Me perguntam sobre essa crise nas bolsas internacionais. Na verdade, não entendo quase nada de economia mas, me desculpem os especialistas, sou da opinião que essa crise não chega à economia real do Brasil, como, aliás, as crises externas anteriores tiveram pouco efeito prático também.
Explico. Quando ocorreu aquele estouro de bolha das pontocom (ou foi a da Rússia?), o governo FHC estava em campanha pela reeleição e a crise da dívida só aconteceu porque se manteve a paridade real-dólar de modo artificial e isso torrou as reservas financeiras do país, que foi alvo do maior ataque especulativo da história com o aval do Banco Central da época. O fato é que FHC não queria se arriscar a perder eleitores descontentes em não poder comprar bugigangas chinesas nas lojas de 1,99 e ver um índice de inflação alto entre julho e novembro daquele ano. Daí,torrou as reservas para garantir sua estadia no Planalto e depois foi de pires na mão pedir "peloamordeDeus" pro FMI.
Se o governo da época fosse responsável e tivesse liberado o câmbio, o Brasil teria passado por uma crise inflacionária temporária e limitada e as coisas se ajeitariam, como se ajeitaram logo depois, quando, reeleito, o governo fez o que tinha que fazer. Em 2002 houve um repique da crise e o dólar chegou a R$ 4 porque os investidores não queriam Lula, mas tão logo este assumiu, a situação voltou a ser exatamente a que existia antes, porque o país tem honrado seus compromissos e acumulado reservas desde o início da década de 90. Em outras palavras, a aventura reeleitoral custou ao país uns dois anos de normalidade.
Fora isso, noto que o mercado creditício no Brasil está aquecido por conta da venda de carros e eletrodomésticos. O crédito imobiliário brasileiro é uma verdadeira piada que sujeita suas vítimas a taxas de correção superiores à inflação, tabelas price e o diabo a quatro. Por isso, quem tem dinheiro para comprar imóvel, geralmente o faz a vista e, quem não tem, assume o ônus da precariedade documental e de construir aos pouquinhos (o leitor vá a qualquer bairro pobre de qualquer cidade e conte a quantidade de lojas de materiais de construção, para constatar isso).
O problema americano está no mercado de hipotecas, coisa que não existe aqui. E mais que isso, crédito de automóvel e eletrodomésticos é altamente seguro, porque o carro garante a conta e porque eletrodoméstico se paga em prazo curto, mesmo com inadimplência, sem contar que, neste caso, os valores não são altos. Portanto, pelo menos eu penso assim, o risco para o mercado de crédito no Brasil é baixíssimo, até porque os bancos daqui são altamente lucrativos mesmo praticando as taxas de juros mais altas do planeta. Por outro lado, dizer que a crise externa ameaça as exportações é bobagem, porque elas representam pouquíssimo da economia do país, como aliás, pouquíssimo representam as bolsas de valores num país acostumado a não poupar absolutamente nada e onde a maioria das empresas com ações valorizadas é do governo ou trabalham para ele. Se afetar em algo, o efeito não será assim tão desastroso.
Agora, crise o Brasil vive uma só desde que me conheço por gente. Se assim não fosse, o orçamento da União não estaria eternamente contingenciado para fazer superávit primário de 4,75% do PIB. Se assim não fosse, o índice de desemprego teria caído drasticamente nos últimos anos de "bonança", mas isso não aconteceu, ele se manteve nos mesmos patamares, com pouquíssima variação para baixo. Se assim não fosse, o governo não moveria céus e terras para aprovar a renovação da CPMF e aumentar impostos por meio do Super Simples e outras medidas. Se assim não fosse, o índice de crescimento do PIB estaria nos patamares dos demais países emergentes e, óbvio, não está.
Pode haver muita safadeza política no Brasil, mas tem coisas que só acontecem porque a crise econômica aqui é perene, por mais que governos afirmem estar tudo 100%. O Brasil está sempre em crise porque sua classe política não reforma o Estado que é gigantesco e ineficiente. Se acontecer um cataclisma externo, o máximo que aconteceria ao Brasil é voltar ao crescimento econômico de 3% do PIB, ou seja, exatamente a média dos últimos 40 anos. Isso, pelo menos para mim, não seria crise, mas a normalidade que FHC nos roubou em 1998 e que o excepcional cenário externo tratou de atenuar desde 2003.
Daí, acho que esta crise que tanto se comenta não chegou, nem chegará... porque a verdadeira crise nunca foi embora.
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