Fábio Max
Marschner Mayer
Advogado e
Contabilista
Pós Graduado
em Direito Empresarial
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Não
é de hoje que a política brasileira envereda pela obsessão em colocar em
postos-chaves da República, conscientemente ou não, figuras por vezes
impopulares com a função precípua de proteger um determinado regime ou
eternizar no poder um determinado grupo político.
O
aspecto mais complexo (que chega a ser engraçado) é que, no Brasil, a
impopularidade é relativa. O indivíduo pode cair em desgraça junto à opinião
pública, ter os piores aspectos da vida devassados pela imprensa e seguidos de
desaprovação geral, mas as urnas e não raro as instituições acabam
preservando-os. E menos raro ainda é o indivíduo nessa situação ficar ungido de
uma expressão nacional tamanha, que seus defeitos notórios são falados à boca
pequena pelas pessoas que os cercam, apesar de escancarados na sociedade.
Essa
introdução é apenas para dar a dimensão da figura histórica da qual tratará
neste ensaio, um proeminente da
República Velha, o Senador José Gomes Pinheiro Machado, por mais que a
comparação com figuras atuais seja inevitável.
I – A formação intelectual.
Nascido
em 08/05/1851, terceiro filho de um Juiz de Direito, engajou-se aos 14 na Escola
Militar e partiu para a Guerra do Paraguai, dando baixa por imposição do seu
pai e em razão de doenças provavelmente adquiridas no “front”. Passou então a
ser estancieiro nas propriedades da família. Cursou a Faculdade de Direito de
São Paulo, que concluiu em 1878.
A
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco foi provavelmente o maior reduto
republicano do Império, cuja realeza definhava por motivos vários, como o
enfraquecimento econômico da nobreza, o aumento da influência de estados como o
Rio Grande do Sul e a influência dos Estados Unidos da América, país
republicano, sobre o resto do continente.
Do
Largo de São Francisco partiram muitos dos eventos políticos mais importantes
da história do Brasil, e foi o meio onde Pinheiro Machado foi intronizado na
política, especialmente a do seu estado natal, onde conheceu estudantes que nos
anos seguintes teriam grande influência na história daquela então província,
tais como Júlio de Castilhos e Assis Brasil.
Ou
seja, Pinheiro Machado, por óbvio, abraçou em primeiro lugar a causa que mais
afetava a cambaleante monarquia, o abolicionismo, mas o fez porque passou a ser
renhido propagandista republicano, abraçando, os conceitos positivistas de Augusto
Comte, basicamente fundados na primazia do conhecimento científico e do mérito,
que no caso indicava que o poder político não poderia ser exercido por unção
divina, mas pela meritocracia emanada da sociedade, dentro do conceito do “Amor
por princípio, Ordem por base e Progresso por fim” que inspira o lema presente
na bandeira nacional republicana, Ordem e Progresso.
É
verdade que o Brasil adotou variantes desse pensamento em cada célula
republicana, das muitas que eclodiram pelo Brasil em províncias diferentes,
gerando conflitos internos que permearam a luta pela República e depois a
própria República Velha.
No
caso, Pinheiro Machado acabou no bojo da variante republicana sul-riograndense
de Júlio de Castilhos, de linha arbitrária, mais tendente a um poder
ditatorial, que Ricardo Velez Rodrigues[i]
bem resume como “autoritarismo doutrinário”.
Tratou
de exercer esses conceitos já no início da vida profissional que seguiu na
cidade de Cruz Alta e por óbvio, assim que eclodiu a Proclamação da República,
aliou-se ao seu já citado conterrâneo.
II – O republicanismo castilhista:
No
ensaio “Conciliação: Os Partidos Políticos no Brasil” ,que o leitor encontra nesta mesma
página da internet, eu já havia citado que a “...República Velha acabou marcada pela inexistência de forças políticas
nacionais e homogêneas, que dizer de partidos, pois os ditos “partidos”
regionais eram representação das oligarquias e coronelismos de cada estado...”[ii].
