20 de ago. de 2007

NÃO CHEGOU, NEM VAI CHEGAR ATÉ PORQUE NUNCA FOI EMBORA...

Me perguntam sobre essa crise nas bolsas internacionais. Na verdade, não entendo quase nada de economia mas, me desculpem os especialistas, sou da opinião que essa crise não chega à economia real do Brasil, como, aliás, as crises externas anteriores tiveram pouco efeito prático também.

Explico. Quando ocorreu aquele estouro de bolha das pontocom (ou foi a da Rússia?), o governo FHC estava em campanha pela reeleição e a crise da dívida só aconteceu porque se manteve a paridade real-dólar de modo artificial e isso torrou as reservas financeiras do país, que foi alvo do maior ataque especulativo da história com o aval do Banco Central da época. O fato é que FHC não queria se arriscar a perder eleitores descontentes em não poder comprar bugigangas chinesas nas lojas de 1,99 e ver um índice de inflação alto entre julho e novembro daquele ano. Daí,torrou as reservas para garantir sua estadia no Planalto e depois foi de pires na mão pedir "peloamordeDeus" pro FMI.

Se o governo da época fosse responsável e tivesse liberado o câmbio, o Brasil teria passado por uma crise inflacionária temporária e limitada e as coisas se ajeitariam, como se ajeitaram logo depois, quando, reeleito, o governo fez o que tinha que fazer. Em 2002 houve um repique da crise e o dólar chegou a R$ 4 porque os investidores não queriam Lula, mas tão logo este assumiu, a situação voltou a ser exatamente a que existia antes, porque o país tem honrado seus compromissos e acumulado reservas desde o início da década de 90. Em outras palavras, a aventura reeleitoral custou ao país uns dois anos de normalidade.

Fora isso, noto que o mercado creditício no Brasil está aquecido por conta da venda de carros e eletrodomésticos. O crédito imobiliário brasileiro é uma verdadeira piada que sujeita suas vítimas a taxas de correção superiores à inflação, tabelas price e o diabo a quatro. Por isso, quem tem dinheiro para comprar imóvel, geralmente o faz a vista e, quem não tem, assume o ônus da precariedade documental e de construir aos pouquinhos (o leitor vá a qualquer bairro pobre de qualquer cidade e conte a quantidade de lojas de materiais de construção, para constatar isso).

O problema americano está no mercado de hipotecas, coisa que não existe aqui. E mais que isso, crédito de automóvel e eletrodomésticos é altamente seguro, porque o carro garante a conta e porque eletrodoméstico se paga em prazo curto, mesmo com inadimplência, sem contar que, neste caso, os valores não são altos. Portanto, pelo menos eu penso assim, o risco para o mercado de crédito no Brasil é baixíssimo, até porque os bancos daqui são altamente lucrativos mesmo praticando as taxas de juros mais altas do planeta. Por outro lado, dizer que a crise externa ameaça as exportações é bobagem, porque elas representam pouquíssimo da economia do país, como aliás, pouquíssimo representam as bolsas de valores num país acostumado a não poupar absolutamente nada e onde a maioria das empresas com ações valorizadas é do governo ou trabalham para ele. Se afetar em algo, o efeito não será assim tão desastroso.

Agora, crise o Brasil vive uma só desde que me conheço por gente. Se assim não fosse, o orçamento da União não estaria eternamente contingenciado para fazer superávit primário de 4,75% do PIB. Se assim não fosse, o índice de desemprego teria caído drasticamente nos últimos anos de "bonança", mas isso não aconteceu, ele se manteve nos mesmos patamares, com pouquíssima variação para baixo. Se assim não fosse, o governo não moveria céus e terras para aprovar a renovação da CPMF e aumentar impostos por meio do Super Simples e outras medidas. Se assim não fosse, o índice de crescimento do PIB estaria nos patamares dos demais países emergentes e, óbvio, não está.

