O terremoto que devastou Porto Príncipe é apenas mais uma tragédia dentro da tragédia maior que é a história deste pequeno e paupérrimo país do Caribe.
Tornado independente em 1804 pelo líder escravo Jacques Dessaline, que logo se autonomeou imperador e com plenos poderes, o país passou ao longo de sua história por nada menos que 24 golpes de Estado. Entre 1964 e 1986, foi governado por um regime brutal, alucinado e policialesco comandado pelo médico François Duvalier, apelidado "papa doc" e depois pelo seu filho ainda mais violento (além de paranóico e exibicionista), apelidado "baby doc".
Nesse período, florestas inteiras, única riqueza efetiva da nação, foram arrancadas e vendidas com os recursos acumulados em contas da familia "doc" no exterior. Nenhum centavo advindo da devastação teve uso público. E mais que isso, a fauna local praticamente desapareceu, os rios assorearam e as cidades viraram favelas gigantescas, abrigando gente sem nenhuma oportunidade de vida. No último episódio de ruptura institucional, uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo descrevia um "biscoito" feito de terra aquecida, único "alimento" de uma parcela considerável da população local.
No Haiti jamais houve democracia, nem imprensa livre, nem eleições livres e ao mesmo tempo, jamais se constituiu um Estado, considerando-o como um conjunto de órgãos de instituições com finalidade de disseminar bem estar à população.
A ONU encontra-se no país desde a deposição de Jean-Bertrand Aristide, cujas intenções também não eram democráticas, apesar de deposto. O objetivo das forças de paz (inclusive do Brasil) é dotar o país de mínima organização governamental, fomentar o nascimento de instituições (como uma polícia ostensiva, exército, sistema tributário e educacional) na tentativa de reorganizá-lo em bases sólidas, vez que hoje o seu poder é disputado por milícias que ao contrário das de qualquer outro lugar em conflito no mundo, não são formadas nem por ideologia nem por laços raciais. São simplesmente grupos de pessoas que querem o poder pelo poder.
O problema é que antes que tais instituições se firmem, o país precisa encontrar alguma potencialidade econômica, fala-se em plantio de cana-de-açúcar.
De qualquer modo, trata-se de um país que é exemplo do que a falta absoluta de democracia, de Estado e de organização social pode causar.