E assim foi no Rio Grande do Sul, onde a influência de Júlio de Castilhos,
como já dissemos, legou o dito “autoritarismo
doutrinário”, um pensamento republicano ditatorial no sentido de
centralizar o poder e dele emanarem as ordens que supostamente permeiam o
progresso positivista. Não se estranhe
isso, até porque república tem pouca relação com a democracia, pelo menos no conceito
que guardamos nos dias de hoje.
Em
verdade, esse pensamento com viés autoritário permeia toda a história política
do Brasil desde a Colônia até os dias de hoje. Se é verdade que não exatamente
nos termos propostos por Júlio de Castilhos ou mesmo por Augusto Comte, o fato
óbvio é os políticos brasileiros tendem sempre a acumular poder e centralizar
decisões e práticas para tentar eternizar-se no poder.
Mas
a República Velha era instável. Cada um dos novos estados criados pela
República tinha suas próprias oligarquias e seus próprios conceitos
republicanos e políticos, em cada um deles havia grupos cujas rivalidades
excediam a política, era o coronelismo puro e simples à serviço de um ou de
poucos indivíduos, que tentava transpor-se para o plano nacional, o que
efetivamente aconteceu ao menos com os grupos de São Paulo e Minas Gerais, na
política do Café com Leite.
O
“castilhismo” nada mais era que uma faceta disto, uma visão toda própria de
república: conservadora, pouco afeita ao caráter negociador do liberalismo que também
era um traço republicano, uma aproximação, como cita Velez Rodrigues, com o
autoritarismo: “...Ao instituir a tutela
e a cooptação como base da ordem social e política, ao mesmo tempo em que dava
à nossa elite um bom argumento para se perpetuar no poder, Castilhos
exonerava-a dos freios morais e políticos da sociedade liberal, expressados
pelo no parlamento e nas liberdades...”.
Esse
era, em resumo, o pensamento de Pinheiro Machado, e que, veremos adiante,
permeou sua carreira política. Mas é interessante notar nesse momento os
elementos que compõe o conceito tão bem expressado acima: tutela, cooptação e perpetuação
no poder, conceitos que vigem até hoje na política brasileira em todos os
níveis, e que definem as relações políticas brasileiras.
III – A atuação política.
Uma
pesquisa rápida sobre Pinheiro Machado mostra uma unanimidade sobre seu
brilhantismo pessoal, que não se confunde com o julgamento que cada pessoa
venha a fazer de sua atuação política.
É
traço cultural brasileiro apagar os defeitos das figuras públicas tão logo elas
morram, e não foi diferente com este senador pelo Rio Grande do Sul.
Pinheiro
Machado lutou na Revolução Federalista onde recebeu de Floriano Peixoto, pela
sua comprovada capacidade em batalha, o título de “General de Brigada Honorário.
Após isso, ingressou no caminho natural da política.
Nas
páginas de história do portal UOL pode-se ler trechos da reportagem de cobertura
do jornal “Correio da Manhã” sobre o seu assassinato, que dizem “...o General Pinheiro Machado, a exemplo
de todos os grande dominadores das multidões, nunca tomou em conta da sua obra
pública as opposições mínimas, as resistências imponderáveis ao seu espírito de
lutador affeito a enfrentar e vencer as maiores energias antagônicas...”. Ou
seja, era persistente, determinado e disciplinado em conseguir o que queria,
acumulava poder, influências, e, claro, inimizades. E continuou o mesmo “Correio
da Manhã”: “...Chefe político, de uma
influência tão vasta, tão poderosa e quase podemos dizer tão incontrastável na
vida da nação... “.
Enfim,
de constituinte de 1890/91(ao lado, claro, de Júlio de Castilhos) virou um
acumulador de poder que ficou no topo da pirâmide política do advento da
república até sua morte, em 1915, mesmo sendo opositor da política do “café com
leite”, mesmo contestado por agremiações republicanas regionais.
