Caro leitor,
É política permanente deste blogueiro lutar pelo fim da discriminação racial.
Como nos próximos dias estarei distante do meu computador, deixarei de hoje até domingo este ótimo texto da minha amiga Fábia Carla Rossoni, um alerta para que nos policiemos, pois as vezes o racismo encontra-se apenas em palavras, mas com perverso efeito social.
Segue em 3 partes.
O RACISMO NA CULTURA BRASILEIRA
O PRECONCEITO RACIAL ESCONDIDO NOS DITADOS POPULARES, MÚSICAS E POEMASFábia Carla RossoniNos séculos de exploração do trabalho escravo dos negros, o racismo era expresso de maneira aberta, pois eram considerados seres inferiores e dotados de baixo nível de inteligência. Na sociedade escravocrata, o preconceito e a cultura da época reduziram o negro à condição de “coisa”, privado de seus direitos civis e sujeito ao poder, ao domínio e à propriedade do branco. Em liberdade, esses fatores justificaram a exclusão do negro dos direitos concedidos aos brancos.
Segundo Sartre, “o racismo é um estado de espírito patológico, uma forma de irracionalidade, um tipo de epidemia.” Há quem diga que não existe preconceito racial contra o negro no Brasil. Para Gilberto Freyre “o Brasil resolveu a questão racial com a miscigenação”. Porém mesmo 119 anos após a libertação dos escravos, o racismo e a mentalidade colonial persistem. Em uma pesquisa feita por Lilia Schwartz, 98% das pessoas entrevistadas diziam que não eram preconceituosas, mas 99% dos entrevistados afirmavam conhecer alguém que era.
As manifestações do racismo não acontecem de forma tão evidente como costumavam ser, o racismo hoje é disfarçado, passando, às vezes, de maneira despercebida, escondido em letras de música, piadas, aforismos e ditados populares. Conhecidos como “sabedoria popular”, os ditos populares e expressões são ingenuamente difundidos e usados por todos, muitos deles têm sua origem ainda no Brasil colônia.
Frases inocentes, passadas através de gerações, usadas pela mídia, esses ditos populares possuem postura que incita o menosprezo às pessoas de cor. No Brasil, essas expressão são muito usadas, como uma espécie de “racismo velado”. Como na expressão “preto de alma branca”, que é usada como um “elogio”, mas na verdade é uma afirmação muito racistas, pois sugere que o negro pra ser aceito, pra ter qualidades deve portar-se como o branco. O negro “preto de alma branca” é tolerado, é uma exceção pois nega sua própria alma e aceita a superioridade do branco. Assim como o seu oposto “branco de alma negra” é usado para pessoas brancas que se portam mal, ou seja, se portam como “negros”, ditos inferiores e desonestos.
Uma característica comumente atribuída aos negros é a da incapacidade de realizar bem uma tarefa, a de fazer um bom trabalho de tal maneira que seja “digna de um branco”, ou seja, a de fazer um “serviço de preto” ou de sua variante: “só podia ser preto”. Esses ditados usados ,quando alguém faz um trabalho mal feito ,também têm sua origem na época da escravidão, quando os negros eram obrigados a realizar tarefas diversas debaixo da chibata. Como eram punidos sempre, eles se voltavam contra seus senhores e muitas vezes sabotavam a produtividade do branco. O “serviço de preto” era uma forma de resistência e protesto, uma forma de se opor ao poder senhorial, por isso os escravos não realizavam nada além do necessário, e ganharam a fama de serem “preguiçosos”, “incompetentes” e “incapazes”. Quando os escravos tinham a iniciativa de fazer algo além do que lhe fora pedido, era comum ouvirem a repreensão “quem mandou”, que podava o espírito empreendedor diante da primeira falha e que impedia a aprendizagem por tentativa e erro, provocando baixa estima, conformismo e submissão, o que fazia com que os escravos se restringissem apenas ao que lhes era pedido e assim não desenvolviam outras habilidades, ficando restritos sempre aos mesmos trabalhos e principalmente sob o poder do seu dono.
Quando um branco não faz um trabalho à altura das expectativas, além de fazer um “serviço de preto”, ele pode estar fazendo esse serviço “nas coxas”. De origem colonial esse dito popular é usado para designar um trabalho imperfeito ou sem cuidado. Imperfeitas como as telhas de formas arredondadas das casas do Brasil colonial que, para fabricá-las , os escravos tinham que modelá-las em suas coxas, para dar um formato de canal. Como ficavam irregulares e pouco uniformes, o telhado ficava torto e mal feito.
Outra expressão sobre a “incapacidade” do negro é: “preto quando não suja na entrada suja na saída”. Imaginava-se que o escravo acabaria fazendo algo errado, devido a sua “incompetência”, por ser “inferior” ou “preguiçoso”. E também por serem considerados sujos, até mesmo devido às condições em que viviam. Então o seu erro era esperado antes ou depois de terminar sua tarefa. Após conseguirem suas alforrias, os negros continuavam a trabalhar para os brancos, mas nem todos conseguiam trabalho e algumas vezes viam, nos pequenos furtos, uma maneira de sobrevivência. É dessa época o ditado “Um negro parado é suspeito, um negro correndo é ladrão”. Infelizmente essa expressão é ainda muito usada, tendo sido encontrada cem anos após a libertação dos escravos pintada nas paredes da Escola de Polícia de São Paulo, como registrou a revista Afinal , de abril de 1988.
Devido a esse preconceito de que os negros não fazem o trabalho direito e que precisam sempre de um branco para “mandar” neles é raro ver um negro ocupando altos cargos em empresas ou no governo. O Supremo Tribunal Federal só teve seu primeiro ministro negro, o mineiro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, em 2003. A maioria dos brancos estranha quando vê um negro freqüentando o mesmo shopping, a mesma escola particular dos filhos, o mesmo clube, e até mesmo que eles usem o elevador social. "Preto não pode entrar na gaiola!”, ou seja, para os brancos racistas, os negros não podem pertencer ao grupo seleto de brancos ricos, capazes e trabalhadores, pois são social e intelectualmente inferiores, incapazes. Por se sentirem à margem da sociedade, algumas vezes os negros se conformam com sua situação e deixam muitas questões de lado, afinal “eles que são brancos que se entendam”. A versão mais aceita do surgimento desse ditado é do século XVIII, quando um capitão de regimento, mulato, teve uma discussão com um de seus comandados, também mulato, e fez queixa a seu superior, um oficial português branco. O capitão reivindicava uma punição ao soldado que o desrespeitara. Seu superior português respondeu com a seguinte frase “vocês que são pardos que se entendam”. O oficial recorreu ao vice-rei do Brasil na época, dom Luís de Vasconcelos, que mandou prender o oficial português. Sendo essa uma das primeiras punições contra o racismo no Brasil. Ao longo do tempo a expressão se transformou no que é usada hoje “eles que são brancos que se entendam”, quando alguém não quer tomar partido em alguma situação.