18 de set. de 2008

PERGUNTA... ANTES DE OUTRA TRAGÉDIA

O fato de um problema desaparecer da mídia, não significa que ele acabou.

A extraordinária sucessão de escândalos que se produz no Brasil, faz com que muitos assuntos sérios sejam deixados de lado, porque a mídia se concentra no que dá audiência imediata e porque quase todos os problemas envolvem a classe política que por sua vez, quer mais é ter sua relação com eles esquecida.

Do início de 2008 até agora, a mídia concentrou-se em fatos dos mais diversos, abusando em todos eles do excesso de informação inútil: O caso Nardoni, os cartões corporativos, o Daniel Dantas, o fracasso nas Olimpíadas, a operação Satiagraha, os grampos telefônicos, os fichas-sujas, etc...

O que há de comum em todos eles?

Nenhum, absolutamente nenhum problema ou polêmica que eles encerram teve solução.

Nem o crime do caso Nardoni. Muito menos o fato de que os fichas-sujas podem se candidatar, mas nenhuma autoridade faz absolutamente nada de relevante para que isso chegue de modo claro ao eleitor. Daniel Dantas continua livre. Os grampos telefônicos viraram piada. A operação Satiagraha continua envolta em nuvens que certamente serão a salvação dos envolvidos. Os cartões corporativos ficaram por isso mesmo. E até hoje ninguém sabe o que foi feito do caminhão de dinheiro que o Comitê Olímpico Brasileiro recebeu para mandar amarelões passearem pelo mundo afora se dizendo atletas.

Todos esses casos foram substituídos pelo escândalo posterior da lista e esquecidos, renegados a notas de rodapé e piadinhas que circulam por e-mail. Todos têm implicações sociais graves.

Eu escrevi tudo isso aí em cima, para perguntar:

O que foi feito para solucionar o problema do tráfego aéreo?

Os dois acidentes trágicos que mataram centenas de pessoas foram esquecidos, e do mesmo modo, parece que o caos aéreo também.

O Fantástico de domingo relatou choques de aeronaves na região amazônica. O aeroporto de Congonhas continua sobrecarregado. O governador do Rio de Janeiro declarou em alto e bom som que o aeroporto Tom Jobim é péssimo e precisa ser privatizado. Também se falou que o número de ocorrências relatadas de situações de risco aéreo diminuiu drasticamente porque a atividade dos pilotos foi criminalizada, eles não relatam os casos com medo de serem responsabilizados por sua quase ocorrência.

Mas tudo noticiado de modo tímido e contido, basicamente porque não houve vítimas.

Se constatarmos que boa parte do caos aéreo guarda relação com o abandono das forças armadas (boa parte dos controladores é de militares e operações na Amazônia dependem sempre da FAB e do Exército) e constatando que o governo empurra com a barriga o reequipamento e reorganização delas, ao mesmo tempo em que não vemos obras em aeroporto nenhum e muito menos algum tipo de plano acelerado para construção de outros, temos mais é que rezar antes de pegar algum avião.

O acidente em Congonhas aconteceu num vôo em que eu poderia estar presente em determinada época da minha vida, o que me deixou muito abalado. Foi o suficiente para um "petralha" toupeira dizer que eu fazia campanha anti-Lula me alimentando dos restos mortais das vítimas.

Só que naquela ocasião, o país vivia a exata mesma letargia de hoje, posterior ao primeiro acidente grave, com o avião da Gol, sobre a selva amazônica. A exuberância da economia ofuscava problemas comezinhos, e um dia, os problemas comezinhos viraram uma tragédia.

Estamos esperando outro acidente para novamente discutir a questão de modo efetivo?

O senhor Nelson Jobim chegou ao Ministério da Defesa botando banca e distribuindo cala-bocas. Virou estrela midiática naqueles dias em que o país estava hipnotizado pela tragédia de Congonhas, mas seu fogo foi de apagando e passados pouco mais de doze meses, pouco foi feito para resolver o caos nos aeroportos e nada, absolutamente nada foi feito para atacar a seríssima questão material das forças armadas.

Enfim, o problema desapareceu da mídia, mas não acabou e não adianta dizer que em Congonhas a culpa não foi da pista, porque em matéria de aviação, todo o cuidado, público ou privado, é pouco.

O presidente Lula não teve culpa em nenhum desses acidentes... mas esses acidentes impõem ao governo dele medidas drásticas e efetivas, e sinceramente, não as tenho notado.

Leia no Blog do Vinna.