Sendo
acumulador de poder, e considerando que sua atuação tinha como premissas a
tutela, a cooptação e a perpetuação no poder, também foi acumulador de riqueza.
Usou do poder para enriquecer em torno das trocas de favores, da influência
onipresente sobre a política e especialmente sobre a faceta do “fazedor de reis” ou do “paladino da república”, alcunhas
recebidas, a primeira dos inimigos, a segunda dos aliados, por ocupar a
presidência da “Comissão de Verificação de Poderes” e a vice-presidência do Senado da República.
Tornou-se um político poderoso, tinha influência, era temido e ainda por cima,
acumulava riqueza material.
A
“Comissão de Verificação de Poderes”, fora criada por influência do presidente
Campos Sales, um hábil político oligarca, que empreendeu a “política dos governadores”,
de acumular poder regional e transportá-lo para um poder nacional[iii].
A comissão parlamentar apoiava os governadores, tinha atribuições equivalentes
às da Justiça Eleitoral de hoje. Nela, decidia-se da existência ou não de
fraudes e irregularidades eleitorais, o que dava ao poderoso senador a faculdade
de tirar a carreira política de alguns e entregá-la a outros, seus aliados,
seus favorecidos, seus devedores ou credores de acordo com seus interesses,
independentemente da quantidade de votos que os prejudicados tivessem. Ou seja,
Pinheiro Machado trabalhava fortalecendo os governadores que por sua vez
fortaleciam o presidente, e ao mesmo tempo se auto-fortalecia, pois ficava numa
posição acima de todos eles.
Isso
fez dele figura central de todos os governos da República a partir de então, apesar
de mero membro do Legislativo, a ponto de ser chamado de “o homem que governa o governo”.
É
óbvio que nos anais da história não se usa a palavra certa para definir isso,
que é corrupção, não diferente da presente nos dias de hoje, com os mesmos
objetivos: tutelar, cooptar e perpetuar-se no poder. Eduardo Bueno cita o
historiador americano Joseph Love, que disse: “Noutras palavras, pairava ao seu redor um ar inconfundível de
corrupção”[iv].
O fato do poderoso político ser retratado hoje em dia como um dos pilares
da República, não é mentiroso, afinal, graças à ele, ela consolidou-se, embora
não nos termos éticos que eram pregados antes dela nascer, mas nos termos
éticos que permeiam a política brasileira durante toda sua história até hoje.
IV – O auge e a queda:
O
auge de seu poder deu-se durante o governo do Marechal Hermes da Fonseca,
quando quebrou-se temporariamente a
política do Café com Leite e a
presidência voltou às mãos dos militares, que a haviam entregado aos civis ao
fim da era de Floriano Peixoto, não sem grande descontentamento que se acumulou
nesse ínterim.
Até
então, o presidente eleito ou era ex-governador de São Paulo ou era
ex-governador de Minas Gerais. Mas o presidente Afonso Penna resolvera lançar à
sua sucessão um de seus ministros, David Campista, o que desagradou a todas as
correntes da República.
Então ocorreu uma tríplice aliança entre o
Exército (que durante toda a República, até a Constituição de 1988 sempre
esteve presente como protagonista do embate político), Minas Gerais e Rio
Grande do Sul e, claro, com a influência de Pinheiro Machado.
Então,
São Paulo, estado traído pela perda da política até então vigente, apoiou Ruy
Barbosa, o adversário mais ferrenho de Pinheiro Machado, única pessoa em todo o
país e em toda a classe política que era capaz e tinha coragem de enfrentar o
poderoso senador, mas que ao mesmo tempo era o único político temido por este,
em razão de sua grande popularidade. Ruy era querido dos brasileiros desde os
tempos do império, embora isso não lhe tenha valido o cargo de presidente.
