Mostrando postagens com marcador Brasil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasil. Mostrar todas as postagens

10 de set. de 2019

RUI BARBOSA - A LUTA PELA CIDADANIA



Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam com a outra. Antes se negam, se repulsam mutuamente. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada.”

Advogado, jurista, jornalista, filólogo e diplomata, orador brilhante, abolicionista, deputado, senador e candidato à presidência, além de diversas outras áreas onde atuou com sua mente ágil e desafiadora, deixando sua marca indelével na história do Brasil. Suas maiores qualidades talvez tenham sido a coragem e o bom senso, sua aversão à politicagem, seu elevado senso institucional mesmo não imune a erros, mas sempre com uma honestidade ímpar. Lembrar de Rui Barbosa é destacar a força da cultura e da inteligência, antídotos para grandes males de nosso tempo.

Formação:

Nascido em Salvador, Bahia, em 5 de novembro de 1849, seu pai era médico e político, sua mãe, doceira. De rara inteligência desde pouca idade, aproveitou-se da grande biblioteca de sua família em sua formação básica, o que lhe valeu seguidos elogios nas escolas por onde estudou. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 1866, com a ajuda do amigo João Moura que o subvencionou numa época de grandes dificuldades familiares. Em 1868 transfere-se para “as arcadas”, a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo.

Afora seu brilhantismo pessoal, uma formação seleta, já que eram, à época, as duas instituições do gênero no país.

Nas arcadas, conhece muitos dos que viriam a ser dos brasileiros mais importantes do seu tempo e de grande importância na história do país, tais como José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Luis Gama, Rodrigues Alves e Afonso Pena. Lá, também deu vazão às suas múltiplas qualidades, tais como a poesia, a oratória e o texto primoroso, iniciando carreira também no jornalismo, aprofundando-se no liberalismo que já conhecia de família, pregando a federação, o abolicionismo, a instrução pública, as eleições diretas, universais e livres, os direitos humanos e a magistratura independente, dentre outras tantas causas que se contrapunham ao às tradições de uma sociedade ainda arcaica, predominantemente rural e eivada do vício do escravismo que teimava em persistir, mesmo em extinção pelo mundo afora.

Liberal de formação e convicção, na linha de frente do abolicionismo que era a grande questão política da época a permear praticamente todo o debate político do segundo império. Antes mesmo de formado, em 1869 subiu à tribuna na defesa de um escravo. Graduando-se em 1870, volta à Bahia, onde, em meio a problemas de saúde e às crises financeiras familiares e, inclusive, à morte de seus pais, em 1871 ingressa no escritório de advocacia Souza Dantas e logo depois no jornal de propriedade de Manoel Dantas, o “Diário da Bahia”, onde passou ao periodismo, inclusive para dirigir a publicação.

Abolicionista:

Nós os abolicionistas, pois, ramo da família liberal, que não derroga à lei de sua fé, mas que, antes de liberais e contra liberais, somos abolicionistas, porque vemos na política um serviço da pátria e um instrumento da humanidade – temos os braços estendidos para a abolição, seja qual for a parcialidade, que no-la ofereça”Discurso proferido em 1886, por ocasião do velório de José Bonifácio.

Rui Barbosa foi abolicionista desde sempre, havendo registros de sua atividade pela causa desde os primeiros anos na faculdade ainda em Recife, se não desde criança, incentivado pelos pais liberais. Destaco esta, dentre suas muitas causas, porque foi uma luta de vida inteira, dentro de um debate feroz que mobilizou o país e, no segundo império, o dividiu entre emancipacionistas, abolicionistas e escravistas, fazendo cair seguidos gabinetes conservadores e liberais, acabando por ser um dos principais fatores que levariam à Proclamação da República, onde ele também esteve na linha de frente, pois inclusive fez parte do primeiro governo do novo regime.

Já com sua formação familiar, ao transferir-se para as arcadas passou a gravitar em torno de José Bonifácio, acompanhado de outras figuras de destaque na causa: seu amigo da Bahia, Castro Alves, mais Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves e Afonso Pena, entre outros, todos homens destacados na história de um Brasil que, na época, começava a discutir com fervor a doutrina liberal, na qual se inseriam o trabalho livre e o fim da servidão. Ajudou a fundar e escreveu em “O Radical Paulistano” jornal de propriedade do escravo liberto Luis Gama, com todo o radicalismo inerente à juventude, que, certo, com o tempo foi contido, não sem manter-se depois na defesa intransigente da causa no “Diário da Bahia” e depois na tribuna da Câmara, no “Jornal do Commércio”e na “Gazeta da Tarde”, onde frequentemente denunciava os sofismas em defesa da escravidão (ser o fim da escravidão “uma questão de tempo”, de “conveniência”, de “gradação”e de “prudência), e ainda como advogado e senador, propondo, discutindo e negociando leis mesmo contra todas as forças contrárias, que não eram poucas e nem destituídas de poder, pelo que inclusive chegou a ser chamado de “comunista”, em sofrendo forte pressão de setores agrícolas da sociedade e até da própria igreja.

Mas sempre na na linha de frente da causa em todo o processo, em todos os atos, em toda a evolução da questão que, de fato, correu em paralelo com a própria Proclamação da República, mesmo ele não sendo totalmente averso à monarquia como se poderia concluir.

A Lei Áurea teve como efeito colateral uma discussão de ressarcimento aos escravocratas pela perda de suas “propriedades”. Já a Lei do Ventre Livre previa que os senhores de escravos seriam indenizados pelas crianças que ficariam sob sua tutela até os 8 anos, depois livres. Mais que isso, várias legislações que trataram do assunto evocavam o “direito de propriedade” que foi exaustivamente discutido em termos de “confisco”, até porque isso inibia o Estado, que teria, em tese, a obrigação de indenizar.

Jurista brilhante, sabia da possibilidade dos tribunais determinarem uma indenização de grande monta pelo fim da escravidão, que colocaria em risco não só a República, mas o próprio país.

MARY DEL PRIORE explica os números: “O impacto da abolição foi devastador na relação entre o governo imperial e uma legião de proprietários rurais, pois, na época em que foi sancionada, a indenização era impossível: os 700 mil escravos existentes (sendo quase 500 mil deles localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) valiam, no mínimo, 210 milhões de contos de réis, enquanto o orçamento geral do Império era de 165 milhões de contos de réis.” ( Uma Breve História do Brasil, Editora Planeta, 2010, p. 210)

Assim, em um ato até hoje polêmico, determinou a destruição da documentação alfandegária e fiscal sobre os escravos, inicialmente sob a desculpa de eliminar do país os vestígios da escravatura, mas cuja finalidade era mesmo a de impedir que se discutissem judicialmente indenizações colossais decorrentes de um ato do Estado, baseadas em farta fundamentação legal antecedente com grande risco econômico e institucional. EDUARDO BUENO explica com propriedade: “O governo brasileiro não pagou indenização alguma aos senhores de escravos (“Indenização monstruosa, já que uma grande parte deles eram africanos legalmente escravizados, pois haviam aportado ao Brasil depois da Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831”, como disse, em discurso na Câmara, Joaquim Nabuco). Porém, o preço para que tal indenização absurda fosse paga foi enorme, Afinal, teria sido justamente para evitar que qualquer petição pudesse ser feita pelos escravocratas, que Rui Barbosa, ministro das Finanças do primeiro governo republicano, assinou o despacho de 14 de dezembro de 1890, determinando que todos os livros e documentos referentes à escravidão existentes no Ministério das Finanças fossem recolhidos e queimados na sala das caldeiras da Alfândega do Rio de Janeiro.” (Brasil: Uma História, Editra Leya, 2010, p. 20)

Desta forma, o que muitos disseram ser mácula da sua biografia, foi em verdade um movimento salvacionista do regime e da própria abolição, pela qual, inclusive, continuou lutando até o fim de sua vida.