15 de set. de 2008

CRISE

Essa crise financeira dos EUA é o resultado do excesso de otimismo nos mercados financeiros, porque o negócio de financiamento imobiliário de lá era altamente lucrativo e todas as instituições entraram pesado nele, acreditando na garantia real (o imóvel) que reduziria o risco de perdas.

Uma blogueira me explicou que o cerne da crise é justamente esse. Um indivíduo comprava um imóvel por 500 mil dólares e o dava em garantia. Após certo tempo, paga uma parte da hipoteca, ele refinanciava o saldo e pegava mais dinheiro, o que ele havia pago até então, fechando 500 mil dólares.

A dívida sempre refinanciada se mantinha e o indivíduo, aproveitando a garantia real, comprava carro, viajava e de modo geral consumia. Uma farra de dinheiro fácil com taxas de juros boas, porque, afinal, os bancos achavam ter o imóvel como garantia, e ele dificilmente perderia valor.

Essa história é nebulosa e difícil de explicar até para economistas, de modo que eu escrevo apenas a título de palpite.

Quando o preço do petróleo começou a subir, os americanos sofreram impacto imediato no bolso. E de repente, milhares de pessoas resolveram entregar seus imóveis e diminuir seu endividamento, de modo que as instituições ficaram com milhares de bens com valor nominal alto mas que, pelo excesso de oferta que seguiu, não conseguem ser vendidos sem uma perda considerável.

Pura oferta e procura, mas ninguém previu tantos imóveis postos à venda ao mesmo tempo.

A crise já vinha se arrastando há tempos, mas hoje ela consolidou-se. O 4º maior banco de investimentos dos EUA, o Lehman Brothers, anunciou perdas gigantescas e declarou pedido de concordata que, para um banco, equivale a pedir falência.

Bem, bancos quebrados significam algo como:

a) Diminuição global de crédito;
b) Aumento da taxa de juros pelo mundo afora, porque os governos terão de intervir no sistema financeiro e, portanto, captar dinheiro para financiar a salvação do sistema;
c) Queda generalizada da atividade econômica. Até porque, a economia americana reflete no mundo todo.

Vai chegar ao Brasil?

Claro que vai.

O país efetivamente está mais preparado para enfrentá-la, e há fatores que indicam que, desta vez, a crise não será tão danosa por aqui, tais como:

a) Ela é nos EUA, país cujos títulos da dívida pública sempre foram a táboa de salvação dos investidores internacionais fugídios de economias terceiro-mundistas em crise, como a Rússia ou os da Ásia;

b) Boas reservas em moeda forte;

c) Consumo interno acelerado e cuja tendência é manter-se, porque a demanda estava reprimida há décadas. Isso pode compensar em parte, a perda de investimentos estrangeiros;

d) A economia interna do Brasil, ainda paga as taxas de juros mais pornográficas do mundo. Uma TV de Plasma comprada no hipermercado em 48 prestações cobra uma taxa mensal de no mínimo 5%. Se os juros subirem nos mercados internacionais, o consumidor brasileiro não sentirá tanta diferença, porque ele sempre pagou taxas absurdamente mais altas que o resto da humanidade.

Mas é impossível que uma sociedade exportadora de commodities como a nossa, não sinta o reflexo da desaceleração mundial, ainda mais porque o Estado brasileiro ainda é extremamente deficitário (a gigantesca horda de funcionários em cargos em comissão, milhares inúteis, pode cobrar o seu preço agora) e qualquer mínima perda de receita tributária pode ter consequências que vão além do discurso oficial otimista.

Na primeira crise do petróleo, em 1974, o Brasil optou por manter-se em crescimento acelerado e encarar a crise apostando que ele compensaria os problemas. Não deu certo e isso levou o país a 20 anos de descontrole.

Guardadas as proporções, e considerando os fatores positivos, penso que o Brasil adotará desta vez uma solução menos radical: as taxas de juros continuarão subindo, haverá arroxo de crédito e consumo, mas nada tão radical que cause recessão grave, de tal modo que medidas mais duras só ocorrerão em situações extremas que afetem o país.

É um palpite meu. Mas se em contrário o Brasil resolver acelerar e encarar a crise novamente como fez na década de 70, arrisca ver a vaca ir pro brejo por mais 20 anos.

E escrevo tudo isso desconsiderando um fator que entre nós é sempre preponderante nas decisões econômicas: o custo político.

12 de set. de 2008

FECHAR A TORNEIRA

Uma vez perguntaram para o então presidente Ernesto Geisel por que o Brasil não comprava gás boliviano, que já na época era abundante.

