No Brasil, se velhinhos são desrespeitados em filas de bancos, criamos um Estatuto do Idoso. Se adolescentes criados por pais irresponsáveis bebem, fumam, cheiram e viram objeto de desejo sexual de facínoras, tascamos um Estatuto da Criança e do Adolescente. Se mulheres apanham dos maridos criminosos, Lei Maria da Penha. Se o atendimento nas filas dos órgãos públicos é lerdo e ruim, um Código de Defesa do Contribuinte, e assim sucessivamente...
A cada escândalo, a cada análise mais aprofundada de algum problema nacional, cedo ou tarde acaba correspondendo uma legislação estúpida com preceitos ideais e quase sempre inexequíveis.
Mas uma coisa é legislar, outra é fazer cumprir o que aquelas palavras bonitas e aquele contexto ideal prevê. No Brasil, são poucas as leis que efetivamente são cumpridas e posso afirmar com absoluta certeza: nenhuma lei que protege o cidadão é cumprida à risca, porque em nossa sociedade há gente de primeira classe (os políticos, os ricos, os famosos e os altos funcionários públicos) para quem há esmero em garantir todos os direitos e para o resto, o povão, a patuléia o pessoal do andar de baixo, sobra ligar para o telefone 190 que ninguém atende, sobra fazer BO que acaba não correspondendo a uma investigação, sobra esperar para que um juizado especial qualquer ou a Justiça lerda e elitista do país tome alguma providência.
Na prática, os velhinhos pegam senhas especiais nas filas de bancos e acabam esperando 20, 40, 50 minutos como qualquer outra pessoa porque a agência que deveria ter 3 caixas tem apenas 1. O adolescente continua na rua fazendo o que bem entende e as mulheres continuam apanhando dos maridos, porque a polícia não atende pobre, ela só atende urgências das pessoas que têm acesso ao comando da corporação como juízes, promotores, políticos, grandes empresários e "bacanas", de um modo geral. E nas filas dos órgãos públicos, ninguém está nem aí para direito do contribuinte pois, se ele reclamar, inventa-se uma obrigação ou um documento faltante e faz ele voltar no dia seguinte para aprender a não reclamar do sistema.
Não se cumpre a lei, não se pune ninguém.
No Brasil é senso comum que basta escrever algumas linhas bonitas com a chancela de alguma casa legislativa para solucionar problemas.
Viramos um país governado pela demagogia e pelo velho ditado do "quem pode mais chora menos". Somos na realidade dois países, um ideal que atende aquele 1% da população que é ouvida pelas autoridades e o resto, que vive ao Deus dará, que a cada 4 anos vota acreditando nas "propostas" idiotas de melhor educação, mais saúde, mais segurança pública... propostas estas incessantemente repetidas a cada campanha política, que geram leis cada vez mais poéticas e menos aplicadas.
Depois do escândalo desta semana, tenho que o novo vilão nacional a ser objeto de ampla legislação moralizadora será a classe dos contabilistas. Não vai demorar, terá gente propondo rever o código de ética da profissão e o endurecimento de todos os procedimentos fiscais em que as mãos sujas e suspeitas de um contador tocarem, por mais que 99,9999999999% dos profissionais da área sejam absolutamente honestos e éticos.
Os contadores serão a partir de agora, o que um dia foram os bancos para os velhinhos, os pais irresponsáveis e os pedófilos para os jovens, os maridos violentos para as mulheres... isso até o próximo escândalo, quando se elegerá uma nova classe para fazer demnagogia acerca da ética que os brasileiros de modo geral não têm e que a classe política comemora não existir!