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5 de set. de 2015

CRIANÇA NA PRAIA, PESADELO OCIDENTAL



A imagem chocante da criança morta na praia despertou no mundo aquele misto de indignação e remorso que é bem típico da raça humana, sempre que confrontada com sua própria face. 

O ser humano tende a adotar uma zona de conforto na qual ele faz valer seus próprios valores e convicções, sem dar muita importância ao mundo exterior até o dia em que algo quebra essa acomodação.

Nós, ocidentais, ou seja, cristãos que desenvolvemos uma ideia de sistema político baseado em alternância de poder e liberdade individual, temos a mania de achar que nossos valores e convicções são obrigatórios, que todas as regiões do planeta seguirão nossos dogmas e acreditarão em nossa maneira de ver a vida, mesmo que ela seja apenas idealizada, já que o ocidente está longe de ser completamente cristão, que dizer completamente democrático, com alternância de poder e liberdade individual generalizada. Aliás, o ocidente é bem tolerante até mesmo com ditaduras, como a da China ou a da Arábia Saudita, quando lhes são convenientes.

Na história do mundo temos provas contundentes de que nem sempre essas convicções são efetivamente práticas, aplicáveis a qualquer dos povos. A democracia, embora ainda seja o melhor sistema de poder (opinião minha), nem sempre é o mais eficiente, nem o mais apropriado em todos os lugares.

Quando a URSS invadiu o Afeganistão, os EUA e vários países ocidentais apoiaram todos os grupos que se dispuseram a lutar contra  monstro comunista que nada mais queria que uma guerra para afastar sua opinião pública da falência do sistema que acabaria tempos depois, e que também era apenas uma ideia toda própria de sistema político que também se queria exportar a qualquer custo. Acabou custando o fim do comunismo e o nascimento do ultra-radicalismo islâmico, decorrência da luta entre os dois lados da Cortina de Ferro, após os muitos erros do mundo colonialista

Acabado o comunismo,  não contente com a vitória que alcançou, o ocidente continuou cometendo erros. Interveio por uma segunda vez no Iraque, num momento em que Saddam já não representava risco para mais ninguém além de suas fronteiras. Entregou o Afeganistão para um suposto sistema democrático que nunca conseguiu tirar do país o status de nação miserável e sempre em conflito, em razão dos muitos grupos radicais que por lá disputam o poder. Por fim, quando ocorreu a "Primavera Árabe", o ocidente vislumbrou a chance de "livrar-se"de mais ditadores, especialmente Khadafi da Líbia e Assad na Síria,  apoiando insurgentes na tentativa de exportar democracia sem muita preocupação com a história daqueles países e povos, ou ainda com a instabilidade política que isso poderia gerar, já que, governados por décadas com mão de ferro e sem oposição, eram lugares propícios para o aparecimento de  grupos radicais, já que aquelas pessoas jamais conheceram conceitos de liberdade, democracia e da tolerância que os dois primeiros exigem.

Mas não se perguntou da estabilidade na Síria, lugar onde a ditadura Assad era tolerante com cristãos e comportamentos ocidentalizados, nem na Líbia, cujo ditador havia abdicado do terrorismo para ficar no poder e ao mesmo tempo, melhorar as condições de vida de sua população. Nos dois países, seguiu-se uma guerra civil, do mesmo jeito que no Egito e da Tunísia há sérios problemas políticos que causam tensões e violência constantes desde então.

Democracia é algo muito bonito como conceito, mas não é adotável de modo imediato, ela precisa ser aprendida, país nenhum vira uma democracia de um dia para o outro, até porque eleições não significam que ela exista ou tenha vencido a luta contra o totalitarismo.

Esta semana, Vladimir Putin (ele mesmo um governante forte e não-democrático, mas que só é isto porque foi alçado ao poder num processo em que a democracia não levou estabilidade à Rússia, que então voltou para os governos com mão de ferro) declarou que o ocidente (em especial os EUA), não observou a história e os costumes dos povos árabes ao apoiar a ideia de liberdade, que por sua vez causou o colapso dos regimes, o fortalecimento do ultra-radicalismo e por fim, a crise de refugiados que amedronta a Europa, ao mesmo tempo em que reluta em pegar em armas para combater o Estado Islâmico e seus pares que aterrorizam os países antes acalmados por ditaduras estáveis.

Putin está certo, ele mesmo é a prova de que história e costumes as vezes afastam o (belo)conceito de democracia que aprendemos a valorizar aqui no lado do mundo com fortes laços culturais com a Velha Europa.

Já antes do século XX o ocidente impôs um conceito de país a povos nômades, mas não satisfeito, quis mudar o modo de vida daquela gente contrariando até mesmo seu estágio histórico e evolucionário.A intervenção desastrosa do ocidente (EUA e Europa, preponderantemente), sob as mais variadas desculpas (colonialismo, petróleo, democracia, anticomunismo, etc...) em países sem tradição democrática e fortemente influenciados por dogmas religiosos, foi o o motor para o aparecimento do Taleban, do Estado Islâmico e de várias correntes que são radicais porque isso é algo que somente as religiões despertam nos seres humanos, como a própria história do ocidente demonstra, apesar de nem sempre nós atinarmos para isto, já que as vezes esquecemos das cruzadas, da inquisição e do extermínio de judeus.

Não estou dizendo que a responsabilidade por Taleban e Estado Islâmico é exclusivamente do ocidente, porque certamente há outros fatores, incluindo as próprias ditaduras que foram derrubadas.

Mas afirmo que o ocidente esqueceu da hipótese de que, ruim com ditaduras, as coisas poderiam ser piores sem elas, o que efetivamente acabou acontecendo.

Milhares de refugiados tentam sair do inferno das guerras civis e das perseguições políticas, religiosas e raciais, que eram contidas enquanto os ditadores punham freios nas várias facções radicais, que de repente começaram a receber armas e publicidade para de manifestarem na Líbia, na Síria, no Iraque, no Afeganistão, no Curdistão, no Egito, na Tunísia, etc... As pessoas fogem dessa agressão constante e batem às portas da Europa ocidental, que tem medo de recebê-las, o que pode comprometer sua recuperação econômica e até mesmo sua ideia de sociedade livre e democrática, já que miseráveis são campo fértil para radicalismos em qualquer lugar do mundo, mesmo em lugares ricos e democráticos.

A criança morta na praia é uma imagem  que nos amedronta muito além da pena que qualquer ser humano teria pela criança, ela é um pesadelo que nos confronta com a hipótese de quem nem tudo que achamos bom e justo é universal e que talvez, nossos erros e nossa mania de exportar idéias estejam custando a vida de inocentes.

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