Já passei do tempo em que achava que à uma crise deve corresponder
um chute no pau da barraca para mudar radicalmente alguma coisa.
Simplesmente não acredito mais em mudança radical. Apesar de não
ser exatamente “velho”, descobri com o passar do tempo que o
melhor a se fazer quando se precisa mudar algo é deixar que ele flua
em direção à mudança, e não que a mudança seja jogada sobre
ele.
Eu não duvido de jeito nenhum das boas intenções da presidente
Dilma Roussef em clamar por um plebiscito para tratar de uma reforma
política. Não concordo, mas não penso que seja algo tramado com
fins errados, apesar da clara incapacidade política que ela e seu
partido demonstraram nessa situação, já que, com 70% de apoio
congressual, a dita “base aliada”, ela resolveu dirigir-se a
governadores e prefeitos para propor uma mudança, quando podia ter
convocado sua bancada e pedido mãos à obra.
Mas a questão é que a sociedade brasileira tende a acreditar demais
em simbolismos e de menos na fiscalização que ela mesma deve
promover para que as coisas mudem e passem a funcionar.
Eu digo isso e repito que, se em 1997, quando da Emenda
Constitucional que criou a reeleição o povão tivesse ido às ruas
e protestado, quebrado, pixado e arrebentado como fez nos últimos
dias, possivelmente a regra nefasta e desastrosa para o país não
teria sido aprovada e os costumes políticos seriam bem melhores
hoje. E agora eu digo que reforma política em momento de pressão
não é exatamente algo bom, especialmente dentro do contexto de uma
assembléia constituinte específica, onde se poderá votar o que
quiser e se criar o monstrengo que quiser sempre sob a égide do
discurso de mudar o país, discurso este que agrada muito as pessoas,
especialmente as que não fiscalizam o conteúdo de regras e que
acreditam que palavras de ordem escritas sobre cartazes levados às
ruas têm efeito permanente!
Por não fiscalizar de verdade o conteúdo das regras, os brasileiros
vivem desde 1988 em eterna mudança delas. A Consttuição de 1988
foi fruto de uma Assembléia Constituinte que também era o Congresso
Nacional. E foi escrita dentro de um contexto em que o país clamava
por reformas sentindo as vozes nas ruas pressionando pela aprovação
de regras que se compatibilizassem com as lindas palavras de ordem de
toda manifestação popular, mas não necessariamente eficientes para
o legar o bem estar do país.
E o que aconteceu? CENTENAS, se não MILHARES de regras simplesmente
belas do ponto de vista do ideal, mas inexequíveis e, quando
exequíveis, de tão cara operação que o legado foi a quebra
econômica pura e simples do país. O BRASIL FALIU COM A CONSTITUIÇÃO
DE 1988! Ela deferiu direitos demais e obrigações de menos,
transformou a classe política nacional em uma casta intocável,
protegida e alheia à própria Lei e ao mesmo tempo tão beneficiada
por mordomias de todos os tipos que na prática criou dois países:
um, o real, onde as pessoas passam fome e enfrentam dificuldades que
vão desde a má-vontade de funcionários públicos igualmente
intocáveis, passando por uma burocracia insana e terminando em
serviços públicos precários, isso quando existentes; o outro, o
país dos discursos, de belos palácios, de vida boa, de uma visão
equivocada segundo a qual a simples redação de uma lei resolve as
demandas da sociedade.
E assim vivemos nestes 24 anos em que a maior parte dois debates
políticos não foi para melhorar o país, mas para corrigir
as besteiras colossais que aquela Assembléia Constituinte equivocada
legou, e cujos problemas ainda estão aí, muitos deles sem solução,
entre os quais destaco a intocabilidade dos políticos, que é
fortíssima, e a impossibilidade atuarial da previdência, causada
pela unificação dos regimes jurídicos dos funcionários públicos,
que de um dia para o outro transformou todos os celetistas em
estatutários, com os direitos inerentes aos estatutários como
aposentadorias integrais ou superiores à remuneração na ativa,
duodécimos, estipêndios, licenças-prêmio, etc... regra esta cuja
principal consequência foi o pulo da carga tributária de 18 para
38% do PIB e subindo continuamente sem parar para financiar um Estado
gastador que pouco ou nada produz e que não consegue sequer
administrar a conduta disciplinar se seus agentes.
Se enveredarmos de novo para o caminho de um processo legislativo
livre para fazer o que bem entende e dermos carta branca para que os
doutos constituintes gerem uma nova estrutura política, a
probabilidade é que vamos piorar o que já é ruim, porque o fato é
que mesmo que se convoque uma eleição para uma entidade assim,
chegarão ao posto de constituintes apenas dois tipos de indivíduos:
os eleitos pelo poder econômico e os eleitos pela esperança ingênua
de manifestantes de rua para fazer alterações radicais na vida
nacional, exatamente o que aconteceu naquelas eleições de 1986 e
cuja péssima qualidade pagamos até hoje, porque os primeiros só
agem por interesses, e os segundos, só agem por ideais desconectados
da realidade!
Não há necessidade de se fazer mudanças radicais na Constituição.
É preciso que se cumpra com rigor o arcabouço legal que já existe
aderindo mudanças pontuais, como o acirramento da regra de “ficha
limpa”, o fim do foro privilegiado e o fim da regra de reeleição.
Todas as demais reformas podem ser feitas com a aplicação do
arcabouço legal existente, com o esforço de tribunais em exigirem
juízes de primeiro grau mais eficientes e dando interpretação
“pró-sociedade” nas demandas em que se nota que a parte mais
importante é a população.
Mas mais importante que reformar leis e regras, é REPENSAR. É
imaginar que a pressão social não precisa ser desorganizada e
eventual como a que temos visto, mas pode ser feita sempre com
os meios que existem. Significa prestar atenção nos movimentos
legislativos e judiciais, para manifestar-se em grupos de pessoas em
frente a tribunais e casas legislativas sempre que a pauta
envolver temas polêmicos, significa manter contato permanente
com parlamentares e magistrados e entender basicamente que eles não
são cidadãos acima de quem quer que seja. Aliás, é
verdadeiramente revoltante que no Brasil, para se falar com juiz ou
parlamentar seja necessário marcar audiência tanto quanto não é
aceitável que chefes do poder executivo não abram suas agendas para
receberem pessoas do povo em seus gabinetes.
É preciso dar um basta no círculo vicioso de escrever leis e regras
e não cobrar dos agentes que às colocam em prática a interpretação
que a sociedade queria ao requisitá-las! A principal reforma é a de
pensamento, é no sentido das pessoas aprenderem que um presidente,
governador, prefeito, parlamentar e juiz não podem decidir as coisas
por si mesmos, mas sim pela voz que emana sempre da
sociedade, e que quando não ouvirem a sociedade, devem ter coragem
de assumir isto para ela e se justificarem como faz qualquer
funcionário para seu patrão. Nesse caso, o patrão é o povo, o
funcionário é o agente público. Quando o brasileiro descobrir
isto, verá que reforma legislativa nem se faz tão necessária...