O debate político no Brasil é de regra ruim.
Fala-se asneira e há "achologismo" demais. Promovem-se ilações e logo depois busca-se dizer que não é bem assim e alteram-se interpretações de fatos apenas para uso no calor de um momento, o que transforma CPI(s) e comissões parlamentares em espaços onde se trocam perguntas imbecis por respostas idiotas repetidas à exaustão.
Eu chamaria de "tatibitati parlamentar".
Mas ontem, houve um episódio que ficará marcado como um dos mais estúpidos da tortuosa e ineficiente história dos debates parlamentares do país.
O senador Agripino Maia, que chegou a ser cogitado candidato oposicionista à presidência da casa, disse não fazer ilações, mas foi tão infeliz, que é difícil acreditar que não tivesse essa intenção ao perguntar à ministra sobre algum tipo de relação das mentiras que ela obviamente foi obrigada a contar sob tortura, quando encarcerada pelo regime militar por atos de guerrilha, com o imbroglio do dossiê sobre os gastos da Presidência da República.
Não entro no mérito do por quê da prisão da então militante, o que ela fez ou deixou de fazer para ser presa. Também não há razão para duvidar que a hoje ministra na época mentiu, o que fez de modo corajoso para proteger companheiros de luta ideológica. O fato é que, se o fez, foi efetivamente por coragem, por mais que eu ou o leitor não concordemos com atos de guerrilha e com a ideologia da ministra.
Mas apenas o fato de levantar aquelas mentiras, para comparar sobre supostas mentiras de hoje, como fez o senador, é deplorável.
O povão diz que "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", no sentido de separar bem os momentos em que atos parecidos foram cometidos. Os atos podem ser parecidos, ou idênticos, mas as motivações diferentes, e o senador, que só percebeu isso depois que falou a asneira, tentou consertar, mas o estrago já estava feito e irreversível.
A ministra pode não ser um ícone de palanque, mas é política e identificou a deixa.
A partir disso, acabou com qualquer tentativa da oposição em julgá-la antecipadamente pelo caso do dossiê, porque virou vítima. Uma pessoa perseguida hoje, pelos atos que foi obrigada a praticar na juventude, quando lutava por uma causa, ao contrário de muitas pessoas que se calavam ou não assumiam o encargo de tanto, qualquer que fosse o lado.
E isso abriu espaço para ela falar do PAC, porque o ato pouco inteligente do senador Maia obrigou a oposição a se calar, sob pena de ser acusada de julgar uma pessoa por atos passados e mesmo de aceitar a tortura como meio de testemunho.
Ela deitou e rolou e, quando alguém pensava em apertá-la sobre o dossiê, ficava a dúvida se ela não apelaria para o discurso emocional de um dia ter mentido para proteger colegas de causa.
A oposição se calou. O senador Maia a amordaçou e isso praticamente enterrou o caso do dossiê.
Com a qualidade dessa oposição, muito me admira que o governo não imponha o que bem entende. O fato é que ficou patente é que falta cultura, discernimento, democracia e capacidade para a imensa maioria dos parlamentares brasileiros, o que leva o debate político a rastejar em troca de favores, cargos, boquinhas e apoios fisiológicos.
Vindo este erro de um parlamentar tido como competente, a impressão que fica é de algo muito grave, um Congresso omisso em relação ao país, mas presente apenas por razões pessoais, o que explica as dificuldades que o governo tem em arregimentar membros de sua "base aliada", mesmo tendo em tese, um rolo compressor parlamentar.
Pior que isso, um Congresso que, quando tem oportunidade de esclarecer à população sobre casos nebulosos de administração pública, prefere a bravata eleitoreira à investigação séria.
Enfim, "tatibitati". Ninguém sabe como funciona, não há regras, não há limites, há apenas palavras jogadas ao vento.
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