Rui logo fica decepcionado com os rumos do regime que ajudara a construir. A República, debatendo-se entre politicagem e oligarquia, migrava para uma ditadura e não adotava o ideário liberal de igualdade que exigia reformas sociais que, inclusive, impedissem que os libertos fossem abandonados à própria sorte, o que efetivamente ocorreu, causando a miséria que materializou-se com a aparição de favelas, cortiços e condições subumanas generalizadas nas grandes cidades.

Ficou horrorizado com a falta de sensibilidade dos governantes em não tratarem da questão com a importância que ela merecia. REJANE M. MOREIRA DE A. MAGALHÃES bem cita que “ao longo de sua vida, jamais deixou de se preocupar com o problema do negro em sua total abrangência, desde a simples libertação , a alforria ampla e ilimitada, até sua inserção na sociedade branca”. (As Idéias Abolicionistas de Rui – Fundação Casa de Rui Barbosa – www.casaruibarbosa.gov.br). Lutou até o fim de seus dias pelo ideal libertário e justo com que sempre sonhou.

Republicano na monarquia, liberal convicto:

A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é o maior elemento da estabilidade”.

A alternância frenética de governos conservadores e liberais no segundo império tornava difícil a implementação de programas complexos que pudessem alterar significativamente a vida nacional, especialmente se feriam interesses já estabelecidos, o que explica a luta de décadas pela abolição da escravatura e mesmo o pouco progresso da reforma do ensino, considerada por demais avançada para o país à época.

Rui era liberal, mas isso não fazia dele um anti-monarquista. Apesar de em certos momentos identificar na coroa um dos motivos do atraso econômico, social e político do país, sempre guardou pelo monarca o respeito de um jurista dedicado à Lei que fazia do imperador um dos poderes do Estado brasileiro.

A própria República acabou proclamada dentro desse contexto de caos político, porque o problema não era exatamente a monarquia, já que a proclamação foi o resultado do acúmulo de questões diversas, alimentadas justamente pela alternância constante de rumos que impedia o avanço do país, que acirrava os ânimos e que elevava as mentes brilhantes como a de Rui, de Benjamin Constant e Joaquim Nabuco, entre muitos outros.

Eleito deputado provincial da Bahia em 1877, chegou à Assembléia Nacional em 1881, sempre defendendo de modo ferrenho os diversos ideais liberais, que aprendera com seu pai, também político, e depois nas arcadas, estudando Direito.

Relatou a chamada “Reforma Geral do Ensino”de 1883, um projeto tido por ele mesmo como uma visão civilizadora do país, cuja intenção era de modernizar a formação das crianças, e fazer da “instrução pública” uma manifestação da liberdade humana sem a intervenção nem do Estado, nem da religião na sala de aula. Um trabalho minucioso, que previa a obrigatoriedade de formação de todos os cidadãos e normas até para delimitar condições físicas do ensino, a salubridade das escolas, a metodologia e os limites da atuação dos docentes. Graças à isto, chegou inclusive a compor gabinetes liberais, virando um ministro de Sua Majestade.

Mas sua visão era ampla, não limitada à questão educacional. Tinha convicção que a abolição da escravatura aconteceria cedo ou tarde, e que no centro-sul do país, iniciara-se um processo de importação de imigrantes europeus que certamente trariam não apenas mão-de-obra para o campo, mas também para industrializar a nação.

Veio a abolição e a República acabou proclamada também por diversos fatores, interesses e ideias, bem como das mais diversas correntes políticas, incluindo o liberalismo democrático e federalista que Rui tão bem representava, em contraposição à visão de Benjamin Constant, que chegara a pregar uma ditadura republicana e centralista, mais próxima do positivismo de Augusto Comte.

Toda essa diversidade de opiniões também implicou enormes dissensões que não tardaram a manifestar-se tão logo instalado o governo provisório, que, naquele primeiro momento, desorganizaram ainda mais o Estado caótico do final do Império.

Na República – do entusiasmo à decepção:

Rui foi o primeiro ministro das finanças da República, o que por si só já denota sua importância no processo da proclamação. Mas também foi um dos primeiros líderes do movimento a decepcionar-se com os pendores ditatoriais tanto de Deodoro quanto de Floriano Peixoto, ou mesmo de outros tantos próceres do movimento que acabou com a monarquia, muitos engajados numa visão excessivamente científica do Positivismo de Augusto Comte, que encarava o governo como uma ciência exata, cujos problemas se resolviam apenas com conceitos pré-definidos, o que não funcionava em um regime que era o resultado tanto de ações civis quanto militares, cujas visões distintas e muitas vezes antagônicas não se resolviam por fórmulas acadêmicas.

Via de regra, os civis, como Rui, eram federalistas, liberais e ferrenhamente democráticos, enquanto os militares eram absolutistas e centralizadores, aceitando a ideia de ditadura republicana.

A primeira constituição da república teve a marca de Rui e há quem diga que foi redigida numa reunião em sua casa. Era democrática, federalista e liberal, e atendia às necessidades legais já constatadas nas reformas do governo provisório, mas o primeiro presidente eleito foi Deodoro, um militar com visão bem diferente e especialmente pressionado e impopular pelo acúmulo de problemas que vinham desde o império, agravados pelas dissensões do novo regime.

Como ministro da fazenda, em um primeiro momento, Rui defendeu austeridade“...Cortemos energicamente nas despesas. Eliminemos as repartições inúteis. Estreitemos o âmbito ao funcionalismo, reduzindo o pessoal e remunerando-lhe melhor o serviço. Moralizemos a administração, norteando escrupulosamente o provimento de cargos do Estado pela competência, pelo merecimento, pela capacidade...” (Revista VEJA - Edição Especial sobre a República - Parte integrante da edição nº 37, ano 21, Editora Abril, 1989 – extratos de declarações de época).

