No exercício do cargo, um presidente dos EUA tem menos poderes que muitos primeiros-ministros europeus e inclusive, que o presidente da república no Brasil.
Um presidente dos EUA não pode emitir medida provisória nem decreto-lei. A imensa maioria de suas nomeações mais importantes (inclusive ministeriais) tem necessariamente que obter aprovação do Congresso Nacional após sabatina. Ele não implanta um único programa econômico sem negociação com os parlamentares e não pode nomear um juiz da Suprema Corte sem que a sabatina do Senado não só seja rígida, como efetivamente pronta para recusar nomes até que um deles obtenha maioria da casa. Para declarar guerra, um presidente dos EUA precisa de autorização, para movimentar tropas sem que haja interesse ou risco para cidadãos dos EUA, idem.
O Congresso dos EUA muda de composição conforme as leis estaduais, ou seja, em dois anos após a posse, o partido do presidente pode perder a maioria, o que o força a negociar com a oposição as coisas mais comezinhas, como, por exemplo, o orçamento, que nos EUA é impositivo, não há como gastar sem autorização prévia, com raras exceções legais. Um presidente dos EUA com minoria no Congresso se obriga a negociar com uma oposição ferrenha, porque apesar do sistema ser multipartidário, é dominado há décadas apenas por republicanos e democratas que se alternam tanto no poder federal quanto nos estaduais. Ou seja, não tem como oferecer ministério para aliciar partido de aluguel, a única saída é ceder, tratar com parlamentares olho no olho, mudar os termos da negociação, adequar o projeto àquilo que a maioria no Congresso tende a aceitar.
Um presidente dos EUA não tem o poder que o do Brasil tem sobre estados e municípios. Cada estado arrecada seus próprios impostos, tem suas próprias leis (inclusive criminais) e seu próprio Legislativo, apenas as questões federais, a defesa e a representação internacional do país são de competência da União, ou seja, ela não impõe regras, não distribui nem contingencia verbas para ajudar ou atrapalhar um governador simpático ou de oposição.
Em resumo, um presidente dos EUA não governa sem as instituições. Ele pode ter idéias fantásticas, boas e más intenções, ideais, interesses pessoais e objetivos sociais ou corporativos, mas daí a colocar tudo isso em prática é outro assunto que não depende apenas de sua vontade, mas da mobilização do partido que o elegeu, da negociação com o Congresso Nacional e da estrita legalidade do que propor, que será posta à prova nas votações da Câmara dos Deputados e do Senado.
Ninguém nega que Obama foi um presidente carismático e que mal ou bem tirou o país da crise econômica de 2008, nem seus esforços pacifistas e sua preocupação com programas sociais como o "Obamacare". Mas nós, brasileiros, as vezes esquecemos que o discurso de Trump agradou o americano médio, aquele que não está contente com o fim do emprego na indústria, substituído pelo do setor de serviços que emprega imigrantes desqualificados e mais baratos, nem com a insegurança causada ao país pela retirada das tropas do Iraque, que foi um fator que fortaleceu o ISIS. Também não atinamos para o fato de que Hillary Clinton foi acusada de corrupção, o que já está provado que, para nós, não é tão preponderante numa campanha eleitoral quanto lá.
No Brasil, temos a mania de interpretar os fatos de outros países pela ótica dos nossos defeitos, de modo que tem sido comum nesses dias que antecedem a posse de Donald Trump ver a imprensa e as pessoas comentando sobre o demoníaco republicano que será cassado em pouco tempo porque é mau, machista e xenófobo, com pena de acabar o mandato do democrata bonzinho, paladino dos direitos civis, da paz e da concórdia.
Esquecemos das instituições que aqui são fracas ou inexistentes e lá são fortes e presentes. Imaginamos um Donald Trump enviando tropas para todos os lados para impor algum capricho seu como constatamos a perseguição a caminhoneiros feita a partir de medida provisória emitida por uma presidente depois cassada. Pensamos que Trump vai comprar o Congresso com ministérios e secretarias, quando lá, se o Congresso implica com um ministro ou secretário o mais fácil é ele renunciar e o presidente colocar o rabo entre as pernas.
O Trump presidente não será aquele dos discursos radicais de campanha, do mesmo modo que Obama não fez as boas coisas que fez sem o auxílio e autorização prévia do Congresso. Do mesmo modo que Obama não fez nada sozinho (e nem entremos na discussão sobre seu legado, que é bem controversa), Trump não transformará o país num enorme cassino e hotel extravagante e permissivo como a fama de seus negócios pode sugerir.
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