Pode haver muita safadeza política no Brasil, mas tem coisas que só acontecem porque a crise econômica aqui é perene, por mais que governos afirmem estar tudo 100%. O Brasil está sempre em crise porque sua classe política não reforma o Estado que é gigantesco e ineficiente. Se acontecer um cataclisma externo, o máximo que aconteceria ao Brasil é voltar ao crescimento econômico de 3% do PIB, ou seja, exatamente a média dos últimos 40 anos. Isso, pelo menos para mim, não seria crise, mas a normalidade que FHC nos roubou em 1998 e que o excepcional cenário externo tratou de atenuar desde 2003.

Daí, acho que esta crise que tanto se comenta não chegou, nem chegará... porque a verdadeira crise nunca foi embora.

20 comentários:

  1. Como alguém já disse, a verdadeira crise do Brasil é de caráter!!!!
    E eu acho que não é só no âmbito público não...infelizmente a falta de caráter está se generalizando.

    bjo e ótima semana!

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  2. Fábio, o pior é assistir ao desgoverno se utilizar da "bolha" para perpetuar a CPMF como forma de dar continuidade à orgia que promove às nossas custas, nós, a "zelite" decente!

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  3. Fábio:
    Estas crises são fruto da especulação. Então, deixemos que os especuladores perdam com elas.

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  4. Viva Fábio:

    Vais ter que me explicar isso melhor mas... mesmo 3% do PIB não é um crescimento interessante?
    É que por cá é.

    Desejos de uma boa semna.
    Um abraço,

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  5. Ô caboclo... E tu não entende de economia? Se entendesse então...

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  6. Mostardinha,

    3% do PIB é um número interessante em Portugal e na Europa, de modo geral, porque aí, o crescimento demográfico gira abaixo do 1,5%.

    Aqui no Brasil o crescimento demográfico é de 2,5% em média, sem contar que, na década de 80, o país cresceu bem abaixo da média de 3% citada, visto que na década de 70, o Brasil chegou a crescer 8% em um ano, numa época de crescimento demográfico ainda maior.

    Ou seja, aqui, o crescimento precisa ser forte para compensar o atraso histórico.. Enquanto as economias emergentes crescem de 5 a 7% a do Brasil de vez em quando bate 4,5... por isso que digo que a crise é perene.

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  7. olá...gostei muito desse post, principalmente o título! coloquei uma versão do texto do racismo (menos acadêmico) lá no mue blog
    bjos e boa semana

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  8. Bela análise, Fábio! quanta modéstia, caboclo ("Não entendo de economia").

    Por isso que eu sempre digo que o otimismo com o mercado acionário brasileiro, que "fisga" a pessoa física que acha que vai se dar bem com retorno financeiro astronômico é, no mínimo, artificial.

    Concordo com você, o país nunca saiu da crise. Este é o nosso ambiente normal. Nunca vivemos um ciclo de prosperidade de fato (não a prosperidade estatística, que o "governo" adora...). Nunca desoneramos o setor produtivo e as classes consumidoras. O crédito imobiliário brasileiro é ridículo.

    Nosso PIB é equivalente ao do estado de New York... muito menor que o da Califórnia... Então, onde estão as locomotivas da nossa economia (nossos equivalentes da IBM, Microsoft, GM, GE, WalMart...)? As "grandes" são estatais! Ou pelo menos, altamente vinculadas ao Estado! Afff! Que pesadelo de mercado de capitais!

    Abraço

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  9. Fabio, se me permite um aparte: a crise aqui nos EUA esta concentrada nos subprime mortgage. A garantia por tras de qualquer mortgage eh uma garantia real: nesse caso, sao casas e imoveis. Como garantia, valem mais que as garantias em emprestimos de automoveis ou eletrodomesticos como voce citou.

    O problema todo nao esse, logico. Os creditos foram feitos a pessoas de historico duvidoso, sem capacidade de pagamento. E agora que o preco dos imoveis esta decaindo, uma vez que a bolha de real estate esta acabando, essas pessoas, que nao conseguem mais pagar os emprestimos, estao devolvendo seus imoveis aos bancos. Bom, acontece que para um emprestimo digamos de 100 mil dolares, a casa (garantia) agora vale 60, 70 mil, e nao mais 100 mil como na epoca em que o emprestimo foi feito.

