A bonança econômica experimentada pelo Brasil nos ultimos 6 anos fez com que a venda de automóveis disparasse, o que teve efeito imediato em nossas cidades.
Cresceu o tamanho dos engarrafamentos, o número de acidentes e a perda de tempo no trânsito, o que é agravado pela absoluta falta de educação do motorista daqui, acostumado a, entre outros atos, travar o trânsito para encaixar o carro numa vaga de avenida movimentada, ou fazer fila tripla para pegar os filhos na escola ou, ainda, negligenciar a manutenção do veículo, que pára no meio da rua com consequências para todos os demais motoristas.
Não se pode reclamar do adicional de veículos porque ele é reflexo do modelo econômico e social que escolhemos. Todas as pessoas que têm carro ou moto, sejam ricas ou pobres, de direita ou de esquerda, são responsáveis pela situação, porque o carro é uma espécie de locomotiva do desenvolvimento. É sabido que a indústria automobilística é uma das que puxa para cima os índices de crescimento do PIB, por muitas razões que não vêm ao caso comentar aqui.
Enfim, ao deparar com um engarrafamento, não adianta reclamar que hoje em dia todo mundo têm carro, porque isso é o ônus de uma sociedade consumista, que dizer de uma em que não se planeja absolutamente nada por inépcia dos agentes políticos.
Mas o fato objetivo é que engarrafamentos aumentam o custo dos produtos transportados, potencializam a poluição, impõem investimentos públicos relevantes e causam stress, além de vários outros problemas de saúde, tudo absolutamente insolúvel no curto prazo e provavelmente sem solução até no longo prazo.
São Paulo, onde o problema é gravíssimo e antigo, já apelou para a construção de vias expressas, viadutos, pontes, áreas de trânsito exclusivo de ônibus, rodízio de veículos e finalmente, a restrição ao tráfego de caminhões em certas áreas e horários. Ao custo de bilhões de reais, a capital paulista acabou com bairros inteiros que foram desapropriados, degradou áreas nobres da cidade, agravou a impermeabilização do solo e nem assim conseguiu evitar que o trânsito entrasse em colapso.
Com efeito, as novas vias compostas de avenidas, pontes e viadutos em pouco tempo ficaram lotadas e as restrições de rodagem geraram um mercado paralelo, pessoas que têm dois carros na garagem para fugir do rodízio, mesma coisa que acontecerá com o tráfego de caminhões, que serão substituídos por veículos menores e em maior número, para dar conta das mesmas entregas que ocorrem hoje.
Já Curitiba, é uma cidade que discute há pelo menos duas décadas a implantação de um metrô, que teria aqui um preço absolutamente razoável em virtude da cidade já possuir eixos norte-sul, leste-oeste e alguns longitudinais, que a cortam com grandes avenidas, onde já transitam os chamados "ligeirões", e que evitariam boa parte da febre de desapropriações em que implica uma obra subterrânea.
No entanto, uma das boas coisas dela é concentrar todos os estudos e decisões urbanísticas em um único órgão, o IPPUC, criado pelo então prefeito Jaime Lerner na década de 70 e até hoje formado por técnicos com uma visão muito próxima à dele, Lerner, nos assuntos que envolvem a mobilidade urbana.
E uma das coisas a que historicamente o IPPUC faz graves restrições que eu chamaria de ideológicas, é justamente à implantação do metrô, porque é sabido que é um meio de transporte que privilegia o automóvel, ao ceder-lhe mais espaço na superfície, colocando o pedestre sob a terra.
Com efeito, em Curitiba nota-se uma preferência em atrapalhar o fluxo de veículos individuais em favor dos coletivos. De certa forma, isso tem mudado lentamente nos últimos anos, mas a opção da cidade ainda é em desenvolver o sistema de ônibus, ao invés de embarcar numa arriscada e caríssima aventura pelo metrô, que levaria pelo menos uma década para se tornar operacional.
Ainda assim, é, hoje, uma cidade onde o trânsito está caminhando para o esgotamento idêntico ao de São Paulo, porque, nos dois casos, nenhuma das metrópoles suporta a quantidade de veículos que é diariamente adicionada à sua frota, o que é algo visível em todas as grandes cidades do país.
Penso que a tendência não só no Brasil, mas no mundo todo, é que a aquisição de um automóvel será cada dia mais barata, mas sua manutenção cada vez mais cara.
Em Curitiba, a cada ano, diminuem as vagas públicas de estacionamento para dar lugar à pistas de rolamento e não raro, exclusivas para o transporte coletivo.
O motorista do futuro poderá adquirir um veículo a preço convidativo, mas terá que calcular o quanto gastará de estacionamento, manutenção mecânica, impostos (que certamente vão aumentar), seguro total obrigatório e outras coisas, como um laudo anual para conferir suas emissões de poluentes. E também não vai demorar que os rodízios de veículos se espalhem por todas as grandes cidades, até o ponto em que forem instituídos pedágios urbanos, o que é apenas questão de tempo.
E as multas por infrações de trânsito terão seus valores aumentados junto com a rigidez das normas. Acredite o leitor, não é apenas por questão de saúde pública que o Brasil proibiu a direção após o consumo de álcool, isso é apenas o início de uma batalha em que os derrotados serão os motoristas que se acham proprietários das ruas. As normas vão ficar mais rígidas em todos os sentidos, multas por filas triplas serão absurdamente altas, atrapalhar o trânsito poderá implicar perda da habilitação, etc...
Talvez a solução para o problema seja justamente a de transformar o carro num objeto que todos possuam, mas que poucos tenham coragem de tirar da garagem todos os dias.
O fato é que a sociedade que privilegia o transporte individual, parece, está com os dias contados. Quando o trânsito parar nas grandes metrópoles, e isso já estamos presenciando, o carro será reconhecido como um vilão a mando se outro, o seu proprietário.