Ele respondeu (mais ou menos nesses termos) que se fizesse isso, tornaria o Brasil dependente do gás de um país instável que na época vivia de quartelada em quartelada, e que isso aumentava o risco de alguém "fechar a torneira" e ferrar com o consumidor daqui.

Passados muitos anos, outro presidente, Fernando Henrique Cardoso, ingenuamente resolveu acreditar que a Bolívia entrava numa era de democracia e estabilidade.

E além de comprar o gás, durante algo em torno de 5 anos, o Brasil investiu na exploração do produto lá mesmo na Bolívia, construiu gasodutos desde a fronteira até o Rio Grande do Sul (passando por São Paulo) e expandiu o consumo de uma tal forma que hoje é dependente dos humores da tigrada boliviana.

Daí, em 2006, Evo Morales assumiu o poder e imediatamente ameaçou "fechar a torneira" sem nenhum protesto ou resistência por parte do governo Luis Inácio Lula da Silva que, em contrário, apoiou o aumento do preço e olhou impassível o que na prática foi o confisco de bens brasileiros.

Agora a Bolívia passa por mais um momento crítico, e não é improvável outra quartelada ou auto-golpe ou mesmo intervenção com as bençãos internacionais, desta vez não dos EUA, mas da Venezuela, o que é muito pior. E ao mesmo tempo, os opositores de Evo Morales descobriram que fazendo o mesmo que ele, ameaçando "fechar a torneira" do gás brasileiro, obtém meios de chantagear o país vizinho com finalidades políticas internas.

Resumo da ópera:

Geisel estava certo.

FHC foi ingênuo e incompetente (como de regra). Devia ter investido na exploração de gás no Brasil e evitado essa dependência.

Lula foi fraco (como de regra). Se tivesse batido o pé e imposto os interesses brasileiros, hoje os opositores de Morales não estariam explodindo gasodutos, pelo contrário, estariam protegendo-os.

10 de set. de 2008

>>>>>>>>RÁPIDAS>>>>>>>>>>

1. O anúncio do PNAD foi adiado. O presidente achou melhor enviar as propostas ao Conselho Nacional de Defesa, antes de divulgá-las.

Acontece que uma das propostas é a de criar o serviço militar/civil obrigatório, o que não é simpático no Brasil, onde as pessoas se acostumam desde cedo a encarar o Estado como um paizão que tudo lhes dá, entre bolsa-família ou empregos extremamente bem remunerados, muitas vezes até sem concurso público. As pessoas querem o Estado apenas quando recebem algo, se é para dar algo em troca, tem chiadeira e não será diferente nessa questão. Afinal, a proposta é que jovens pobres, remediados ou ricos sejam obrigados a ficar no mínimo um ano à disposição do Estado, para prestar serviços militares ou sociais relevantes.

E outra face do plano, é comprar armamentos, coisa que não é simpática em lugar algum do mundo.

E como sempre ocorre em todos os governos brasileiros, mas especialmente neste, o anúncio de medidas polêmicas é levado com a barriga.

2. No dia 15 próximo, estarei no blog O QUE ELAS ESTÃO LENDO !?.

O blog é feminino, blogueiras indicam livros que estão lendo ou que leram e aprovaram.

Mas uma vez por mês, a Georgia, a Flávia e a Lúcia convidam um blogueiro para dar uma dica de leitura e este mês fui honrado com o chamado.

Peço que os leitores (especialmente as leitoras), prestigiem.

9 de set. de 2008

O PLANO NACIONAL DE DEFESA

Hoje o presidente Lula e os ministros da Defesa, Nelson Jobim, da Justiça, Tarso Genro e da Fazenda, Guido Mantegna, além do Secretário de Planejamento Estratégico Roberto Mangabeira Unger, devem anunciar o Plano Nacional de Defesa, um ousado planejamento estratégico para repotencializar as forças armadas e ao mesmo tempo usá-las como instrumento de capacitação tecnológica da indústria brasileira.

No primeiro momento, haverá a compra dos equipamentos necessários para devolver às Forças Armadas a efetividade militar perdida pelos seguidos contingenciamentos orçamentários das últimas décadas. Especula-se que o Brasil anunciará a aquisição de equipamentos militares em um valor aproximado de mais de 10 bilhões de dólares nos próximos cinco anos, sendo os mais importantes:

- 24 a 36 caças de superioridade aérea até 2015, chegando em até 120 em 2025;
- 51 helicopteros médios de transporte, a serem fabricados em Itajubá/MG;
- 12 helicópteros de ataque, para uso pelo exército nas fronteiras amazônicas;
- 5 submarinos convencionais;
- 1 submarino nuclear a entrar em operação em 2015;
- 6 fragatas de patrulha e guerra oceânica;
- 27 navios pequenos de patrulha oceânica;
- modernização da aviação de caça da marinha.

