Eu mesmo demorei para me convencer disto, mas o PT e seus partidos auxiliares (PSOL, Rede, PC do B, PDT, PSTU, PCO) pregam uma democracia de fachada para se adonarem da coisa pública como fizeram na Venezuela e empreendem na Bolívia, no Equador e na Nicarágua. Os demais partidos, por sua vez, usam a democracia para fazer valer seus interesses paroquiais, embora não atentem contra ela naquilo que não os afeta.
A única coisa inteligente que Dilma Roussef conseguiu falar nesses 9 meses de processo de cassação, foi sobre a fragmentação política, que impõe um acordo com mais de uma dezena da partidos para montar uma base parlamentar, ao passo que no governo FHC isso se dava com apenas 3 legendas. Um governante brasileiro se obriga a compor com inúmeras lideranças partidárias, tornando o processo legislativo e decisório difícil pela necessidade de atender demandas muitas vezes contraditórias entre os próprios "aliados". Dilma foi a prova maior disso, porque durante seu governo não teve a competência nem de conseguir unanimidade dentro de seu próprio partido.
É fato, porém, que essa fragmentação foi incentivada pelo PT e por Lula. A criação do PSD de Gilberto Kassab ocorreu com a intenção clara de tirar parlamentares do DEM, partido que o ex-presidente jurou de morte e que foi o único que sempre fez oposição aos governos do PT.
A fragmentação política empreendida por Lula retirava parlamentares de partidos de oposição e driblava as leis de fidelidade partidária, atendendo inclusive a uma demanda das ditas "esquerdas" que é justamente a de inviabilizar partidos e focar a política nos nomes, na personalidade do proprietário de cada legenda.
Mal ou bem, o PT tem e sempre teve um líder incontestável, Lula, como os comunistas da Rússia tiveram Lênin e Stálin, como os revolucionários cubanos tiveram Fidel, como Evo Morales, Hugo Chaves, Rafael Correia, Nicolau Ceaucescu, Tito e os ditadores norte-coreanos. O personalismo é essencial para um projeto de poder que pretenda criar uma fachada de democracia, mesmo que tênue, como havia no Iraque de Saddam Hussein ou há em Cuba, ou ainda, na Coréia do Norte.
As esquerdas nunca triunfam em países em que os partidos são mais fortes que seus líderes. Em todos os lugares em que existem estruturas partidárias consolidadas, a esquerda até governa, mas não consegue se adonar do Estado como fez na América Latina nos últimos 20 anos.
Digo tudo isto porque o "impeachment" de Dilma Roussef soluciona apenas um dos muitos problemas que o país continua enfrentando. Sim, não temos mais uma presidente arrogante e incompetente a meter os pés pelas mãos sem capacidade de articular qualquer apoio político. Mas ao mesmo tempo, ainda temos dezenas de partidos, cada um deles com interesses específicos pressionando os governos em todas as esferas, impedindo reformas estruturais e prontos a vender seu "apoio" pelo melhor preço.
Temer não é exatamente uma boa solução para nada. Ele é um mal menor que chegou ao poder dentro do esquema de fragmentação montado por Lula. e, portanto, também com interesses paroquiais bem anotados na agenda. Se é verdade que o processo de cassação foi constitucional e, portanto, não foi golpe, também é fato que o interesse do PMDB também é de nunca apear do poder, o que o deixa aberto a qualquer proposta, inclusive uma de voltar a aliar-se ao PT e seus partidos asseclas, diretamente ou não.
Nada impede que Lula articule uma nova coligação sem cor ideológica e volte ao poder para retomar a tentativa das esquerdas em se adonarem do Estado para perpetuarem-se no poder, porque o PMDB demonstra não entender este perigo. Se o ex-presidente não for preso ou desconstruído com eficiência, vai se aproveitar da crise que ele mesmo, Lula, em conluio com Dilma, criaram e entregaram para o governo de Michel Temer, que terá que, no mínimo, propor reformas duras e medidas impopulares (como a CPMF, por exemplo) para tentar tirar o país da paralisia econômica causada pela inviabilidade de um Estado que passou décadas gastando mais do que arrecadava em benefícios pontuais para certas carreiras do funcionalismo público e certos setores da economia.
A situação ainda é grave. O risco para a democracia (não a de fachada), alto.