Mas
o fato é que a campanha rachou o país e reapareceram por todos os estados os “cismas”
republicanos regionais, as pequenas oligarquias locais dividiram-se, algumas
apoiavam o governo, outras não, e o resultado era o de não acumular poder na presidência,
ao menos não como ocorria com a antiga política dos governadores, gerando as
revoltas da Chibata e do Contestado, e oposição visível, num tempo em que haver
oposição não era costume na política brasileira.
Foi
aí que Pinheiro Machado experimentou o auge de sua glória, ele foi o artífice
da política de “salvações nacionais” que buscava reaproximar o poder dos
estados ao poder federal, combatendo insurgências regionais, impedindo a
ascenção de políticos que não eram simpáticos ao poder federal, controlando o
Congresso Nacional mesmo que por meios indefensáveis.
E
assim foi, inclusive durante o governo seguinte de Venceslau Brás, até seu
assassinato com uma punhalada em 8 de setembro de 1915 desferida por um popular,
que afirmou durante o resto de sua vida que o fez sozinho, sem interferência de
políticos, e cuja motivação encontrada em um bilhete que carregava, dizia ser o
sofrimento do povo, atribuindo a Pinheiro Machado ser o símbolo todos os
defeitos da política que não legava progresso e atormentava o país com suas eternas
diatribes, seus acordos e acertos obscuros. Eduardo Bueno cita que “Talvez por isso tenha havido carnaval no
Rio de Janeiro e em São Paulo, quando a notícia de que Pinheiro fora
assassinado se espalhou. O povo associava sua figura à carestia, aos desmandos
políticos e à manutenção do poder nas mãos dos oligarcas.”[v]
Pinheiro
Machado foi herói para muitos, especialmente no Rio Grande do Sul e vilão para
outros tantos. Há os que digam que ajudou a legar as péssimas práticas
políticas brasileiras, há quem diga que deixou a consolidação da República.
V – Conclusão:
Nesse
breve ensaio sobre a figura histórica complexa de Pinheiro Machado não tive a
intenção de desfazer a importância da figura histórica, fica a critério do
leitor julgá-lo, se quiser, fica ao encargo dos historiadores esclarecer a importância
dele na história fora dos limites das minhas opiniões.
Minha
intenção foi mostrar que muitas das práticas políticas brasileiras são
atávicas, elas vêm desde o Império, são constantes em nossa história embora
mais visíveis a partir da Proclamação da República.
Em
um tempo em que não havia mídia eletrônica, onde os jornais de oposição eram
empastelados, onde valia a adulação para manter os órgãos de imprensa, onde
falar mal de político podia dar cadeia, Pinheiro Machado foi um homem super
poderoso acima da Lei e das acusações.
Na
época ele equivalia aos políticos de hoje em dia, eternamente encastelados em
presidências de órgãos importantes apesar
das denuncias contra si, apesar da
impopularidade entre classes intelectualmente mais bem preparadas e
principalmente, apesar das mudanças de grupos políticos dominantes,
ajeitando-se ao sabor da situação de momento, mantendo-se sempre no topo da
pirâmide política.
Pinheiro
Machado não foi diferente de um político dos dias de hoje, que não renuncia de
seu cargo mesmo flagrado pagando pensão para filha havida com amante com
dinheiro público, ou acusado de coagir poderes para manter sua ascendência
sobre seu estado de origem, ou ainda, defendendo calorosamente o governo de uma
pessoa à quem tinha feito oposição ou por ela tinha sido oposto há pouco tempo
passado.
Pinheiro
Machado foi um político brasileiro, e a conclusão que tiro é justamente esta,
de que no Brasil, muita coisa muda para tudo continuar exatamente como sempre
esteve: tutela, cooptação e perpetuação de poder!
[i]
Castilhismo: Uma Flosofia da República. Coleção Brasil 500 Anos, e-book,
Editora do Senado.
[iii]
Semelhanças com a política de nossos dias não são mera coincidência.
[iv] Brasil:
Uma História, LeYa editores, São Paulo,
2010, p.301.