Some-se a estas ações, a continuidade de alguns programas emergenciais já em curso, quais sejam:

- 6 helicopteros médios BlackHawk para o exército;
- 4 helicopteros SeaHawk para a marinha;
- aquisição de 250 tanques Leopard 1A5;
- aquisição de novos caminhões de transporte de tropas;
- aquisição de novos veículos de transporte tático;
- modernização dos aviões F-5 e A-1;
- 99 aviões super-tucano;
- aquisição de 8 aviões de guerra anti-submarino P3-C-Modernizados.

Todos os projetos de aquisiões novas, envolverão cessão de tecnologia nos chamados "off-sets". Assim como houve cessão quando a Embraer ajudou a produzir os aviões (AMX) A-1, e com isso ela obteve "know-how" para produzir a familia ERJ 145 e tornar-se a 3ª maior companhia do mundo no seu setor, a idéia e dotar a índústria brasileira de tecnologia sensível, que os países detentores dificilmente vendem. Como a quantidade de armamentos a serem adquiridos é considerável, espera-se obter avanços importantes para a indústria brasileira.

Há quem diga que o Brasil é um país pacífico e não precisa de tantas armas. Discordo por algumas razões:

1. Tecnologia militar cedo ou tarde recebe uso civil e leva ao fortalecimento da indústria de um país. Todos os países altamente desenvolvidos têm indústrias militares fortes, e nem por isso envolvem-se em guerras constantes. Hoje, o Brasil encontra-se atrasado na corrida tecnológica mesmo entre as nações emergentes, vez que Rússia, China e Índia têm grandes programas militares, que transferem tecnologia para a indústria civil, que por sua vez gera empregos qualificados (bem remunerados) e riquezas.

2. O Brasil tem imensas áreas de riquezas naturais a proteger. As duas Amazônias, a verde e a azul, têm extensões continentais e dado o fato de que hoje elas concentram riquezas das mais importantes do planeta (água doce e o petróleo da camada pré-sal) é certo que no futuro serão alvo de todos os tipos de interesses estrangeiros. Patrulhar e proteger esse patrimônio é obrigação do Brasil para com a humanidade, mas também para com seu próprio povo.

3. Investimentos militares se pagam e geram dividendos. Os EUA são extremamente ricos, entre outros fatores, porque sabem que boa parte dos valores investidos em seus arsenais, retornam à sociedade por meio de empregos, impostos e melhorias na qualidade de vida decorrentes da tecnologia. Usar o discurso pacifista e sair desse mercado de armamentos é contentar-se em exportar produtos primários sem valor agregado, condenando milhões de pessoas a vidas miseráveis.

4. Sem contar a questão da segurança em si. Imaginemos o Brasil alvo de terrorismo, por exportar petróleo para os EUA?

Outro aspecto interessante do PNAD, é exigir o serviço militar ou social obrigatório, com vias a difundir conceitos de cidadania entre os jovens. Apóio isso incondicionalmente. O serviço militar já demonstrou ser um poderoso instrumento para difundir bons valores e melhorar a educação e capacitação das pessoas que envolveu.

Eu apóio o PNAD mesmo sendo oposição ao governo Lula.

Apóio porque o Brasil jamais será uma potência sócio-econômica se não tiver capacidade de proteger-se de ingerências externas e mesmo de exportar seus interesses e sua influência.

O Brasil tem que deixar de ser o cordeiro do mundo e virar tigre, ou melhor... onça!

5 de set. de 2008

7 DE SETEMBRO: O BRASIL NÃO FOI FORJADO NA PAZ




É comum o entendimento de que o Brasil teve uma independência pacífica, proclamada por D.Pedro I e aceita sem maior resistência por Portugal. Lembro que nos meus tempos de colégio, falava-se até numa suposta benção dada por D.João VI, coisa que jamais aconteceu.

Até 1807, o Brasil era ao mesmo tempo a jóia maior da corôa portuguesa e alvo da cobiça comercial tanto da Inglaterra quanto da França, países hegemônicos da época.

E tanto era assim, que no acordo que previu a retirada da família real portuguesa para cá em 1807 (fugindo de Napoleão Bonaparte), a Inglaterra comprometeu-se a escoltar e salvaguardá-la em troca da abertura tão somente do porto de Santa Catarina, além, claro, de não enfileirar-se com a França.