Mas o novo regime queria acelerar o crescimento econômico e a industrialização do país dentro de uma visão de copiar a Europa na economia, nos costumes e até na arquitetura, e isso tinha um custo. E assim, talvez por entusiasmo com o nova ordem, talvez por por sucumbir às enormes pressões políticas de uma situação que agregara ainda mais agentes à uma equação já muito complicada da economia do paíssucumbiu ao populismo e aderiu ao “encilhamento”.



O termo “encilhamento” significa colocar os cavalos em posições de largada, ou seja, preparar o país para a corrida, o que já denota populismo em uma conjuntura de dificuldades em levantar recursos para a tarefa, que, enfim, era do ministro da fazenda: “Rui Barbosa assumiu este posto com uma missão ingrata: promover o desenvolvimento industrial do Brasil no final do seculo XIX. Para isso, tinha de lidar com algumas barreiras que o cenário lhe oferecia, como a completa dependência brasileira do capital externo e um sistema financeiro desafado em relação às necessidades de liquidez da economia”.(https://www.infomoney.com.br/mercados/noticia/1689869/personagens-rui-barbosa-controverso-ministro-fazenda-encilhamento )

Então, ampliando a reforma bancária de 1888, em 1890 a República autorizou a emissão de títulos para a cobertura de emissão de moeda sem lastro em ouro, mantendo uma estrutura de empréstimos sem juros para bancos que, por sua vez, deveriam emprestar com juros subsidiados, o que fizeram sem maiores critérios, até porque iniciou-se uma onda especulativa na fundação desenfreada de novas instituições financeiras e negócios baseados exclusivamente no crédito governamental.

Se é verdade que no primeiro momento gerou crescimento econômico, não demorou causar especulação, inflação e recessão. Bancos e empresas foram fundados tão rápido quanto desapareceram, não honrando os empréstimos, pressionando não apenas as instituições saudáveis quanto o próprio tesouro, com evidentes reflexos políticos.

Quando a dissensão política juntou-se à crise econômica, Deodoro resolveu ignorar a consituição fechando o Congresso em 1891, quando Rui se demite do ministério. Em 1892, abandona a bancada no senado e lança um manifesto: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação Eu ouso dizer que este é o programa da república”.

À estes fatos, segue-se um golpe que alça Floriano Peixoto à presidência em 1892, e depois, eclodem a Revolta da Armada na capital e a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, já que o novo presidente não convocou eleições como mandava a carta magna, além de ser centralista e absolutista, apesar de seus méritos em consolidar o regime.

Floriano instala uma ditadura e Rui, que adquirira o “Jornal do Brasil”, à denuncia fortemente, demonstrando também o desapreço pelo rumo que o país tomara em direção da chamada “Belle Èpoque”.

Em 1893 eclode a “Revolta da Armada”, uma sublevação da marinha, que ainda era fortemente monarquista, quase em paralelo com a Revolução Federalista que eclodiu no Rio Grande do Sul. O conjunto de ambas virou um conflito nacional que punha à prova o regime republicano e a presidência de Floriano.

Rui adere à revolta por meio de seu jornal, inclusive defendendo no STF o habeas corpus a aprisionados no conflito, pelo que acabou refugiado na embaixada do Chile e depois, exílado na Argentina, com o fechamento do seu periódico. Migra para a Inglaterra onde fica até 1895, já no primeiro governo civil da república, de Prudente de Morais, quando reassume sua vaga no senado e passa a defender a anistia em favor de todos os punidos e perseguidos por Floriano.

Continuou sua luta ingrata contra uma república elitista, que tudo decidia aos conchavos de oligarquias estaduais, sem eleições verdadeiramente democráticas, sem idéias, sem partidos verdadeiros e sem programas de governo, onde o presidente em exercício praticamente escolhia seu sucessor sem maiores contestações.

E além dos problemas políticos, o país também enveredou por uma uma onda europeísta, uma tentativa de copiar o velho continente com pendores racistas que negavam direitos aos escravos libertos, implicando contra a miscigenação e mesmo contra as tradições culturais, e cujo traço mais visível foi o “bota abaixo”, a demolição de cortiços e construções antigas, mas centrais, de grandes cidades, para a construção de largas avenidas em estilo europeu, o que foi o símbolo da “Belle Èpoque”, mas sem uma política habitacional compensatória, que levou as populações pobres (e eminentemente formadas por ex-escravos) para os morros, as terras baratas afastadas dos centros urbanos, que viraram favelas. Para Rui, que sempre pregara políticas sociais incursivas para os libertos, era apenas mais um motivo de decepção com o regime que ele ajudara a fundar e que constatava confuso, incapaz de superar as crises entre as várias quarteladas e revoluções que eclodiam pelo país.

Eis que Afonso Pena morre antes de impor seu sucessor, que seria David Campista, contra quem Rui já se insurgira extremecendo a amizade com o então presidente. Mas Rui, já o “Água de Haia”, o brasileiro mais respeitado do seu tempo, cansado dos conchavos que vinham desde o império, resolve insurgir-se à escolha do Marechal Hermes da Fonseca em detrimento à do Barão do Rio Branco.

Hermes, apoiado pelas forças armadas, remetia aos terríveis anos de Floriano, pelo que Rui se candidata, ou, talvez, se “anti-candidata”, pois já estava nas ruas a Campanha Civilista, da qual ele assumiu a liderança, denunciando os vícios de origem (não os de caráter) do candidato do regime, que se queria presidente pelos mesmos métodos de escolha de seus antecessores.

Diz HÉLIO SILVA que “A Campanha Civilista é a primeira luta democrática da República. Tão grande, em sua importância e repercussão que até hoje não pôde sequer ser igualada” (História da República Brasileira – Luta Pela Democracia – 1911 a 1914. Ed. Istoé/Três, 1998, p. 39).

Rui foi o primeiro verdadeiro candidato à presidência da história do país. Ele não teria seu nome levado à chancela, nem era uma oposição simbólica como ocorrera até então. Foi à praça pública pedir votos e disputá-los à boca de urna mesmo sabendo não ter chances de vitória, mas defendendo os valores republicanos e liberais pelos quais lutara a vida inteira. “Eu sou dos sacrifícios. Se fosse para a vitória, não me convidavam, nem eu aceitaria; mas como é para a derrota, aceito. A ideia não morrerá pelo meu egoísmo. Perderemos, mas o princípio da resistência civil se salvará...”

E denunciou em praça pública todos os vícios que vinham desde o império, e os vícios que se criaram com a República, corpo a corpo, nos jornais, nas reuniões nos teatros e nos comícios para os quais acorreram multidões.

As eleições nacionais ocorreram do mesmo modo que as anteriores, fraudadas, praticamente homologadas por quem lançou a candidatura vencedora. Mas pela primeira vez na história da república havia uma oposição articulada. Os dois mais importantes estados divergiram do conjunto das oligarquias e havia um líder que trabalhou exaustivamente na apuração e denunciou as fraudes, exaurindo os recursos processuais possíveis, indo às últimas consequências com coragem ímpar.

