Todos sabem, em Brasília, que o orçamento da União é ficcional. Todos os anos há contingenciamento, corte de despesas, de investimentos e eventuais frustrações de receitas, geralmente patrimoniais como as de concessões de serviços públicos.
A única coisa que historicamente nunca falhou no orçamento da União foi o aumento das receitas tributárias. A carga tributária no Brasil cresce vegetativamente, porque o país experimenta inflação nunca inferior a 6% ao ano, sendo que em 2015, vai ultrapassar 10%. A inflação aumenta as receitas tributárias, porque a correção das tabelas do Imposto de Renda Pessoa Física e do Super Simples só pode ser feita por lei, e o governo impede e negocia para que isso não aconteça. E quando acontece, corrige por menos que a inflação acumulada e aumenta as alíquotas, o que é sistemático.
Fora isso, todos os anos, a folha de pagamento da União cresce acima da arrecadação e da inflação e não estou tratando da previdência, estou tratando de funcionários e agentes públicos da ativa, o que engloba o pessoal fixo e concursado, mas especialmente o pessoal contratado em confiança e sem concurso, este sim, verdadeira praga que corrói as contas públicas, embora não seja a única.
O orçamento de 2016 será um pouco menos fictício, porque nele já começará a viger a regra de imposição das emendas parlamentares. Com isso, o governo perdeu margem de manobra no Congresso, já que não tem mais em mãos a caneta com que liberava verbas para deputados "aliados" em troca de apoios pontuais.
Quando o governo Dilma enviou ao Congresso uma peça orçamentária com déficit, estava apenas avisando que, em 2016, pela primeira vez em uns 40 anos, haverá queda de receitas tributárias decorrentes da recessão brutal causada pela corrupção na Petrobrás, pelas pedaladas fiscais, pelo corte de investimentos que o governo se obrigou a fazer, porque havia gasto demais em 2014 por motivos que, sabemos, não muito republicanos.
Mais que isso, o que o orçamento deficitário enviado por Dilma representou, é um aviso, mesmo que informal, de que o Estado brasileiro não cabe em si mesmo e que o governo dela não tem nenhuma intenção de mudar esse quadro, o que depois comprovou, com as tímidas medidas de reforma administrativa e a negativa em extinguir de uma vez apenas 3000 cargos comissionados, dos mais de 100 mil que existem.
E tudo isso na certeza de que o orçamento é fictício, ou seja, uma vez que ele seja aprovado, o governo toca o barco com quaisquer que sejam suas contas, embora administrar o país seria muito mais fácil com a CPMF, já que ela representaria dinheiro novo.
Dou um exemplo: tive um cliente que prestava serviços para órgãos da administração pública federal. E era invariável, quando chegava outubro, eles arranjavam alguma desculpa, alguma suposta infração contratual para simplesmente não liberar as parcelas mensais, basicamente porque já não tinham mais disponibilidade orçamentária e tentavam empurrar o problema pro ano seguinte. Ou seja, o governo não se dá ao trabalho de controlar nem a execução do orçamento, o que mostra que ele é fictício.
A única questão é que o Congresso não pode deixar o país sem orçamento. Porque se o faz, o governo depende dele para tocar o barco, coisa cada vez mais difícil num contexto de base aliada não mais dócil e prestativa como era entre 2003 e 2014.