A tragédia de Mariana é humana, de dimensões tão grandes que matou até quem sobreviveu, porque lhe roubou tudo, desde objetos pessoais até lembranças de infância nas ruazinhas de Bento Rodrigues, que desapareceu do mapa. Também é uma tragédia ambiental. O Rio Doce morreu de vez, a lama tóxica desceu o leito matando toda a vida aquática e às margens, e, ao chegar ao oceano, aquela vermelhidão pavorosa vai destruir biomas importantes, prejudicando sua recuperação por décadas, talvez séculos, porque o os dejetos acumulados sobre a cidade vão escorrer lentamente a cada chuva, renovando periodicamente um ciclo de morte, distribuindo produtos tóxicos no curso do rio. E é uma tragédia econômica e social, na medida em que prejudica a geração de energia em usinas elétricas e o abastecimento de água de várias cidades, isso sem contar, ainda, o que será necessário para adequar estações de tratamento de água ao lixo tóxico que terão que tirar dela.
Com todo esse quadro trágico, é preciso perguntar quem são os responsáveis por tudo isso.
A Samarco é uma joint venture entre a Vale e a BHP, que é a maior empresa mineradora do mundo. A Vale é controlada pela PREVI - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, influenciada politicamente pelo governo federal, que por sua vez elege a diretoria. Logo, se há responsabilidade por ato de gestão, então essa turma toda está envolvida em maior ou menor grau, há uma verdadeira cadeia de responsáveis, por mais que se diga que a responsabilidade é mesmo de quem privatizou a companhia, como se a Petrobrás não estivesse aí para demonstrar que empresa estatal é terreno fértil para todo tipo de irresponsabilidade, para não dizer outras coisas.
Também não se excluam de culpa os órgãos ambientais e de controle da atividade, como o DNPM - Departamento Nacional da Produção Mineral, o IBAMA, o órgão ambiental de Minas Gerais e a prefeitura municipal do lugar, pois todos eles negligenciaram a fiscalização e o controle sobre as barragens. Fico aqui imaginando, dentro do meu pouco conhecimento sobre o assunto, porque será que nunca ninguém sequer pensou em um plano de manejo da água acumulada com aqueles resíduos, para que sofresse tratamento e fosse devolvida ao rio, ao mesmo tempo em que diminuiria a pressão sobre a barragem. Simplesmente deixaram os detritos acumulados lá, sem exigência de grandes compensações ambientais, como manda a lei.
A culpa também está nas leis ambientais absurdamente rígidas e burocráticas, como eu já escrevi aqui no blog. Há leis demais, regras demais, obrigações demais, regulamentações demais, que tornam um processo de licenciamento ambiental uma verdadeira epopéia que demora anos e por assim ser, não deixa nem tempo, nem pessoal livre para fiscalizar de modo correto e periódico as construções que por definição geram enormes riscos para a sociedade. Além de complexas, as leis ambientais são interpretadas livremente por qualquer agente público que funcione no processo, ou seja, dá-se tanta discricionariedade que os processos não andam e inclusive, dá-se discricionariedade para o agente fiscalizador concluir por seus próprios meios, que não há problema mesmo havendo problema. É um aparato legal que impõe dificuldades, mas também ajuda a vender facilidades, e as tragédias vão se repetindo em maior ou menor grau, e o meio-ambiente vai sendo destruído com efeito único: piora das condições de vida de cidadãos comuns. Já disse e repito: leis mais objetivas mas bem fiscalizadas são muito melhores que aparatos poéticos de proteção idealizada, que na prática não se efetivam por falta de fiscais ou de ações fiscalizatórias.
A tragédia de Mariana é responsabilidade não apenas de pessoas, ela encerra um problema sistêmico do direito e da administração pública do país. Simplesmente dizer que vão se indenizar pessoas, dando-lhes casas novas e renda temporária não extingue a responsabilidade pelo que aconteceu ao meio-ambiente, porque o fato é que ninguém sabe o que o futuro reserva com tanta extração de minério vendido a preço competitivo para a China, deixando outras centenas de barragens como as que romperam, sabe Deus em que condições de segurança, já que a fiscalização é precária e a lei, rígida para emitir documentos, mas frouxa para exigir providências.
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