Eleito Hermes da Fonseca, ao montar seu ministério chegou inclusive a convidar Rui, sem sucesso, mas confessando a enorme admiração por aquele que era considerado um dos maiores brasileiros da época, que fundou e manteve a primeira oposição organizada na história da República a partir da coragem de enfrentar o candidato do regime e depois contestar sua eleição. E mais que isso, a eleição de Hermes alçou ao máximo poder uma das figuras mais proeminentes da República Velha, o senador gaúcho Pinheiro Machado, que encontrou em Rui seu contraponto, um opositor firme, popular, de retórica poderosa e respeitabilidade, única pessoa em todo o país e em toda a classe política que era capaz e tinha coragem de enfrentar o então todo-poderoso senador, presidente da “Comissão de Verificação de Poderes” e articulador da política de salvações nacionais que marcou aquele governo com intervenções nos estados.

Rui foi quatro vezes candidato à presidência, desistindo de sua campanha contra Venceslau Brás (e ainda recebendo 47 mil votos). Em 1921 renuncia ao seu último mandato como senador.

Na República, nunca esmoreceu e lutou bravamente pelos ideais liberais e democráticos, resistindo à ideia de alojar-se confortavelmente no regime que ajudara a criar e que o abraçaria sem mágoas como aconteceu com outros tantos próceres do fim da monarquia. Foi sua maior obra e pior decepção, e seu discurso no senado, em 17/12/1914 revela o estado de espírito da luta inglória que abraçou por toda uma vida:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto... Essa foi a obra da república nos últimos anos. No outro regime o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para sempre. As carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza como um farol que não se apaga... Em proveito da honra... da justiça... E da moralidade gerais."


O “Águia de Haia”: diplomata, advogado, jurista, filólogo...

As ditas “conferências de paz” de Haia, foram multilaterais e tentaram organizar a ordem internacional de pós-guerras, refletindo uma preocupação da sociedade civil de inúmeros países com a violência cada vez maior dos conflitos, cujas armas eram cada vez mais destrutivas. Foram uma tentativa de “humanizar” a guerra, criar regras mínimas de proteção às populações civis.

Foram uma experiência de “diplomacia aberta”, ou seja, discussões públicas que se contrapunham à sigilosa diplomacia tradicional por meio de fóruns de discussão em um país neutro, a Holanda, com cada país/delegação tendo o mesmo peso nas votações, sem a hegemonia das grandes potências econômicas e militares.

A primeira ocorreu em 1899 e a segunda, mais abrangente, em 1907, convocada pelos EUA após os dois severos conflitos, a Guerra dos Boeres (1899 – 1902) e a Guerra Russo-Japonesa (1904 – 1905), numa busca em dar “mais juridicidade às relações povo a povo” “na medida do possível substituir ao arbítrio o direito, à violência a razão, a intolerância à justiça” (LAFER, CELSO – https://cpdoc.fgv.br)de modo que o Brasil não poderia ter sido melhor representado, se não por Rui, um poliglota cujos valores liberais, a inteligência e a oratória perfeita o fizeram brilhar, sendo reconhecido internacionalmente, tanto pelos diplomatas, seus oponentes nos debates, quanto pela opinião pública.

Rui contestou a diplomacia baseada na força e defendeu a igualdade entre os Estados nacionais com a democratização das relações entre os países criticando a classificação destes por sua força militar, o que feria as práticas de época, quando as grandes potências impunham suas vontades em todos os foros de negociação. Também trabalhou pela criação de uma corte de justiça arbitral, que foi o embrião da Sociedade das Nações, que por sua vez inspirou a criação da ONU. Debateu em alto nível com os representantes de todas as nações e em especial das grandes potências, peticiou pessoalmente sem auxílio de assessores, discursou em diversos idiomas, negociou medidas diversas e inclusive, discutiu o fim da aquisição territorial pela força mesmo decorrente de guerra sem mediação internacional, uma medida tão avançada e ambiciosa, que só teve tratamento legal mais de 40 anos depois, após o fim da Segunda Guerra Mundial e mesmo assim, após definidas as perdas/ganhos de territórios ao fim dela. Lutou pela democracia e pelos valores liberais no exterior com a mesma perspicácia e inteligência com que lutava por eles dentro do Brasil.
Recebeu o apelido de “Águia de Haia”, voltou em triunfo para o Brasil, onde, tratado como celebridade internacional, recebeu a mais alta comenda do país das mãos do presidente, seu amigo de arcadas, Afonso Pena. Chegou a ser indicado juiz da Corte Internacional de Haia e depois delegado brasileiro na importantíssima Conferência de Versalhes de 1916.

A coragem de Rui Barbosa refletia em sua advocacia. Sua inteligencia e seus valores liberais, idem, e sua atitude perante a profissão até hoje serve de exemplo para todos os juristas, o que foi transformado em “O Dever do Advogado”, que escreveu ao aceitar a defesa criminal de um adversário político e onde afirma o dever do causídico em prestar assistência jurídica, em acreditar nas instituições sem submeter-se aos arbítrios dos homens.

A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.”

 Advogado, afeito a não ver na minha banca o balcão do mercenário, considero-me obrigado a honrar a minha profissão como um órgão subsidiário da justiça, como um instrumento espontâneo das grandes reivindicações do direito, quando os atentados contra ele ferirem diretamente, através do indivíduo, os interesses gerais da coletividade.“

Orador afamado e escritor profícuo de mais de 100 volumes de textos jornalísticos, ensaios literários, poesias, pareceres jurídicos, petições e discursos, também foi um fervoroso defensor da língua portuguesa e ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, presidindo-a em substituição a Machado de Assis.

Conclusão:

O Brasil perde Rui Barbosa em 1o. de março de 1923, quando um edema pulmonar acaba com a vida marcada da luta por ideais, a palavra franca da oratória poderosa, o estudo minucioso de todas as questões a elevar os debates, mas principalmente pela afirmação diária dos direitos mais fundamentais do homem, os valores liberais de um abolicionista convicto, fervoroso democrata a defender a sociedade civil sem ceder à tentação dos arranjos confortáveis do poder, tendo transitado a vida inteira nas mais altas rodas tanto do Império quanto da República.

Sua enorme biblioteca pessoal transformou-se na Fundação Casa de Rui Barbosa. A revista Época o elegeu “O Maior Brasileiro da História” e o jornal A Tarde, “O Maior Baiano de Todos os Tempos”. Ainda foi homenageado no cinema, e na numismática teve sua efígie nas notas de Cr$ 10 mil e Cz$ 10,00.

Claro que, neste texto, não tenho a pretensão de abordar toda vida do grande brasileiro que veio da Bahia, até porque isso já foi feito por diversos outros autores mais competentes e estudiosos.

A ideia desta matéria é homenagear a coragem e a honestidade de um político que, como qualquer pessoa, também avaliou mal certas situações e errou, mas que ousou sonhar com um país democrático e progressista, sem conchavos e sem cessões às tentações do poder, preferindo a oposição sincera à situação acomodada, a renúncia ao poder antes de manchar suas mãos com a injustiça flagrante.

