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20 de jun. de 2007
O RACISMO NO IDIOMA
Caro leitor,
É política permanente deste blogueiro lutar pelo fim da discriminação racial.
Como nos próximos dias estarei distante do meu computador, deixarei de hoje até domingo este ótimo texto da minha amiga Fábia Carla Rossoni, um alerta para que nos policiemos, pois as vezes o racismo encontra-se apenas em palavras, mas com perverso efeito social.
Segue em 3 partes.
O RACISMO NA CULTURA BRASILEIRA
O PRECONCEITO RACIAL ESCONDIDO NOS DITADOS POPULARES, MÚSICAS E POEMAS
Fábia Carla Rossoni
Nos séculos de exploração do trabalho escravo dos negros, o racismo era expresso de maneira aberta, pois eram considerados seres inferiores e dotados de baixo nível de inteligência. Na sociedade escravocrata, o preconceito e a cultura da época reduziram o negro à condição de “coisa”, privado de seus direitos civis e sujeito ao poder, ao domínio e à propriedade do branco. Em liberdade, esses fatores justificaram a exclusão do negro dos direitos concedidos aos brancos.
Segundo Sartre, “o racismo é um estado de espírito patológico, uma forma de irracionalidade, um tipo de epidemia.” Há quem diga que não existe preconceito racial contra o negro no Brasil. Para Gilberto Freyre “o Brasil resolveu a questão racial com a miscigenação”. Porém mesmo 119 anos após a libertação dos escravos, o racismo e a mentalidade colonial persistem. Em uma pesquisa feita por Lilia Schwartz, 98% das pessoas entrevistadas diziam que não eram preconceituosas, mas 99% dos entrevistados afirmavam conhecer alguém que era.
As manifestações do racismo não acontecem de forma tão evidente como costumavam ser, o racismo hoje é disfarçado, passando, às vezes, de maneira despercebida, escondido em letras de música, piadas, aforismos e ditados populares. Conhecidos como “sabedoria popular”, os ditos populares e expressões são ingenuamente difundidos e usados por todos, muitos deles têm sua origem ainda no Brasil colônia.
Frases inocentes, passadas através de gerações, usadas pela mídia, esses ditos populares possuem postura que incita o menosprezo às pessoas de cor. No Brasil, essas expressão são muito usadas, como uma espécie de “racismo velado”. Como na expressão “preto de alma branca”, que é usada como um “elogio”, mas na verdade é uma afirmação muito racistas, pois sugere que o negro pra ser aceito, pra ter qualidades deve portar-se como o branco. O negro “preto de alma branca” é tolerado, é uma exceção pois nega sua própria alma e aceita a superioridade do branco. Assim como o seu oposto “branco de alma negra” é usado para pessoas brancas que se portam mal, ou seja, se portam como “negros”, ditos inferiores e desonestos.
Uma característica comumente atribuída aos negros é a da incapacidade de realizar bem uma tarefa, a de fazer um bom trabalho de tal maneira que seja “digna de um branco”, ou seja, a de fazer um “serviço de preto” ou de sua variante: “só podia ser preto”. Esses ditados usados ,quando alguém faz um trabalho mal feito ,também têm sua origem na época da escravidão, quando os negros eram obrigados a realizar tarefas diversas debaixo da chibata. Como eram punidos sempre, eles se voltavam contra seus senhores e muitas vezes sabotavam a produtividade do branco. O “serviço de preto” era uma forma de resistência e protesto, uma forma de se opor ao poder senhorial, por isso os escravos não realizavam nada além do necessário, e ganharam a fama de serem “preguiçosos”, “incompetentes” e “incapazes”. Quando os escravos tinham a iniciativa de fazer algo além do que lhe fora pedido, era comum ouvirem a repreensão “quem mandou”, que podava o espírito empreendedor diante da primeira falha e que impedia a aprendizagem por tentativa e erro, provocando baixa estima, conformismo e submissão, o que fazia com que os escravos se restringissem apenas ao que lhes era pedido e assim não desenvolviam outras habilidades, ficando restritos sempre aos mesmos trabalhos e principalmente sob o poder do seu dono.
