram ao Rio Doce, mas a pesca nele praticamente acabou em razão da contaminação, apesar da vida insistir em voltar ao rio, os bancos de areia de sedimentos tóxicos vão se transformando em ilhas. O então Departamento Nacional da Produção Mineral passou a exigir um relatório anual sobre o estado de represas de rejeitos e tudo ficou nisso mesmo, nada mais se fez, nada mais se disse até que aconteceu Brumadinho.

Em todos estes casos há componentes comuns: 

O problema aparece e não é atacado. Nada se resolve, no máximo se discutem leis poéticas e idealizadas que não são cumpridas porque exigem uma burocracia tão grande que o Estado não consegue operá-las, como, aliás, é incapaz de operar até a legislação que já existe, cujo rigor é imenso, mas apenas para acumular papéis.

Ausência completa de fiscalização e atuação pró-ativa do Estado. A legislação existe, existem diversos órgãos capazes de fazer verificações, mas na prática, alega-se falta de competência, de pessoal e de condições materiais. E o Estado continua existindo apenas como mantenedor de si mesmo, sem que as 3 esferas se conversem, como se municípios e estados não estivessem inseridos em uma federação.

Pior é o festival de politicagem. Deputados e senadores criam CPI(s) e fazem discursos inflamados contra o governo de plantão, exigem providências e dizem que vão instituir o rigor da Lei. Tudo jogado ao vento, esquecido tão logo a mídia passa para outro item da pauta macabra do dia a dia nacional. 

Há quem diga que o Brasil sofre um castigo de Deus, mas se olharmos os muitos episódios agudos e os milhares de episódios diários que são representados por quase 120 mil mortes violentas por ano, que incluem homicídios, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho e doenças decorrentes de atividades, a única constatação objetiva é de que somos irresponsáveis, não aprendemos com nossos erros, continuamos achando que leis poéticas resolvem problemas que precisam de ações práticas.

Aliás, o fetiche brasileiro por leis é algo sintomático de nossa sociedade. Para tudo há lei, para tudo há regulamento, mas nada é solucionado porque na mesma proporção em que se legisla, se abrem brechas para a proteção processual dos desonestos e dos malandros. Quando constatamos que ladrões contumazes de dinheiro público apostam sua liberdade na discussão de prisão somente após o trânsito em julgado, quando olhamos os números que demonstram que 90% das multas ambientais simplesmente não são pagas, quando indignados ouvimos falar da troca de punições por termos de ajustamentos de conduta, tudo isso nos remete a leis que não protegem a sociedade nem às coisas que ela deve prezar, mas somente às elites políticas, econômicas e intelectuais, todas elas sempre agraciadas com algum tipo de benesse que é negado para a maior parte da população.

Quando generalizo assim, é óbvio que a culpa recai sobre a classe política, afinal, é dela que se espera que se tomem as iniciativas mais importantes para enfrentar problemas. Mas não é um problema apenas da classe política, é um problema nosso, como país incapaz de cobrar de seus governantes uma atuação mínima que aprenda com os erros no pranto das tragédias, para que elas não se repitam.

Enquanto nós, brasileiros, não aprendermos que uma única morte violenta, qualquer que seja o motivo, é vergonhosa e aviltante à nossa condição de cidadãos, nunca sairemos deste circulo vicioso de tragédia-indignação-falatório-nova tragédia. Enquanto não colocarmos a Lei para punir os criminosos ao invés de dar-lhes razões de defesa e obtenção de prazos processuais protelatórios continuaremos a ser a pátria das tragédias, das mortes estúpidas, da vida que não vale nada se for de um cidadão comum que não tenha relações privilegiadas com o Estado.



1 de jun. de 2017

NO BRASIL SE MORRE MUITAS VEZES



Essa notícia do desaparecimento do corpo do Garrincha é sintomática do como o Brasil  é cruel com a história das pessoas, com as viúvas e os órfãos, com os pais e mães que perdem seus filhos.

Garrincha é um brasileiro que morreu várias vezes, esta foi apenas mais uma. Porque tendo sido um dos maiores atletas da história do mundo, foi rapidamente esquecido. Hoje, se alguém perguntar para um brasileiro de 14 anos quem ele foi, não saberá. Aliás, este garoto terá alguma notícia de quem foi Pelé, mas afirmará em alto e bom som que o maior jogador de futebol de todos os tempos ou é Messi, ou é Cristiano Ronaldo, porque o Brasil promove o futebol dos outros, mas usa o seu próprio futebol para enriquecer uns poucos, negligenciando a história do esporte que nos trouxe 5 títulos mundiais.