Sempre digo que grandes homens são o farol da humanidade e Rui não foi diferente. Em Haia ele mostrou para o mundo o que se sabia no Brasil: ele era uma luz que guiava os cidadãos que lutavam por justiça e democracia, uma luz que, se olharmos com atenção, ainda é capaz de nos guiar quase 100 anos depois de apagada, nestes tempos de trevas e confusão em que vivemos.

Curitiba, 29 de agosto de 2019.

Bibliografia:

BUENO, Eduardo – Brasil: Uma História. Editora Leya, 2010.
DEL PRIORE, Mary – Uma Breve História do Brasil. Editora Planeta, 2010.
SCHWARCZ, Lilia Moritz – As Barbas do Imperador, Companhia das Letras, 1998.
SILVA, Hélio – História da República Brasileira – Nasce a República 1888-1894, Editora Três, 1998.
SILVA, Hélio – História da República Brasileira – Luta pela Democracua 1911-1914, Editora Três, 1998.

Revistas:

Revista VEJA - Edição Especial sobre a República - Parte integrante da edição nº 37, ano 21, Editora Abril, 1989 – extratos de declarações de época

Na Internet:
Wikipedia – verbete RUY BARBOSA.
LAFER, CELSO – Fundação Getúlio Vargas – Centro de Documentação – https://cpdoc.fgv.br.
MAGALHÃES, Rejane M. Moreira de A. - As Idéias Abolicionistas de Rui – Fundação Casa de Rui Barnosa – www.casaruibarbosa.gov.br.

12 de fev. de 2019

PUNIR O FLAMENGO É DEIXAR IMPUNE O VERDADEIRO CULPADO, NA VALE TAMBÉM.



O sistema jurídico brasileiro é fundado na pessoa, ele julga os atos humanos, não os fatos que afetam as universalidades como as empresas, os espólios e a administração pública. 

É recentíssima, em termos jurídicos, a discussão acerca das natureza de uma instituição. Quando entrei na faculdade, em 1989, ainda repercutia um livro do brilhante e saudoso professor José Lamartine Corrêa de Oliveira, "A Dupla Crise da Pessoa Jurídica", em que se discute justamente isto: até onde a pessoa jurídica é sujeito de direitos e obrigações? 

De qualquer modo, o importante para o leitor é saber que o sistema jurídico brasileiro só pune a pessoa jurídica do ponto de vista pecuniário. A pessoa jurídica é multada e condenada a pagar ou fazer, mas não sofre com sentença penal, porque por óbvio, os seus atos criminosos são praticados por pessoas físicas.

Os mesmos contâineres da tragédia no Ninho do Urubu do grande Flamengo são usados no CT do pequeno Coritiba para hotelaria dos jogadores profissionais. Talvez o projeto seja mais bem executado, provavelmente se tomaram cuidados adicionais, mas em essência, é o mesmo tipo construtivo. 

Um pequeno minerador também pode causar desastres ambientais. Uma pequena empresa também pode causar mortes no mau gerenciamento de suas atividades. Não é implausível, por exemplo, que um acidente numa pedreira possa gerar uma explosão gigantesca ou um derrame de material tóxico em um rio, com matança de peixes e de vegetação.

Essas tragédias praticamente comezinhas que acontecem no Brasil sempre são seguidas de discussões radicais: a Vale não pode ser fechada porque gera 70 mil empregos, o Flamengo não pode ser punido porque tem 30 milhões de torcedores, a Mineração da Anta precisa ser fechada porque dois de seus 10 funcionários morreram, o Coritiba Foot Ball Club tem de ser extinto porque seus torcedores causaram o caos na cidade e uma pessoa morreu a 15 quilômetros do estádio em decorrência do tumulto.

Notaram que o debate é contraditório?

Notaram que pau que bate em Chico nem sempre vai ralar Francisco?

Uma das piores características brasileiras é maniqueísmo que se usa para proteger quem erra. De acordo com o agente agressor, temos uma forma de agir. Se é o grande Flamengo, dizemos que o clube não pode ser punido, se é o pequeno Coritiba, fazemos campanha para que ele desapareça e sirva de lição. Se é o diretor da Vale, ele não tem como saber de todos os atos de seus subordinados, se é da Mineração da Anta, é um capitalista ganancioso sedento por lucro fácil.

E neste eterno debate, no fim das contas, os verdadeiros culpados ficam livres, não são afetados porque se forma uma confusão tamanha, que em certo momento não se sabe mais distinguir a pessoa da instituição, e isso vale para empresas, associações e até mesmo para o Estado, os órgãos da administração pública.

Já disse esses dias, pouco me importa se é na gigantesca Vale ou na micro Mineração da Anta, se é no pequeno Coritiba ou no gigante Flamengo, o que eu quero mesmo é ver gente em cana, presa, cumprindo decisão condenatória.

Porque quando acumulamos discussões sobre a responsabilidade de instituições, esquecemos que os atos delas são praticados por pessoas. 

Foram os diretores da Vale que não souberam tratar da segurança da barragem de Brumadinho, foram os da Samarco que não souberam tratar de Mariana, foram os diretores do Flamengo que mandaram os garotos se alojarem nos contâineres, foram os agentes públicos que multaram o clube 30 vezes e não interditaram o local com lacre, foram os fiscais da Agência Nacional de Mineração que não foram conferir o estado real das barragens de Mariana e Brumadinho.

Mas nenhum diretor do Coritiba foi preso por conta daquele incidente em 2009, como nenhum diretor da Samarco, como não foi sequer ouvido o governador do Paraná que negou policiamento adicional para aquele jogo fatídico da confusão do clube paranaense, como ninguém do então Departamento Nacional da Produção Mineral foi punido por omitir-se na fiscalização da barragem que veio a romper em Mariana.

E parece que agora, encaminha-se tudo para a mesma direção. Discute-se a responsabilidade das grandes instituições, Vale e Flamengo, mas não se fala na punição direta de suas diretorias ou ex-diretorias. Engenheiros de uma prestadora de serviço pegam prisão provisória, mas nada é feito contra a diretoria de uma empresa recorrente em problemas ambientais. Não se pune o administrador público omisso na sua obrigação de fazer cumprir a Lei, porque supostamente não havia pessoal suficiente, ou, ainda, não era clara a competência funcional em tomar atos acautelatórios.

Como a instituição só pode ser punida com multa ou com custo de praticar um ato, esta se paga, ou entra em dívida ativa, ou se discute ad aeternum em algum tribunal, mas os verdadeiros criminosos ficam livres, aproveitam o escudo eficiente da instituição que já deixou muito criminoso livre, leve e solto, gozando da vida que roubou outras vidas.


