Em fins do século XX, os avanços da TV e da computação facilitaram o ensino de ciências, ao mesmo tempo em que os programas especiais norte-americano e soviético causaram um aumento exponencial de campos de pesquisa e assuntos dos quais se poderia tratar.
Um garoto de 15 anos que assista hoje os especiais de astronomia do Canal de História e do Discovery, não tem nem idéia de como era pouca a informação que tínhamos nos anos 60 e 70 sobre o espaço e mais do que isso, de como era complexo entendê-lo apenas a partir de mapas e demonstrações visuais estáticas.
Aprendíamos mais sobre o espaço em séries como Star Trek e Lost in Space e as vezes, sem grandes fundamentos científicos, so que em programas técnicos voltados para o assunto, que eram praticamente inexistentes.
Mas em 1980 isso mudou quando a TV pública norte-americana, a PBS, em conjunto com a inglesa BBC apresentaram pela primeira vez a premiadíssima e hoje mundialmente conhecida série "Cosmos", originada do trabalho do cientista da NASA, Carl Sagan.
Em 1980, com 11 anos de idade, eu já ficara maravilhado com o jeito de Sagan em explicar o universo a partir de uma ótica não exatamente científica, intelegível mesmo para um garoto.
Passados tantos anos, por cortesia do meu primo Marcelo, revi a série e me surpreendi novamente. Três décadas depois, continua atual e instigante, nada devendo às também maravilhosas séries que podemos assistir nos canais da TV por assinatura.
Nós, pessoas comuns, as vezes encaramos cientistas de um modo distante. Tendemos a imaginá-los como pessoas que não falam nossa língua e cujos raciocínios são demasiado complexos para acompanhá-los. Talvez isso fosse verdade há 30 anos atrás, mas o grande Carl Sagan mudou esse quadro e lançou as bases da popularização da ciência, pelo modo simples e prático com que abordou os muitos assuntos em sua vasta obra, quase toda voltada ao grande público.
Além da série "Cosmos", tive contato com a obra dele pelo livro "Pálido Ponto Azul", onde faz um apanhado sobre as muitas descobertas científicas dos programas espaciais, que mudaram nossa maneira de entender o universo.
Também a o livro "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", no qual compara a ciência verdadeira com a psudo-ciência mística, uma face do tempo em que vivemos em que as pessoas buscam alento no sobrenatural para suas muitas angústias. Em "O Mundo..." Sagan não desfaz do trabalho de ninguém, e também não nega que as vezes, as pessoas sentem-se bem ao receber uma mensagem de fé não necessariamente científica, venha de onde venha. Ele apenas defende a ciência e a distância da pseudo-ciência.
"Contato" além de livro de enorme sucesso, foi transferido para as telas do cinema, onde Jodie Foster interpretou a doutora Ellie Arroway, numa inteligentíssima trama sobre como seria o primeiro contato de alienígenas com a raça humana, trama esta que não negou em absolutamente nenhum momento os piores defeitos da humanidade, como a inveja, a intolerância e o ceticismo, tão comuns entre nós.
Por fim, em "Bilhões e Bilhões", já próximo da morte, devastado pelos muitos tratamentos, pela quimioterapia e mesmo pela parcial frustração de não ver seu filho chegar à idade adulta, Sagan transmite uma mensagem de otimismo discorrendo sobre temas que ainda são tabus em nossa sociedade como o aborto, o aquecimento global e o eterno conflito entre religião e ciência.
Carl Sagan nasceu em Nova York em 9 de novembro de 1934 e faleceu em 20 de dezembro de 1996 em Seattle. Foi astrônomo e exobiólogo, trabalhou no Laboratório de Propulsão a Jato (JET) na NASA, esteve a frente dos projetos Apolo (conquista da Lua), Mariner e Viking (exploração de Marte), Voyager (Jupiter, Saturno, Urano e Netuno) e Galileo, todas sondas especiais que produziram bilhões de informações sobre o sistema solar, desvendando um universo novo, instigante e fascinante.
Também lecionou em Harvard, Stamford e Cornell e nesta, fundou o Laboratório de Estudos Planetários.
Dirigiu uma entidade civil de astronomia com a finalidade de divulgar e popularizar a ciência, a The Planet Society.
Foi agraciado com o prêmio Pulitzer por "Os Dragões do Éden" (que ainda não li) e ganho 3 prêmios Emmy (o Oscar da TV) pela série Cosmos.
Há quem possa dizer que Sagan era muito mais um homem de mídia que um cientista a desvendas mistérios do universo. Talvez assim seja, mas eu o coloco no mesmo rol dos gênios universais como Galilei Galilei, Leonardo Da Vinci, Albert Einstein, Werner von Braun, Johannes Kepler e Nicolau Copérnico.
Ele não só ajudou a desvendar mistérios do mundo, como fez algo ainda mais difícil, fez esse conhecimento chegar a um grande público, instigar intelectos, convencer pessoas a abraçar a carreira científica, fazendo da ciência uma atividade cada vez mais concorrida a trazer cada vez mais avanços que melhorem a vida humana e quem sabe, preservem nossa raça por milênios.
Concluo este post com as palavras da esposa e companheira de pesquisas, Ann Druyan:
É provável que, se você veio aqui para se juntar a mim em um ato de recordação neste décimo aniversário da morte de Carl, você já conheça bem as numerosas realizações científicas e culturais do homem. É provável que você saiba que ele desempenhou um papel principal na exploração de nosso sistema solar, que ele acrescentou algo a nosso conhecimento das atmosferas de Vênus, Marte e Terra, que ele abriu caminho a novos ramos de investigação científica, que ele atraiu mais pessoas ao empreendimento científico que talvez qualquer outro ser humano e que ele era um cidadão consciencioso tanto da Terra como do cosmo. Talvez você seja um de muitos que foi levemente empurrado a uma trajetória de vida diferente pela atração gravitacional de algo que ele disse ou escreveu ou sonhou. Em minha estimativa parcial, ele era uma figura histórica mundial que nos incentivou a deixar a espiritualidade geocêntrica, narcisista, “sobrenatural” de nossa infância e abraçar a vastidão — amadurecer ao tomar as revelações da revolução científica moderna de coração.
Com suas revelações sobre um pequenino mundo embelezado pela música e pelo amor, a nave Voyager já saiu do sistema solar e se dirige ao mar aberto do espaço interestelar. A uma velocidade de 70 mil quilômetros por hora, projeta-se em direção às estrelas e a um destino com o qual só podemos sonhar. Estou cercada por pacotes do correio, cartas de pessoas de todo o planeta que lamentam a perda de Carl. Muitos lhe dão crédito por tê-los despertado. Alguns dizem que o exemplo de Carl os inspirou a trabalhar pela ciência e pela razão contra as forças da superstição e do fundamentalismo. Esses pensamentos me consolam e me resgatam de minha dor. Permitem que eu sinta, sem recorrer ao sobrenatural, que Carl vive. 14/02/1997.
Ano Internacional da Astronomia:
site oficial do evento.