Mas é bem pior do que isso. Se fosse apenas no futebol, seria até reconfortante. 

Pergunto pro leitor: quantas vezes morreram aqueles dois jovens assassinados no trânsito por um deputado paranaense embriagado? Quantas vezes morreram os jovens da boate Kiss? Quantas vezes morreram as vítimas do Morro do Bumba? Quantas vezes morreram as vítimas da ciclovia mal construída no Rio de Janeiro? 

Morreram várias vezes. A cada recurso protelatório aceito pela Justiça, a cada habeas corpus libertando réu, a cada júri adiado, a cada declaração arrogante de defensor culpando as vítimas. 

Morre-se de muitas maneiras, seja pela pena do juiz que recebe os recursos que sabe serem protelatórios, seja pela lábia de algum advogado que deixa de ser representante do réu para virar seu cúmplice. Os familiares morrem um pouco a cada dia clamando por uma Justiça que  demora ou nunca é feita. 

Morre-se um pouco mais ao constatar algo como a primeira sentença do caso da boate Kiss, que foi de condenação de um pai de vítima em dano moral  porque dentro de sua morte diária  e desesperadora ousou cobrar providências de um promotor de justiça.

Há 14 anos aconteceu em Curitiba um show em que se venderam muitos mais ingressos que o comportado pelo local. Na confusão que se formou, 3 jovens morreram pisoteados e suas famílias aguardaram esse tempo todo para o júri condenar os responsáveis a uma pena de 14 anos, que lhes garantirá pouco mais de 2 em regime fechado. Um acinte que denota quanto a vida vale pouco no Brasil, a ponto de uma mesma vítima morrer várias vezes no sofrimento de seus entes queridos.

Quantas vezes morre uma mulher estuprada e violentada que constata que vive em um país machista em que é comum o entendimento de que suas roupas é que causaram o delito? E se ela morrer, quantas vezes morrerão seus entes queridos ao deparar com um argumento como este?

Mas é ainda pior, há os casos que sequer são investigados. Conheci uma família cuja neta/sobrinha/filha/irmã, portadora de síndrome de Down veio a falecer ainda jovem, pouco mais de 20 anos. Sepultada, no dia seguinte morreu mais uma vez e ao mesmo tempo morreram um pouco seus entes queridos: seu túmulo foi violado, seu corpo arrastado e abandonado e nem falo os demais detalhes que o leitor pode imaginar. E nada, nenhuma investigação sequer se deu ao trabalho de indicar algum suspeito, o caso simplesmente se encerrou ali, a pobre menina morreu mais uma vez, seus entes queridos continuam morrendo todos os dias de revolta porque o Brasil não aponta culpados, não prende e, quando prende é leniente com o bandido,  quer dar à ele todos os direitos humanos que ele mesmo negou às suas vítimas, se necessário criminalizando a vítima, dizendo que ela contribuiu para o crime, encontrando atenuantes, fazendo com que ele simplesmente passe um pouco de tempo aprisionado para dar a impressão que se faz Justiça.

Mas Justiça não existe quando não é célere. 8 anos e o deputado paranaense ainda não foi á júri. 4 anos e ninguém foi julgado pelos crimes na Boate Kiss. Justiça não existe quando alguém que mata 3 pessoas recebe uma pena de 14 anos e tem direito a progressão dela em pouco mais de 2. Justiça não há quando invertem-se os valores culpando as vítimas insinuando que elas contribuíram para o crime. Não há Justiça em dezenas de recursos sucessivos, nem na inexistência de investigações, muito menos na caneta dos juízes e tribunais que dão admissibilidade para toda e qualquer chicana processual. Não há Justiça quando o réu poderoso se defende com imensas equipes de advogados que encontram as minúcias da Lei para ganhar tempo.

Quando não há Justiça, a morte é certa. Não a da vítima, mas a dos seus familiares que pleiteiam pela Justiça. Não a morte que acaba com a vida, mas a morte que à torna insuportável em meio à revolta. 

No Brasil se morre várias vezes. Várias vezes durante uma vida. As vezes, várias vezes depois da morte. As vezes, várias vezes até no mesmo dia, como num video-game violento em que o mocinho enfrenta sempre um mesmo monstro... o Brasil tem o jeitão desse monstro!

CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...