24 de out. de 2017

BRASIL: O PAÍS QUE ODEIA SUAS CRIANÇAS



Nós, brasileiros, somos campeões da bondade em teoria. Temos sempre as melhores intenções quando escrevemos nossas leis, quase sempre belas e cheias de conceitos ideais com objetivos audaciosos. Mas na prática, pouco ou nada fazemos para que estas leis funcionem e cumpram as promessas de seus autores.

Uma das coisas que os brasileiros mais fantasiam é a infância. Nossas leis são rígidas. Em teoria nossas crianças são intocáveis. Existe todo um arcabouço legal fantasioso que regula desde a publicidade de brinquedos até o que um professor pode dizer ou não para uma criança em sala de aula, e que foi feito para que, sendo lido, nos dê a impressão de que realmente cuidamos de nossas crianças, com o discurso oficial sempre muito bonito de que elas são nosso futuro como nação. 

Mas na prática, nossa sociedade odeia suas crianças, às usa como mercadorias e escudo para seus crimes recorrentes, sua falta de sensibilidade e sua divisão ideológica maniqueísta. O Brasil sempre foi um país de péssimo histórico com a infância. Trabalho infantil é uma coisa recorrente em nossa sociedade desde sua fundação, maus tratos são uma constante desde sempre, pouco importa o conteúdo das leis.

Em certa época de minha vida advoguei na área de família e saia estarrecido do fórum ao constatar o uso de crianças para atingir alguma das partes do processo. Sob a desculpa de cuidar do menor, mães impedindo a visita pelos pais, pais negando pensão alimentícia e casais que não trabalhavam achacando avós. Uma coisa pavorosa, o pior da espécie humana se aproveitando da inocência de uma criança por vingança pessoal ou interesse meramente mercantil.

Isso foi há 20 anos e de lá para cá, esse comportamento que era típico nos fóruns de família parece ter espraiado para o dia a dia de nossa sociedade doente e violenta, sexista e desonesta em sua essência, mercantilista ao ponto de sacrificar suas crianças sem a menor sensibilidade. 

É um quadro vem se agravando de modo dramático. Quando criança, eu tinha a possibilidade de sair de casa e ir brincar na pracinha que ficava há uns 3 ou 4 quadras, ou ainda procurar um campinho para jogar futebol com os primos. Hoje, nossa sociedade neurótica criou uma situação em que uma criança desacompanhada em uma praça é quase certeza de tragédia, tamanho o foco maldoso que colocamos sobre elas.

Sexualizamos a infância. Sob a desculpa da "democracia" e da "liberdade de expressão" desprezamos todos os valores mais básicos do desenvolvimento delas. Queremos que elas namorem aos 5 anos de idade, às vestimos como adultos, às levamos para festas juninas onde estão sujeitas a sertanejo universitária pregando "pegar" e beber, ou ao funk sexualizado, seguindo a lógica perversa de que é apenas música. Elas não brincam mais, ficam presas aos malditos smartphones, à internet e à TV, sujeitas a todo tipo de sensualização que nossa sociedade doente praticamente exige. E dessa sexualização da infância decorrem pais e parentes que violam as crianças de suas próprias famílias, promoção e defesa descarada da pedofilia, inclusive com a violação direta das leis idealizadas que não servem para muita coisa quando interpretadas por juízes frouxos e, em casos recentes, por artistas desonestos desesperados para usar dinheiro da Lei Rouanet. Dentre os países com algum desenvolvimento social, o Brasil é o campeão em prostituição infantil e violência contra crianças, mas para nossa sociedade não importa, a nossa "liberdade" exige que o sexo esteja em todos os aspectos da vida, pouco importando o efeito final.

Negligenciamos a educação. Impedimos nossas escolas de disciplinar e sujeitamos os educadores aos maus humores de pais tão super-protetores quanto incompetentes em educar, a ponto de preferirem culpar a escola pelos erros que seus filhos cometem porque não recebem limite nenhum em casa. De tanto que nossas leis ideais protegem, nossos agentes públicos (leia-se: Ministério Público e Conselhos Tutelares) simplesmente são incapazes, seja por preguiça, seja por incompetência, de distinguir um ato disciplinador de um ato de violência, classificando tudo como crime, atando as mãos de quem tenta ensinar, a ponto delas mesmas, cooptadas por ideologia política, invadirem as escolas onde deveriam estudar, sem que os pais ou mesmo o Estado nada fizessem por semanas, como aconteceu no PR, em SP e no RJ.

Dizemos que não, mas temos tolerado trabalho infantil, prostituição, pedofilia e mesmo o uso das crianças como escudo para a prática de crimes, inclusive políticos, já que elas não são poupadas da guerra ideológica entre supostos progressistas contra conservadores de araque, predominantemente ladrões comprovadamente lutando apenas pelo direito de assaltar os cofres públicos.

O Brasil tem odiado suas crianças. Quando vemos assassinatos cruéis de crianças de colo como os que repercutiram na última semana, quando não percebemos que nossa sociedade transforma um jovem de 13 anos num monstro a disparar tiros contra colegas de colégio, é porque odiamos no sentido de não tratá-las como crianças, são apenas mais cidadãos aos quais impomos nossa agenda brasileira de libertinagem, negligência e demagogia, tolerando a violência comezinha que acaba por desaguar no crime visceral que choca por uns poucos dias quando exposto no noticiário do horário nobre das TV(s).

O Brasil odeia suas crianças. Fala muito em amá-las, mas nada faz para respeitá-las. É um país doente que está destruindo seu próprio futuro com raiva e demagogia ilimitadas, promovidas por interesses mesquinhos e não raro, meramente eleitoreiros. Uma tristeza!

2 de out. de 2017

A ARTE É LIVRE. A LIBERTINAGEM, NÃO



Libertinagem é descrença a preceito, que implica comportamento desmedido em relação a alguma coisa. Muita gente à confunde com liberdade, fazendo um errado juízo de valor com democracia, pelo que acaba concluindo erroneamente que, em vivendo sob democracia, tudo é aceito e mesmo as regras que regem a sociedade devem ser contestadas porque a liberdade assim exige.

No Brasil não há lei mais paternalista, mal redigida e de efeitos tão deletérios quando o Estatuto da  Criança e do Adolescente. Se trata de uma peça da mais pura hipocrisia legislativa, dentro daquele conceito bem brasileiro de que a simples redação em termos ideais, resolve problemas no mundo real. 

No entanto, apesar de ruim, a dita Lei não carece de clareza e quando entra na tipificação de crimes contra crianças e adolescentes é rigorosa e muito bem inteligível. 

E em seus artigos 240 e 241 ela tipifica o crime  de apologia à pedofilia. No primeiro artigo ressalta que é crime  "..vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente..."  e pune no artigo 241, C por "...simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual..." . 

Ou seja, nos dois casos recentes em que a classe artística reclamou de censura, o que na verdade ocorreu foram crimes, porque em Porto Alegre havia registro contendo cena sugerindo ato de pedofilia, e porque a representação do MAM semana passada insinuou cena de sexo com crianças. 