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  10. Continuando, Wall Street esta berrando, mas a tal da economia "real" aqui nos EUA tambem nao esta sendo afetada. Vale lembrar que a bolsa de valores eh um mercado secundario, nao primario. Claro que afeta a capacidade das empresas lancarem novos lotes de acoes (primarias) e contrairem debitos, mas isso a gente vai ver mais a longo prazo, nao agora.

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  11. Continue Patrícia... comentários de uma especialista me deixam honrado!

    Depois eu recomento...

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  12. Patricia,

    Sua explicação é ótima. Eu posso ter me expressado mal, até porque, repito, não sou do ramo. Mas me parece que o problema nos EUA está no mercado imobiliário que, repito, aqui praticamente inexiste. Nossa construção civil não tem a mesma importância que a dos EUA e basta dizer que a nossa se concentra em imóveis de altíssimo padrão, não se constrói para pobre e remediado por aqui, até porque, inexiste financiamento para tanto.

    É claro que uma crise nos EUA afeta o mundo todo mas o que eu quis dizer é que o Brasil nem tanto, porque esse espasmo de crescimento que vivemos é derivado do microcrédito em maior escala, e em bem menos escala, das exportações. Mesmo que estas caiam, elas representam 13% do PIB se muito.

    Repito, acho que o Brasil, em verdade, vive uma mesma crise há bastante tempo e esses problemas internacionais, no máximo servirão para que nossa taxa de juros dispare de novo. Mas grandes efeitos reais não vão gerar, porque para o Brasil recuperar o atraso de décadas de crescimento pífio, precisa crescer 8 ou 9% ao ano por uns 10 anos e a taxa de desemprego, se subir, volta aos patamares de 2003, pouco acima da que existe hoje.

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  13. Não, não entendo nada de economia. Mas qualquer pessoa moderadamente informada fica pasma com a fragilidade da economia brasileira. E com a maquiagem que a acompanha...

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  14. Muito interessante esse bate-bola Fábio e Patrícia (que está lá nos USA e trabalha no mercado financeiro).
    E lembro, meu caro Fábio, que aqui no Brasil ainda temos uma coisa chamada "empréstimo consignado", que vai para funcionários públicos e aposentados e o desconto é feito em folha. Ou seja, a financeira não precisa sequer pesquisar a ficha do sujeito...
    Quando eu crescer quero ser banqueiro!!!
    (Aliás, quem disse que você não entende de economia ???)

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  15. Você fez ótima análise, não sou da área, mas sinto o país estagnado, o governo com sua política medíocre só tem anunciado planos medíocres, não se vê um plano de desenvolvimento sendo feito. Essa política só beneficiou investidores estrangeiros e maquiou o endividamento interno com o alto custo da máquina.

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  16. Fabio, eu concordo com sua analise, so estava jogando mais alguns dados na mesa. Essa expansao via micro-credito eh um sonho furado do governo petralha. Esta totalmente baseado em CONSUMO, nao em INVESTIMENTO. Ou seja, a pobreza se endivida para comprar celular e geladeira, mas investir em atividade produtiva para garantir um futuro, nem pensar.

    CeJunior, realmente, ser banqueiro eh uma das melhores atividades do planeta. Mas lembre-se, high risk, high returns. There's no free lunch, como o mercado americano esta provando no momento em relacao aos subprimes.

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  17. Patrícia,

    É isso mesmo, consumo, não investimento.

    O que eu acho que o Cejunior quis dizer é que bom é ser banqueiro no Brasil, onde essa regra de risco não existe exatamente como a que existe aí... Aqui, sempre tem a viúva, digo, o Estado para amainar qualquer crise e, se necessário for, dar uma potencializada nos juros!

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  18. Fabiao, se a viuva banca a conta, hahahahahaha, dai realmente eh uma atividade e tanto!!!!!!

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  19. cara foi perfeito, estamos mesmo em permanente crise.

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  20. Muito bom post, gostei do raciocínio... para a crise chegar primeiro ela tem que ir embora!!! Corretíssimo.

    Adolfo Sachsida
    www.bdadolfo.blogspot.com

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