21 de ago. de 2011

A MORTE DA JUÍZA NÃO FOI OCASIONAL

A impressão que tenho, é que estão pintando o caso da juíza assassinada de modo bárbaro no Rio de Janeiro como mais uma "última gota d'água" na questão da violência e da impunidade no Brasil.

É mais uma manifestação da atávica e gigantesca hipocrisia nacional. No Brasil, a morte violenta de alguém de uma classe privilegiada vira capa de jornal e mote de movimento contra a violência. Já a morte de cidadãos comuns é tratada como cotidiano, como um problema a ser atacado quando o Estado puder, sendo que o Estado acaba nunca podendo.

A morte da juíza repercute porque ela era de uma classe de pessoas que o brasileiro têm como intocáveis. No Brasil, políticos, juízes, promotores, altos funcionários públicos, empresários ricos e celebridades da TV são mais importantes que o resto das pessoas. A morte violenta de um deles gera indignação, medo e até vontade de meia dúzia de pessoas irem às ruas pedir paz e justiça, porque é bonitinho parecer engajado por algo, pode ser que renda entrevista para o Jornal Nacional ou mesmo uma foto estampada em alguma página secundária da revista Caras.

O caso da juíza é sintomático, é verdade. As primeiras informações são de que ela pediu proteção que lhe foi negada por duas razões - a primeira, por não ser uma juíza "bacana", com sobrenome de desembargador ou de familia tradicional - a segunda, porque o Estado brasileiro (leia-se, o conjunto de Judiciário, Executivo e Legislativo) não queria gastar uns caraminguás a mais para garantir a segurança de uma cidadã exemplar no exercício de sua função, e que combatia o crime, como aliás, reluta sempre em fazer com juízes e promotores com a mesma atitude que ela.

Mas o fato marcante e cuja repercussão verdadeira muita gente está escondendo, é que a cúpula do Judiciário carioca sabia do perigo que aquela (ótima) magistrada corria em enfrentar o crime organizado das milícias e do narcotráfico, mas omitiu-se, tratou o caso dela como trata o caso de um servente de pedreiro morto com 21 facadas na periferia, colocou-o apenas nas estatísticas!

Ser juiz e promotor não é para mauricinhos e patricinhas formados com louvor em faculdades classe A, capazes de ficarem estudando 3 anos em casa sem fazer mais nada para adentrar ao serviço público e depois gozar dos altos salários entrando as 14:00 no fórum e saindo às 17:00 para ir buscar os filhos no colégio, como há muitos pelo Brasil afora, que este advogado que vos escreve pode atestar que existem.

Ser juiz e promotor é função para gente corajosa que entenda a grandeza e a gravidade das funções bem como o risco à elas inerente. Parece que no Brasil há uma falsa escala de valores - estas funções são tratadas como um prêmio para bons alunos de classe média-alta, não são mais uma função de representação da força que o Estado deve ter sobre os cidadãos que ferem as leis.

Enfim, para as autoridades brasileiras, incluindo uma boa parte dos próprios juízes e promotores, o crime é problema para os pobres e para as pessoas que não têm ligações políticas fortes. Todos os dias o brasileiro comum sofre com a violência. Todos os dias ele perde o sono porque alguém resolveu fazer um baile ao ar livre na porta da sua casa e ninguém aténde o telefone 190. Todos os dias há assaltos à mão armada, insegurança no ir e vir, violência doméstica, tráfico de drogas e casos de corrupção. Todos os dias há assassinatos bárbaros praticados com dezenas de tiros, de facadas e todos os demais tipos de violência.

E a absoluta omissão de muita gente é visível, muitas "autoridades" têm dois pesos e duas medidas: rapidez e eficiência nos pleitos feitos pelos ricos e poderosos, lerdeza e má vontade para os pobres e remediados.

O caso da juíza não é isolado, não é ocasional. Todos os dias há casos idênticos, como o mesmo grau de violência e o mesmo dano à estrutura social. Não foi a "última gota d'água", porque todos os dias há enxurradas de violência que são simplesmente ignorados neste país.

8 comentários:

  1. Tem gente que ainda ri do ocorrido. Há quem diga: bem feito! Afinal, segundo esta posição que cito, existem pessoas que pensam e dizem:

    - Agora eles irão investigar e serem eficientes e eficazes contra o crime organizado.


    Esta reação tem sentido. Pois, irrita saber que certas atitudes devem ser provocadas...

    Aqui na região de Irecê, uma das mortes mais bem investigada e de solução mais rápida foi quando um juiz apareceu morto na pista. No final, não foi um crime como se pensou, mas, um atropelamento.

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  2. Com razão Fabio e tem mais uma, é só questão de tempo, novos crimes acontecerão contra a elite e mais manchetes sensacionalistas em horário nobre. Qunado? Não sei dizer, mas sei dizer, seguindo seu raciocínio, que a todo momento tem um ser humano no Brasil sofrendo as consequencias da delinquencia. Tenha uma ótima semana.

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  3. Ronald,

    É justamente esta questão, contra a elite, investiga-se, contra o resto, empurra-se com a barriga...

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  4. Olá, tudo bem? Dizem que a violência diminuiu em São Paulo (segundo as estatísticas).. Eu não percebo isso.. O assassinato da juíza é sinal evidente da impunidade que assola o País. Abraços, Fabio www.fabiotv.zip.net

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  5. Eu não gosto de considerar o Brasil, partindo do Rio e São Paulo e gosto quando o carioca dá nome ao fato em seu estado.O Rio de Janeiro colhe o que plantou com a morte dessa juiza.Ela não foi morta por bandido comum mas pelo braço armado do estado do Rio de Janeiro e a omissão dos seus iguais. É setorial e mais grave. Cada estado é um país.

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  6. Discordo, Magui.

    Essa situação está assim no país inteiro, onde não se julga ninguém, não se prende ninguém e vê-se a marginalidade fazer o que bem entende...

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  7. "Atentado contra a democracia", ouvi isso na TV e as imagens eram de juízes de mãos dadas caminhando de cabeças baixas. A pergunta é: Por que não de cabeças erguidas? Se a principal função de um juiz de direito é preservar a dignidade humana, estamos todos nós, de cidadãos comuns aos magistrados, aplicadores da lei, à mercê da bandidagem. Este ato dos juízes é confesso de que o Estado também está à merce desta bandidagem, quando juízes são vetados de exercerem o poder jurisdicional conferido à eles pelo Estado. Por isso entendo o tratamento diferenciado na repercussão deste crime.

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  8. Já vi muitos juízes e promotores corajosos, mas são uma exceção que comprova uma regra, de que a maioria só quer saber mesmo é do status e das regalias do cargo. Juízes corajosos também vimos na Itália combatendo a Camorra e a Ndrangheta e os melhores dentre eles acabaram morrendo. Na Colômbia então é um processo histórico. Um caso como este que nos chega no dá uma impressão de que estamos sem saída. Mas tenho esperança nas pessoas boas que conheço e que seu exemplo se multiplique. E que não nos acovardemos diante da violência, esteja ela onde estiver. Grande post, Fábio.

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