O que acontece quando uma pessoa passa muito tempo gastando mais do
que ganha sem poupar? Dependendo das condições de renda e de
crédito, ela passa um bom tempo mantendo o padrão de vida irreal.
Depois, começam as dificuldades porque as taxas de juros começam a
subir e apertar o orçamento. Após mais algum tempo, se começa a
diminuir suas despesas e cortar supérfluos, mas isso já não é
mais suficiente para dar conta do serviço da dívida (as prestações
de financiamentos e refinanciamentos, os juros das operações, as
taxas de cobrança, os honorários de advogados, as custas judiciais,
etc...) até que chega um momento em que ela simplesmente não
consegue mais quitar absolutamente nada sem prejuízo da
subsistência, ela entra em “default”.
Com países não é muito diferente. É certo que eles aguentam bem
mais tempo, que o serviço da sua dívida é em patamares muito
menores que o de uma pessoa, que seu poder de legislar e alterar a
vida dos cidadãos criando impostos e obrigações facilita a
manutenção da dívida e do estado de coisas que ela causa em sua
sociedade.
Mas países também quebram.
No início deste século, a Argentina quebrou. Era um país que
simplesmente não tinha mais como pagar suas dívidas em razão do
acúmulo de déficits por décadas à fio sem que seus políticos
populistas abrissem mão de mordomias e gastos financiados por
títulos com taxas de juros cada vez mais generosas, títulos estes
que as vezes eram saudados com empréstimos de organismos
internacionais como o FMI. Um dia, o país encontrou-se em recessão,
com receita tributária em queda, atividade econômica estagnada,
dívida pública exagerada e sem crédito com organismos
internacionais. O resultado foi o “default”, a paralisação de
pagamentos da dívida, o pânico entre investidores do mundo todo e a
paralisia do Estado como indutor econômico, legando no mínimo 4
anos de terríveis provações ao povo do país a receber serviços
públicos ruins ao mesmo tempo em que experimentou achatamento
salarial, desemprego, carestia e muitas situações, a fome.
Na Grécia, mesma situação.
Hoje em dia praticamente todos os países relevantes do mundo navegam
em águas turbulentas de déficits públicos enormes e sequenciados
por décadas. Mesmo países que são considerados exemplo de boa
gestão fiscal como a Alemanha acumulam déficits, o que explica o
esforço do país da chanceler Ângela Merkel em salvar seus vizinhos
europeus mais pobres como a Grécia e Portugal, já que não
interessa a ninguém um movimento internacional de resgate de títulos
da dívida pública que têm sido rolados por anos à fio mediante a
simples troca de papéis. Mesmo países ricos como a Alemanha, os
EUA, a França e a Inglaterra não são capazes de saudar nem 20%
suas dívidas públicas na eventual negativa do mercado de capitais e
valores em rolar tais títulos.
E há países como a Grécia e a Argentina que tentam ou tentaram
mascarar suas dívidas e seus indicadores fiscais, alardeando
déficits muito inferiores aos reais ou arrecadações muito
superiores às efetivas. O caso da Grécia então é sintomático,
descobriu-se que seus governantes simplesmente mentiram para que o
país fosse aceito membro da União Européia, que por sua vez se
deixou enganar até por ser um órgão político, gerido por
políticos que dentro de seus respectivos países administram
déficits colossais em Estados que não páram de gastar e mantém-se
sensíveis demais aos resultados das urnas, o que leva à não
exigirem de seus cidadãos um esforço fiscal, até porque os
cidadãos sabem que este deve começar com os políticos, mas estes
são a parte mais resistente.
A União Européia aprovou há pouco tempo uma norma interna que
obriga seus componentes a limitar seus déficits públicos em no
máximo 3% do PIB e em médio prazo extinguí-los, incorporando às
suas constituições a obrigação de manter seus orçamentos com
superávit.
Mas a grita já começou e governantes do continente começam a
reclamar do aperto a que deverão sujeitar-se, especialmente os que
enfrentam eleições ou vão enfrentá-las em futuro próximo. O caso
sintomático é de Nicolas Sarkozy, presidente da França, que até
defende o rigorismo fiscal mas não pode alardear isso, já que
enfrenta campanha complicada contra o socialista François Hollande,
que por sua vez, sabe da necessidade do aperto das contas públicas e
provavelmente agirá em contrário do discurso de campanha.
O fato, porém, é que descobriu-se não ser possível a país nenhum
manter-se indefinidamente em déficits orçamentários contados em
bilhões de dólares, euros ou mesmo reais, que um dia, cedo ou
tarde, impactam na vida dos cidadãos, seja por não haver
possibilidade de honrar compromissos previdenciários ou de saúde e
educação, seja por não haver mais capacidade de investimento para
fazer a economia crescer.
Os EUA experimentaram nas década de 90 e início da de 2000 um
crescimento econômico substancial porque o governo Bill Clinton
zerou o déficit fiscal do país, o que gerou facilidade em oferecer
crédito, situação que foi perdida em razão dos déficits
colossais patrocinados pelo governo seguinte, de George W. Bush.
O Brasil conseguiu diminuir sua relação dívida X PIB nos últimos
10 anos em razão da queda abrupta das taxas de juros que praticou
durante as décadas de 80 e 90, que eram de dois dígitos, rolando as
dívidas para pagamento em prazo maior com taxas menores. Mas se não
atacar o problema que o déficit representa em si mesmo, em algum
momento futuro vai experimentar novamente o mesmo processo de
negativa de serviços públicos, investimentos e indução econômica
cominado com arroxo salarial e aumento de impostos que viu no
passado.
Aliás, se a União Européia mantiver o arroxo e exigir superávits
de seus filiados, é provável que o mundo inteiro à siga, o que vai
exigir dos políticos brasileiros uma queda substancial dos gastos
ruins dos governos daqui, que são representados, por exemplo, por
salários de uma horda de funcionários comissionados e/ou em
confiança, ou seja, cargos políticos, moedas de troca políticas.
Talvez exista um algo de bom nessa crise econômica global, talvez
seja o momento em que os países compreendam a necessidade de não
existirem em função de suas dívidas, mas em função de seus
cidadãos. Imagine o leitor um mundo bem menos preocupado com o humor
das bolsas de valores e dos especuladores, um mundo onde o trabalho
seria mais importante que operadores imberbes de mesas de câmbio e
valores mobiliários?
é de um mundo assim que o sistema economico precisa. Some isso a um conceito mais abrangente de sustentabilidade, e o planeta vai conseguir atravessar algumas vaidades, pessoais e/ou politicas, e evoluiremos como nunca antes.
ResponderExcluirABraços!