Acompanho olimpíadas desde 1980. Vi muita medalha perdida por despreparo emocional, gente chorando antes mesmo de começar a competir assustada com a cobrança incessante por medalhas praticada por certa rede de TV. Ouvi discursos chateados com o desempenho ruim, presenciei o conformismo por quartos, quintos e sextos lugares, quando o discurso era de pódio.
Posso dizer que alguma coisa mudou em 2016. O Thiago Braz botou pressão no favorito saltador francês porque queria o ouro. Vi o sangue frio da Rafaela Silva mesmo depois do racismo do qual foi vítima em, Londres, 2012. A fé das meninas da vela no seu conhecimento da baía de Guanabara, mudando o percurso para serem campeãs. O Robson Conceição e o Maicon Siqueira partirem para cima dos adversários. Desta vez eu vi sangue nos olhos, gente que não estava contente apenas por estar ali ou por frequentar a vila dos atletas, atletas com o objetivo definido de vencer.
É certo que olimpíada em casa melhora o rendimento do atleta. Mas o Brasil teve ótimos resultados em várias modalidades em que jamais sonhara pontuar até então. Inegável que evoluiu, apesar de ser óbvio que houve um investimento direto em atletas de alto desempenho, já com resultados que indicavam a capacidade de fazer boa campanha, coisa que todo o país que sedia olimpíada faz.
Também é certo que muitos atletas brasileiros tremeram nesta Rio 2016 tal qual aconteceu muitas vezes no passado. Muita gente boa e favorita não conseguiu vencer a pressão, o que não faz deles maus atletas, mas exige do país que os ajude a melhorar sua preparação e aprenda de uma vez por todas que derrota não é o fim, pode ser um recomeço como o de Diego Hypólito.
O medalhista de hoje é o cara que vai atrair gente para o esporte que ele pratica. O medalhista de hoje pode ser o técnico ou o dirigente do amanhã, ele pode ser o cara que vai mudar a face daquela modalidade para sempre.
Foi assim no vôlei. Carlos Arthur Nuzmann não foi medalhista, mas sabia a fórmula de criar ídolos para fomentar a modalidade. O vôlei passou a ter rostos e nomes, caras com quem se identificar como Bernard, Renan, Montanaro, William e Bernardinho. E nós então pudemos comentar o "Jornada nas Estrelas" e o "Viagem ao Fundo do Mar" e ver o Brasil vencer a URSS em pleno Maracanã lotado e abaixo de chuva. Aquela prata de 1984 valeu muito mais que ouro, ela transformou o vôlei em mania e o ouro em objetivo. Hoje nós temos jovens que querem praticar vôlei e fazer carreira nele, e aprendemos isso tão bem que ajudamos a criar outra modalidade de vôlei olímpico, a de praia. E na Rio 2016 o vôlei fez bonito, trouxe 3 medalhas, emocionou o país com o ouro da seleção de quadra e nos causou aquela tristeza enorme não pelo fracasso das bi-campeãs olímpicas, mas porque sabíamos que apenas uma derrota às separou da medalha, derrota esta contra uma seleção do mesmo nível.
É óbvio que o esporte brasileiro será desafiado como nunca antes a partir de agora. Temos o desafio de fomentá-lo na base a partir dos heróis que criamos ao financiar o atletas de alto rendimento. Temos o desafio ainda maior de ocupar, utilizar e manter as instalações caríssimas construídas para a Rio 2016. Temos que vencer o descaso dos governos e a corrupção das federações. Temos que conseguir espaço permanente de mídia para todas as modalidades, precisamos de patrocínio privado. Temos que levar o esporte para as escolas do país inteiro e voltar a ensinar os valores da disciplina e do esforço pessoal que o sistema educacional brasileiro perdeu quando abdicou do mérito, empurrando alunos de série para série sem exigir desempenho.
Podemos aproveitar o lado bom daquelas vaias feias que promovemos nas quadras da Rio 2016, que é a vontade férrea de vencer e o inconformismo com a derrota sem luta que nos espreitou no futebol masculino, aprender a cobrar e sermos cobrados, a pedir e dar satisfações, a fugir das desculpas e aprender com os erros.
Temos que aprender que competir é antes de tudo uma escola de cidadania, onde se moldam bons homens e boas mulheres, que aprendem suas responsabilidades, que respeitam o próximo, que sabem a importância do que fazem para um todo. O esporte pode trazer decepções eventuais, mas no geral ele fomenta o sucesso de uma pessoa.
É um grande desafio, é do tamanho da nação que os brasileiros bons, honestos e trabalhadores querem ter.
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