Quando um branco não faz um trabalho à altura das expectativas, além de fazer um “serviço de preto”, ele pode estar fazendo esse serviço “nas coxas”. De origem colonial esse dito popular é usado para designar um trabalho imperfeito ou sem cuidado. Imperfeitas como as telhas de formas arredondadas das casas do Brasil colonial que, para fabricá-las , os escravos tinham que modelá-las em suas coxas, para dar um formato de canal. Como ficavam irregulares e pouco uniformes, o telhado ficava torto e mal feito.
Outra expressão sobre a “incapacidade” do negro é: “preto quando não suja na entrada suja na saída”. Imaginava-se que o escravo acabaria fazendo algo errado, devido a sua “incompetência”, por ser “inferior” ou “preguiçoso”. E também por serem considerados sujos, até mesmo devido às condições em que viviam. Então o seu erro era esperado antes ou depois de terminar sua tarefa. Após conseguirem suas alforrias, os negros continuavam a trabalhar para os brancos, mas nem todos conseguiam trabalho e algumas vezes viam, nos pequenos furtos, uma maneira de sobrevivência. É dessa época o ditado “Um negro parado é suspeito, um negro correndo é ladrão”. Infelizmente essa expressão é ainda muito usada, tendo sido encontrada cem anos após a libertação dos escravos pintada nas paredes da Escola de Polícia de São Paulo, como registrou a revista Afinal , de abril de 1988.
Devido a esse preconceito de que os negros não fazem o trabalho direito e que precisam sempre de um branco para “mandar” neles é raro ver um negro ocupando altos cargos em empresas ou no governo. O Supremo Tribunal Federal só teve seu primeiro ministro negro, o mineiro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, em 2003. A maioria dos brancos estranha quando vê um negro freqüentando o mesmo shopping, a mesma escola particular dos filhos, o mesmo clube, e até mesmo que eles usem o elevador social. "Preto não pode entrar na gaiola!”, ou seja, para os brancos racistas, os negros não podem pertencer ao grupo seleto de brancos ricos, capazes e trabalhadores, pois são social e intelectualmente inferiores, incapazes. Por se sentirem à margem da sociedade, algumas vezes os negros se conformam com sua situação e deixam muitas questões de lado, afinal “eles que são brancos que se entendam”. A versão mais aceita do surgimento desse ditado é do século XVIII, quando um capitão de regimento, mulato, teve uma discussão com um de seus comandados, também mulato, e fez queixa a seu superior, um oficial português branco. O capitão reivindicava uma punição ao soldado que o desrespeitara. Seu superior português respondeu com a seguinte frase “vocês que são pardos que se entendam”. O oficial recorreu ao vice-rei do Brasil na época, dom Luís de Vasconcelos, que mandou prender o oficial português. Sendo essa uma das primeiras punições contra o racismo no Brasil. Ao longo do tempo a expressão se transformou no que é usada hoje “eles que são brancos que se entendam”, quando alguém não quer tomar partido em alguma situação.
PARTE II
O estigma da mulher negra na cultura brasileira
No período de escravidão, as mulheres negras possuíam uma posição inferior entre os inferiores. Valiam menos por serem menos produtivas e envelheciam mais depressa, a escrava com mais de 35 anos não possuía mais valor. As que trabalhavam na roça aproximavam-se da casa grande e quando engravidavam , muitas vezes, abandonavam seus filhos para amamentarem os filhos da senhora, numa época em que não era comum para as mulheres da elite amamentarem seus próprios filhos.
