O tempo tem sido cruel com o jornalismo, especialmente com o impresso. Sob a desculpa dos custos de impressão e da migração dos leitores para a internet, não está se eliminando apenas a plataforma impressa, está se eliminando o texto, que vem sendo substituído por notinhas de rodapé que agradam aquela parcela de idiotas que dizem não terem tempo na vida moderna para ler um jornal, embora o percam generosamente postando fotos nas redes sociais e arranjando discussões toscas nos "posts" ainda mais toscos de gente que nem escrever mais sabe, embotada de abreviaturas, sinaizinhos e emoticons, de "tops", de "delicia", de "aí, galera" e das demais expressões de preguiça mental que que vem substituindo a comunicação que observava as regras gramaticais e o bom senso.
Sim, o meio impresso um dia vai acabar. O problema não é ele acabar, é como ele vai acabar.
Porque com os custos dos aparelhos eletrônicos de hoje em dia, um jornal pode acabar com sua edição impressa e substituí-la por um tablet, na qual o leitor verá os textos, as manchetes, as colunas e os gráficos, e inclusive boa e velha capa que resumia tudo e chamava para aquilo que o leitor tinha interesse preferencial. O que não pode é o impresso acabar e ser substituído pelas notinhas rápidas, pelos tweets e pelo assobio de mensagem que o seu telefone faz a cada vez que alguém lhe manda um recado.
Neste 1º de junho, a centenária Gazeta do Povo deu adeus à sua edição impressa, substituindo-a por uma revista semanal ainda mais fraca e mal produzida que a edição de fim de semana, que pouco menos de 2 anos atrás substituiu a famosa edição dominical, que não raro contava com 300 páginas de informação, publicidade e classificados. O jornal veio minguando, perdendo qualidade e desaparecendo. Até dias atrás era não mais que uma sombra do que um dia foi, agora, nem isso.
Curitiba viu desaparecerem vários jornais nos últimos anos, inclusive na aquisição pela própria empresa proprietária da Gazeta, de seus maiores concorrentes locais, o Estado e a Tribuna do Paraná. ambos já com sérios problemas operacionais. Apesar de ainda terem sobrado alguns diários, como a própria Tribuna, o Bem Paraná, o Industria e Comércio e os gratuitos Metro e Jornal do Ônibus, a impressão geral é que vão todos desaparecer, substituídos por publicações digitais cheias de blogs independentes, chamadas sensacionalistas e textos curtos, tocadas por jornalistas novatos e, claro, tão baratos quanto antenados com as tendências dos jovens que não aprendem mais o hábito da leitura com seus pais, porque não tem mais tempo para sair do Facebook ou do Instagram para ler mais que uma linha de informação.
Pense em um jornal brasileiro que, proporcionalmente à população da sua cidade, vendia mais que a Folha, o Estadão e O Globo. Pense numa edição dominical que reunia o melhor do jornalismo nacional, reproduzindo colunas de todos os grandes impressos da época. Pense em cadernos lotados de classificados de automóveis, imóveis, empregos e facilidades, que tornaram a publicação uma referência mercadológica local. Pense em segmentação bem antes da palavra estar na moda. Pense numa publicação que todo vestibulando acompanhava, porque sabia que ela era a primeira a divulgar os resultados dos concursos mais importantes da cidade.
A Gazeta do Povo tinha lá seus defeitos, um deles, estar sempre em cima do muro em qualquer questão polêmica. Mas suas muitas qualidades faziam dela um jornal inigualável que não só conseguia se destacar da concorrência renhida em Curitiba (não faz 10 anos, havia 8 grandes jornais diários em Curitiba, incluindo o O Estado do Paraná, que era o grande rival do jornal da família Cunha Pereira). A Gazeta agregava matérias do dia a dia, informava de todos os lados das disputas políticas, preservava a memória de Curitiba e do Paraná, promovia a cultura, a educação e a inteligência de modo geral. Francisco Cunha Pereira Filho, seu diretor por várias décadas, um dia declarou que queria a Gazeta sempre como um resumo do Brasil, razão pela qual buscava colunistas de jornais rivais do país, que compartilhavam suas páginas.
Agora, será uma plataforma digital. Provavelmente terá o mesmo fim do também centenário e famoso Jornal do Brasil, que ao extinguir sua edição impressa perdeu prestígio e visibilidade, sobrando apenas as memórias de uma redação fervente, opinativa e corajosa que fazia história porque gostava do jornalismo profundo e esclarecedor. Vai acabar uma página cheia de chamadas para textos curtos e rápidos de ler, compartilháveis nas redes sociais para que um monte de outras pessoas leiam apenas a manchete.
Talvez seja o resumo do novo jornalismo que a internet de um país onde os jovens odeiam ler gestou na marra, dentro dos gabinetes e rapazes imberbes e recém-formados, que concebem todos os dias algum monstrengo sem alma sob a desculpa de que a internet vai substituir tudo e todos... talvez até seus próprios empregos.