O que se notou nesse processo todo foi uma histeria vinda de setores da sociedade que são privilegiados com verbas da Lei Rouanet para praticarem libertinagem e protestarem contra o mundo e contra as leis que não os agradam, incluindo nisso o protesto indireto porque Dilma Roussef foi cassada após destruir a economia do país. Chegaram ao absurdo completo de usar a nudez das obras de Michelângelo para se dizerem perseguidos por grupos políticos de direita, que querem acabar com a arte. 

Chega a ser ridículo comparar nudez com pedofilia em um país como o Brasil onde posar nu é motivo de sucesso e admiração pela sociedade, onde corpos seminus numa praia são tão comuns quanto a areia dela. Dizer que as obras de arte clássicas dos museus europeus mostram casais homossexuais e poses eróticas, é simplesmente esquecer que, naqueles mesmos grandes museus, arte que envolve pedofilia só é exposta de modo muito restrito, porque lá isso também é crime, e naqueles países eles também tem preocupação com o desenvolvimento sadio de crianças e adolescentes, afora o fato de que não é crime lá, como não é aqui, ser homossexual. Mas é crime lá, e também aqui, praticar e fazer apologia à pedofilia!

É inaceitável o caso de Porto Alegre onde não só se expunham perversões sexuais como se convidavam escolas para visitar aquela exposição, que ainda tinha o agravante de ser financiada com dinheiro público. Do mesmo modo que é indefensável colocar crianças numa manifestação supostamente artística, sugerindo ato sexual. A lei é clara, não é preciso interpretá-la para saber que esse tipo de situação é crime.

O que essas pessoas querem não é promover a arte, querem em verdade um passe livre para simplesmente contestarem todas as leis que lhes incomodem, seja porque são mesmo pedófilos, seja porque não aceitam a autoridade do Estado, sem a qual sociedade nenhuma existe.

Mas fico me perguntando o que essa gente diria se alguém montasse uma peça de teatro intitulada "Saudades da Ditadura" e fizesse a representação de presos políticos sendo torturados, enquanto atores vestidos de militares fumam charutos cubanos pisoteando fotografias de pessoas mortas e torturadas os porões do DOI-CODI. 

Seria arte? Será que alguém usaria o exemplo das "Execuções de 3 de Maio" de Francisco Goya para dizer que é apenas arte, que não pode ser limitada, que é feita para chocar?

Pedofilia e tortura não são atos bárbaros, de igual efeito deletério para a pessoa, a família e a sociedade? Será que pedofilia pode, mas tortura não, ou vice-versa?

Sejamos francos: a arte é livre, ninguém está proibindo o artista de expor sua nudez ou suas opiniões, mesmo erradas (quando não completamente imbecis como a destes casos recentes), mas existe um limite chamado LEI, sem o qual não se vive em sociedade, e pelo qual esta mesma sociedade fixa parâmetros do que ela não quer e do que pretende proteger.

Querem fazer esse tipo de manifestação? Simples: parem de criticar o sistema e de falar em opressão e façam lobby para alterar a Lei, mas não à violem, porque por mais que o país seja cheio de problemas e injustiças, e governado por bandidos de direita e de esquerda, ainda assim há valores que a maioria dos brasileiros quer preservar, um deles, a infância sadia!

Volto a repetir: a arte é livre, a libertinagem, não.

  

1 de jun. de 2017

NO BRASIL SE MORRE MUITAS VEZES



Essa notícia do desaparecimento do corpo do Garrincha é sintomática do como o Brasil  é cruel com a história das pessoas, com as viúvas e os órfãos, com os pais e mães que perdem seus filhos.

Garrincha é um brasileiro que morreu várias vezes, esta foi apenas mais uma. Porque tendo sido um dos maiores atletas da história do mundo, foi rapidamente esquecido. Hoje, se alguém perguntar para um brasileiro de 14 anos quem ele foi, não saberá. Aliás, este garoto terá alguma notícia de quem foi Pelé, mas afirmará em alto e bom som que o maior jogador de futebol de todos os tempos ou é Messi, ou é Cristiano Ronaldo, porque o Brasil promove o futebol dos outros, mas usa o seu próprio futebol para enriquecer uns poucos, negligenciando a história do esporte que nos trouxe 5 títulos mundiais.

Mas é bem pior do que isso. Se fosse apenas no futebol, seria até reconfortante. 

Pergunto pro leitor: quantas vezes morreram aqueles dois jovens assassinados no trânsito por um deputado paranaense embriagado? Quantas vezes morreram os jovens da boate Kiss? Quantas vezes morreram as vítimas do Morro do Bumba? Quantas vezes morreram as vítimas da ciclovia mal construída no Rio de Janeiro? 

Morreram várias vezes. A cada recurso protelatório aceito pela Justiça, a cada habeas corpus libertando réu, a cada júri adiado, a cada declaração arrogante de defensor culpando as vítimas. 

Morre-se de muitas maneiras, seja pela pena do juiz que recebe os recursos que sabe serem protelatórios, seja pela lábia de algum advogado que deixa de ser representante do réu para virar seu cúmplice. Os familiares morrem um pouco a cada dia clamando por uma Justiça que  demora ou nunca é feita. 

Morre-se um pouco mais ao constatar algo como a primeira sentença do caso da boate Kiss, que foi de condenação de um pai de vítima em dano moral  porque dentro de sua morte diária  e desesperadora ousou cobrar providências de um promotor de justiça.

Há 14 anos aconteceu em Curitiba um show em que se venderam muitos mais ingressos que o comportado pelo local. Na confusão que se formou, 3 jovens morreram pisoteados e suas famílias aguardaram esse tempo todo para o júri condenar os responsáveis a uma pena de 14 anos, que lhes garantirá pouco mais de 2 em regime fechado. Um acinte que denota quanto a vida vale pouco no Brasil, a ponto de uma mesma vítima morrer várias vezes no sofrimento de seus entes queridos.

Quantas vezes morre uma mulher estuprada e violentada que constata que vive em um país machista em que é comum o entendimento de que suas roupas é que causaram o delito? E se ela morrer, quantas vezes morrerão seus entes queridos ao deparar com um argumento como este?

Mas é ainda pior, há os casos que sequer são investigados. Conheci uma família cuja neta/sobrinha/filha/irmã, portadora de síndrome de Down veio a falecer ainda jovem, pouco mais de 20 anos. Sepultada, no dia seguinte morreu mais uma vez e ao mesmo tempo morreram um pouco seus entes queridos: seu túmulo foi violado, seu corpo arrastado e abandonado e nem falo os demais detalhes que o leitor pode imaginar. E nada, nenhuma investigação sequer se deu ao trabalho de indicar algum suspeito, o caso simplesmente se encerrou ali, a pobre menina morreu mais uma vez, seus entes queridos continuam morrendo todos os dias de revolta porque o Brasil não aponta culpados, não prende e, quando prende é leniente com o bandido,  quer dar à ele todos os direitos humanos que ele mesmo negou às suas vítimas, se necessário criminalizando a vítima, dizendo que ela contribuiu para o crime, encontrando atenuantes, fazendo com que ele simplesmente passe um pouco de tempo aprisionado para dar a impressão que se faz Justiça.