As escravas escolhidas para os serviços domésticos das casas ricas desfrutavam de melhores condições de moradia, alimentação, vestimentas, e aprendiam a ler e escrever (o que era proibido aos escravos). Porém eram as que mais sofriam violência sexual. Vistas como sensuais, essas mulheres viraram “objeto sexual”. Algumas ao virem no sexo uma forma de poder começaram a usá-lo como forma de rebeldia, assim como o aborto e o infanticídio. Para os pequenos proprietários, essa perda podia levá-los à ruína, pois eram escravos que seriam vendidos ou usados como moeda de troca.
Não raro, essas escravas eram prostituídas pelos seus donos, e por esses favores sexuais, muitas vezes, obtiam sua alforria. Em meados do século XIX , o número de mulheres alforriadas era superior ao dos homens, devido às suas habilidades como vendedoras que lhes rendiam dinheiro para comprar suas alforrias. As herdeiras dessa tradição ainda podem ser vistas no Bahia e no Rio de Janeiro como vendedoras de acarajé e cocadas.
Na literatura brasileira são várias as histórias de amor entre o homem branco e a mulher negra e, principalmente a mulata, considerada por muitos a companheira sexual ideal, pois tem a sensualidade negra e a aparência da branca. Esses personagens também aparecem nas modinhas populares, como essa de Lamartine Babo em O Teu Cabelo Não Nega:
“O teu cabelo não nega
Mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega
Mulata
Mulata quero o teu amor
Tens um sabor
Bem do Brasil
Tens a alma cor de anil
Mulata, mulatinha, meu amor
Fui nomeado teu tenente interventor”
Composta em 1931, essa famosa canção carnavalesca, insinua que a relação entre uma mulher negra e um homem branco é possível por que “a cor não pega”.
Por essa herança de trabalhos e serviços às senhoras das grandes fazendas, as mulheres negras também são vistas como serviçais. Muitas delas trabalham como empregadas domésticas, para patrões brancos, não convivendo socialmente com eles e são até impedidas de usar o elevador social. São versões modernas da escrava negra e da sinhá, que vivem hoje como viviam suas bisavós e tataravós escravas. Na televisão, são as preferidas para interpretarem o papel das domésticas, governantas e babás. Séculos depois a negra ainda é vista ou como objeto sexual ou serva do branco
No período de escravidão, as mulheres negras possuíam uma posição inferior entre os inferiores. Valiam menos por serem menos produtivas e envelheciam mais depressa, a escrava com mais de 35 anos não possuía mais valor. As que trabalhavam na roça aproximavam-se da casa grande e quando engravidavam , muitas vezes, abandonavam seus filhos para amamentarem os filhos da senhora, numa época em que não era comum para as mulheres da elite amamentarem seus próprios filhos.
As escravas escolhidas para os serviços domésticos das casas ricas desfrutavam de melhores condições de moradia, alimentação, vestimentas, e aprendiam a ler e escrever (o que era proibido aos escravos). Porém eram as que mais sofriam violência sexual. Vistas como sensuais, essas mulheres viraram “objeto sexual”. Algumas ao virem no sexo uma forma de poder começaram a usá-lo como forma de rebeldia, assim como o aborto e o infanticídio. Para os pequenos proprietários, essa perda podia levá-los à ruína, pois eram escravos que seriam vendidos ou usados como moeda de troca.
Não raro, essas escravas eram prostituídas pelos seus donos, e por esses favores sexuais, muitas vezes, obtiam sua alforria. Em meados do século XIX , o número de mulheres alforriadas era superior ao dos homens, devido às suas habilidades como vendedoras que lhes rendiam dinheiro para comprar suas alforrias. As herdeiras dessa tradição ainda podem ser vistas no Bahia e no Rio de Janeiro como vendedoras de acarajé e cocadas.
Na literatura brasileira são várias as histórias de amor entre o homem branco e a mulher negra e, principalmente a mulata, considerada por muitos a companheira sexual ideal, pois tem a sensualidade negra e a aparência da branca. Esses personagens também aparecem nas modinhas populares, como essa de Lamartine Babo em O Teu Cabelo Não Nega:
“O teu cabelo não nega
Mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega
Mulata
Mulata quero o teu amor
Tens um sabor
Bem do Brasil
Tens a alma cor de anil
Mulata, mulatinha, meu amor
Fui nomeado teu tenente interventor”
Composta em 1931, essa famosa canção carnavalesca, insinua que a relação entre uma mulher negra e um homem branco é possível por que “a cor não pega”.
