Winston Churchill foi a primeira grande liderança política a defender uma união econômica da Europa, isso em um discurso na Universidade de Zürich em 19 de setembro de 1946, no contexto de um continente destroçado, amedrontado e com o risco de nova guerra com o comunismo soviético batendo às suas portas.
Aristocrata, historiador, militarista. conservador e nacionalista, ele foi pragmático. A história mostrava que as muitas guerras continentais tinham relação direta com o estado econômico dos países. Além disso, a Europa havia experimentado uma escalada armamentista, a guerra que acabara em 1945 foi tão violenta e destrutiva que os vencedores só o eram no papel, o continente inteiro estava prostrado, de modo que o medo de um novo conflito era grande.
Os movimentos europeus levaram aos embriões da integração econômica, especialmente com a criação da Comunidade do Carvão e do Aço, que depois virou Comunidade Econômica Européia e transformou-se União Européia, quando se decidiu pela criação de uma moeda (quase) comum.
Claro que havia a resistência britânica. O isolamento do Reino Unido o salvou do nazismo, embora tenha lhe custado o império colonial que ruiu de vez com a independência da Índia em 1947, mas o orgulho imperial ainda existia, como existe até hoje. Em 28 de novembro de 1949, em um comício do Movimento Europeu, Churchill declarou:
"A Grã-Bretanha é parte integral da Europa, e tencionamos cumprir nosso papel da retomada de sua prosperidade e grandeza"
E mais adiante encerrou dizendo:
"As recomendações de Strasburg (1) exortam à criação de um sistema econômico que abarque não só os estados europeus, mas todos os outros estados e territórios em toda parte, associados à eles."
O velho estadista colonial de tantas guerras do passado sucumbira à integração continental, mas em verdade, ainda prezava a soberania do Império Britânico, que durante a guerra ele não só defendera como teria jurado impedir que acabasse. E o sentimento interno na Inglaterra não era diferente. Em 26 de junho de 1950, em um discurso parlamentar ele declarou essa importância inglesa, mas deixou claro que
"Devido à nossa posição peculiar no mundo, a Grã-Bretanha tem oportunidade, de dela mostrar-se digna, de exercer um papel importante e possivelmente decisivo nos três maiores agrupamentos das democracias ocidentais... O movimento geral do mundo é no sentido de uma interdependência de nações. Sentimos à nossa volta a crença de que essa é nossa melhor esperança. Se a soberania indivisível, independente, é assim tão sacrossanta e inviolável, como podemos, então, estar todos ligados a uma organização mundial?"
Ou seja, não deixou de valorizar a soberania e a independência, embora soubesse que, ao menos no caso da Europa, a internacionalização seria inevitável, porque já havia um inimigo comum meio europeu e meio asiático, a URSS, que não seria bloqueado apenas por eventual união militar.
Ninguém pode negar que a CEE e depois UE funcionou como apaziguador de ânimos e gerou riqueza para todos, a ponto de nações reconhecidas por seu nacionalismo extremo, como a Espanha, a Áustria e a Grécia, aceitarem adesão ao bloco econômico.
Mas desde Churchill, o que é claro, é que o Reino Unido sempre foi renitente em relação à extensão de uma UE porque preza sua soberania, talvez ainda em decorrência da história colonial. Já era assim na criação dos embriões do bloco, continuou sendo ao não abdicar da Libra em favor do Euro e continua sendo até hoje, como o recente plebiscito fundado na reclamação de que a UE impõe regras e burocracia e transfere aos seus membros a solução de problemas de países problemáticos do bloco, como a Grécia, com seus políticos irresponsáveis que mentiram sobre os números da economia para aderir à união, ou os países do leste, ainda cheios e problemas decorrentes da influência soviética e limítrofes ao Oriente Médio, sujeitos às migrações que as guerras constantes causam por ali.
É interessante notar que o plebiscito recente foi decidido no interior da Inglaterra, nas áreas menos urbanas e mais conservadoras e a partir da insatisfação inglesa (inclusive do governo de David Cameron) com a UE distribuindo imigrantes sírios pelo continente, quando a Inglaterra não aceitou recebê-los. As áreas economicamente mais integradas, como Londres, votaram pela manutenção no bloco.
Penso que é por isso mesmo que se deve esperar um pouco para afirmar se a saída da UE é boa ou má, completa ou parcial, definitiva ou temporária, ou ainda, se vai gerar o caos econômico ou se vai causar problemas para quem quer que seja, basicamente pelo fato de que Churchill estava certo em declarar que a Grã-Bretanha era, sim, parte integral da Europa, apesar de insular, por muitos motivos, entre eles o tamanho da economia e a influência global.
O Reino Unido não é qualquer economia, é a 6ª do mundo pelo tamanho do PIB. Alguns dos bancos britânicos são dos maiores do planeta, seja por atuação global, seja no volume de ativos. Empresas britânicas tem influência mundial detendo mercados e tecnologia sensível. O Reino Unido tem relações privilegiadas com os EUA e com os países da "commonwealth", a Comunidade Britânica de Nações, que engloba nada menos que Canadá, Austrália e Nova Zelândia, além de dezenas de outros pequenos países, resultado do fim do império.
É simplista dizer que os ingleses terão fechados os mercados europeus ou que o resto da Europa dará as costas para o Reino Unido, porque todas as relações internacionais, sem exceção, tem por finalidade fomentar as trocas comerciais, e, no caso, duvido que os empresários continentais ficarão satisfeitos em perder uma clientela qualificada, o financiamento e os investimentos dos bancos britânicos ou ainda a facilidade que a Inglaterra pode oferecer no comércio com outros países de economia importante no mundo.
É óbvio que o "brexit" tem potencial de causar problemas. Quantos cidadãos ingleses hoje trabalham em países da UE sem necessidade de vistos específicos? Quantos cidadãos europeus fazem o mesmo no Reino Unido? Quantos contratos dependem de fronteiras livres e ausência de alfândegas?
Mas apenas em face da pequena lista de fatores acima, não é improvável que a UE empreenderá um tratado bilateral de livre comércio com o reino de Elizabeth, contendo o acirramento de qualquer ânimo. O Reino Unido continuará a ser parte da Europa, talvez com algumas restrições, mas dificilmente não integrado ao bloco por algum meio. É uma economia grande e influente demais para ser desprezada.
(1) Primeira sessão da assembléia da Europa.
JENKINS, Lorde Roy - Churchill (biografia), Editora Nova Fronteira, 2003.