Mas Justiça não existe quando não é célere. 8 anos e o deputado paranaense ainda não foi á júri. 4 anos e ninguém foi julgado pelos crimes na Boate Kiss. Justiça não existe quando alguém que mata 3 pessoas recebe uma pena de 14 anos e tem direito a progressão dela em pouco mais de 2. Justiça não há quando invertem-se os valores culpando as vítimas insinuando que elas contribuíram para o crime. Não há Justiça em dezenas de recursos sucessivos, nem na inexistência de investigações, muito menos na caneta dos juízes e tribunais que dão admissibilidade para toda e qualquer chicana processual. Não há Justiça quando o réu poderoso se defende com imensas equipes de advogados que encontram as minúcias da Lei para ganhar tempo.

Quando não há Justiça, a morte é certa. Não a da vítima, mas a dos seus familiares que pleiteiam pela Justiça. Não a morte que acaba com a vida, mas a morte que à torna insuportável em meio à revolta. 

No Brasil se morre várias vezes. Várias vezes durante uma vida. As vezes, várias vezes depois da morte. As vezes, várias vezes até no mesmo dia, como num video-game violento em que o mocinho enfrenta sempre um mesmo monstro... o Brasil tem o jeitão desse monstro!

17 de jan. de 2017

HIPOCRISIA PENITENCIÁRIA

na foto: Os ministros Carmen Lúcia e Alexandre de Morais, falando muito sobre o assunto.


Alegando "direitos humanos", o governo brasileiro então liderado por Dilma Roussef chamou o embaixador da Indonésia a prestar explicações e retirou daquele país o representante brasileiro. Suplicou, esperneou, implorou e ameaçou acionar cortes jurídicas internacionais para salvar a vida de um traficante de drogas com execução iminente de pena de morte, que toda pessoa que viaja para aquele país é informada de que se aplica ao tipo criminal. Afrontou abertamente a lei e as autoridades eleitas democraticamente de um importante parceiro comercial brasileiro, que já havia adquirido 16 aviões Embraer Super Tucano e acenava com a possibilidade de adquirir os novos aviões-cargueiros KC-390 e diversos outros materiais militares.

No Brasil as autoridades fingem preocupar-se com direitos humanos. O próprio governo Dilma Roussef diminuiu os recursos do fundo penitenciário, o que não atrai apenas para si a responsabilidade que é de todos os governos que a antecederam e sucederam, ou ainda dos governos estaduais, porque a grande verdade é que, neste país, o sistema penitenciário é apenas mais uma estrutura pública ineficiente e abandonada, só lembrada quando acontecem rebeliões e mortes que atraem os olhares da imprensa.

Na hora de salvar um traficante brasileiro da pena justamente aplicada por violar as leis de um país independente o governo brasileiro "falou grosso", ameaçou e, claro, gastou por conta, se oferecendo até a mandar avião próprio para resgatar o cidadão nacional com data e hora marcada para morrer. Mas para cuidar dos presídios daqui, não, daí a fala é "mansa", a desculpa clássica do "não há dinheiro" e as "soluções" que nossas autoridades sugerem são as mesmas, sempre aplicadas quando um caso grave de violência ganha as manchetes - aumentar impostos, a criação de um ministério e a proposição de uma lei poética, idealizada, cheia de normas de interpretação ampla e objetivos ideais - um "estatuto", que no fim das contas, será apenas mais uma lei não cumprida, seja por exigir efetivos de recursos e pessoal que o país não tem ou não quer gastar, seja pela interpretação que será dada pelo mesmo Judiciário que mantém 40% do sistema prisional com indivíduos retidos temporária ou provisoriamente sem julgamento final, porque este demora uma infinidade de tempo, tamanha a leniência de nosso poder julgador com recursos protelatórios e repetidos sobre fatos já tratados.

Afora a incompetência. O governo brasileiro de modo geral não tem a capacidade de resolver o problema clássico das delegacias que deixam de investigar porque viraram mini-presídios, ou ainda, de instalar e fazer funcionar bloqueadores de celular nas prisões pátrias. Quando instala, acaba desligando porque em volta dos presídios, invasões de imóveis que não foram combatidas a tempo criaram "comunidades" que não aceitam ficar sem o precioso cânone da vida moderna, onipresente nas mãos de todos. 

Mas vai mais longe: descobriu-se que governos e Judiciário não conseguem sequer controlar o tempo de apenamento dos detentos, que não podem ser soltos na data que uma ficha indica ser seu último dia de cárcere, porque é necessário um alvará assinado pelo juiz, que muitas vezes nem sequer dá expediente na Vara de Execuções Penais. E ainda se constatou que nem mesmo dentro dos presídios se sabe em que pavilhão está cada preso, não se sabe ao certo quem de lá dentro trabalha e quem não, não se consegue distinguir preso de alta do de baixa periculosidade.

É um caos completo causado por incompetência visceral, leis mal redigidas, agentes públicos preguiçosos e, óbvio, péssima aplicação dos recursos disponíveis na medida em que já se disse que são necessários 10 bilhões de reais para adequar o sistema, uma mixaria perto do que já se sabe que se roubou da Petrobras, ou ante mesmo o déficit público estimado para 2017 ou efetivo em 2016, de mais de 100 bi em um orçamento de quase 3 trilhões de reais.  Usa-se o número de 10 bi, mas se esquece de informar que ele representa 0,3% do orçamento da União, que desconsidera os orçamentos estaduais, o que tornaria esse percentual já ínfimo muito menor.

O problema do sistema penitenciário não está apenas no preso, nem no excesso de lotação, muito menos no dinheiro que recebe e aplica mal, trata-se de uma questão de inexistência generalizada de ética: uma sociedade que não se importa com preso, uma classe política alienada que pensa que redações legais poéticas  resolvem problemas materiais, um poder Judiciário descompromissado que adotou como regra de interpretação  a aceitação de todo tipo de recurso, mesmo protelatório, em favor de réus, impondo como se noticiou hoje, um mutirão de defensores públicos para aliviar a lotação de prisões pelo país afora, quando isso deveria ser obrigação diária deles, no sentido de não deixar alguém preso sequer um dia além da data final do apenamento.

Direitos humanos não representam apenas ter compaixão por vidas humanas. Exigem competência, trabalho sério, aplicação correta de regras, responsabilidade com recursos públicos e observância estrita das leis. A única coisa que direitos humanos não comportam é a que sobra no Brasil, a hipocrisia de sensibilizar-se em atrasado, de algo grave que já se sabe que está acontecendo há muito tempo, mas que ninguém efetivamente se preocupa em solucionar.




CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...