Por essa herança de trabalhos e serviços às senhoras das grandes fazendas, as mulheres negras também são vistas como serviçais. Muitas delas trabalham como empregadas domésticas, para patrões brancos, não convivendo socialmente com eles e são até impedidas de usar o elevador social. São versões modernas da escrava negra e da sinhá, que vivem hoje como viviam suas bisavós e tataravós escravas. Na televisão, são as preferidas para interpretarem o papel das domésticas, governantas e babás. Séculos depois a negra ainda é vista ou como objeto sexual ou serva do branco
PARTE III - CONCLUSÃO
CONCLUSÃO
O contexto social gera condições de uso e interpretação dessas expressões, que não fariam sentido em uma sociedade totalmente livre do racismo.
Essas expressões penetram em nossa cultura e pensamentos, muitas vezes de forma inconsciente. A presença da figura do branco como opressor se faz forte na língua, e o negro não consegue escapar das armadilhas da linguagem.
Essas expressões provavelmente continuarão a serem usadas por um bom tempo , pois são fruto da tradição oral brasileira e herança de um passado colonialista que não pode ser mudado. Cabe às futuras gerações conscientizarem-se do racismo embutido nesses ditados e pararem de usá-los.
O negro está começando a rejeitar o conceito da “alma branca”, unindo-se contra as injustiças e reivindicando tratamento justo, que é seu de direito previsto na constituição. Estão ascendendo socialmente, na vida política e cultural brasileira, no papel de ministros, deputados, governadores e protagonistas de novelas, filmes e seriados.
Espera-se que no futuro os provérbios, e ditados populares enalteçam as qualidades e a importância na sociedade da cultura dos negros e o orgulho da raça, seguindo o exemplo dessa música de Gilberto Gil composta em 1984, “A mão da limpeza”.
“O branco inventou que o negro
Quando não suja na entrada
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Que mentira danada, ê
Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o negro penava, ê
Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza
Negra é a vida consumida ao pé do fogão
Negra é a mão
Nos preparando a mesa
Limpando as manchas do mundo com água e sabão
Negra é a mão
De imaculada nobreza”
O contexto social gera condições de uso e interpretação dessas expressões, que não fariam sentido em uma sociedade totalmente livre do racismo.
Essas expressões penetram em nossa cultura e pensamentos, muitas vezes de forma inconsciente. A presença da figura do branco como opressor se faz forte na língua, e o negro não consegue escapar das armadilhas da linguagem.
Essas expressões provavelmente continuarão a serem usadas por um bom tempo , pois são fruto da tradição oral brasileira e herança de um passado colonialista que não pode ser mudado. Cabe às futuras gerações conscientizarem-se do racismo embutido nesses ditados e pararem de usá-los.
O negro está começando a rejeitar o conceito da “alma branca”, unindo-se contra as injustiças e reivindicando tratamento justo, que é seu de direito previsto na constituição. Estão ascendendo socialmente, na vida política e cultural brasileira, no papel de ministros, deputados, governadores e protagonistas de novelas, filmes e seriados.
Espera-se que no futuro os provérbios, e ditados populares enalteçam as qualidades e a importância na sociedade da cultura dos negros e o orgulho da raça, seguindo o exemplo dessa música de Gilberto Gil composta em 1984, “A mão da limpeza”.
“O branco inventou que o negro
Quando não suja na entrada
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Que mentira danada, ê
Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o negro penava, ê
Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza
Negra é a vida consumida ao pé do fogão
Negra é a mão
Nos preparando a mesa
Limpando as manchas do mundo com água e sabão
Negra é a mão
De imaculada nobreza”
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