Ou seja, enquanto em Portugal a corôa aceitou abrir apenas um porto, cuidando para que os demais não saíssem do jugo colonial português. Se ao chegar aqui em 1808 D. João mudou de idéia, ou por conveniências econômicas ou mesmo pelo intuito de fundar aqui uma nova nação poderosa longe das tensões causadas pelas super-potências européias, ninguém sabe ao certo.

Porém, em 1821 D. João retorna à Portugal que, de colonizador em 1807, transformara-se em reino unido com o Brasil. Isso desencadeou um processo, digamos, constituinte, com a reunião das Cortes (representantes da aristocracia tradicional do país) que tinham clara intenção retirar do Brasil a condição de reino, transformando-o novamente em colônia. E o fez propondo uma certa autonomia a algumas de suas províncias mais ao norte, o que enfraqueceria o sabido ânimo independentista existente por aqui. Ou seja, uma manobra do império para evitar a perda total do Brasil, cujo grito de independência parecia não tardar.

Na biografia de D.João VI, escrita por Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, consta uma carta escrita por D.Pedro a D.João, que relata muito bem a situação econômica e política daquele momento:

Vossa Majestade, que é rei há tantos anos, conhecerá mui bem as diferentes situações e circunstâncias de cada país; por isso Vossa Majestade igualmente conhecerá que os estados independentes (digo os que nada carecem, como o Brasil) nunca são os que se unem aos necessitados e dependentes.Portugal é hoje em dia um estado de quarta ordem e necessitado, por consequência é dependente, o Brasil é de primeira e independente, atqui que a união sempre é procurada pelos necessitados e dependentes; ergo a união dos dois hemisférios deve ser (para poder durar) de Portugal com o Brasil, e não deste com aquele, que é necessitado e dependente. Uma vez que o Brasil todo está persuadido desta verdade eterna. a separação do Brasil é inevitável, a Portugal não buscar todos os meios de se conciliar com ele por todas as formas.


Era visível que o Brasil de D.Pedro já tinha plena consciência de suas potencialidades, mas isso não significava que as Cortes, e mesmo D.João, aceitariam passivamente o fim da aliança colonial tão importante à Portugal, que dela dependia.

Portanto, o processo de independência iniciou-se em 1808, com a chegada da família real e a abertura (equivocada ou não, sob o ponto de vista lusitano) dos portos para o comércio com as nações amigas.

As Cortes tentaram evitar a libertação do Brasil e, proclamada a Independência dele, D.João não deixou de tomar providências no sentido de revertê-la, mas não obteve sucesso por vários fatores, como sua fraqueza enquanto instituição (o Rei esteve longe da capital imperial entre 1807 e 1821) submetido ainda, às pressões de processo constituinte (as Cortes), a quem temia afrontar, sem contar a degradação econômica, pois Portugal enfrentava, com a autonomia do Brasil na qualidade de Reino Unido, um processo de esvaziamento comercial.

A Independência não foi um processo pacífico.

Por conta da promessa de autonomia de certas províncias, havia no Brasil defensores do Império, de tal modo que o governo de D.Pedro se viu obrigado a reestruturar o Exército e a Marinha ao custo de praticamente quebrar o Banco do Brasil (o da época) e tomar empréstimos variados à Inglaterra e adentrar às receitas alfandegárias do porto do Rio de Janeiro. Tudo isso para combater as mílícias pró-Portugal, concentradas nas províncias do norte, aquelas às quais as Cortes prometeram certa autonomia em detrimento do todo da colônia sul-americana. Nesse sentido, esse trecho do prefácio de José Honório Rodrigues em seu "Independência", é esclarecedor.

Este volume sustenta a tese de que a Independência não foi um desquite, uma separação amigável(...)Foi uma guerra, quer pela mobilização de forças no Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Cisplatina, quer pelos combates na Bahia, no Piauí, no Maranhão e no Pará. Nem a guerra foi somente na Bahia, nem a guerra na Bahia foi baiana, porque nela combateram oficiais fluminenses, pernambucanos, paraibanos, sergipanos, alagoanos e mineiros. É simples, assim, reafirmar que sem as forças armadas não seria possível conseguir a independência(...)A independência foi uma obra política e militar. Um exército improvisado fez muito mais do que dele era lícito esperar. Unidos, povo e exército se constituíram numa força revolucionária que acabou com o jugo colonial.


Portanto, houve combates e problemas sérios enfrentados pelas autoridades de época, o que de certa forma desmonta o mito de que o país nasceu endividado. Em verdade, como aconteceu em outras colônias libertas pelo mundo afora, gastou-se muito para sustentar o ato de libertação e, no caso do Brasil, após certo tempo Portugal conformou-se mediante um acordo em que até os livros da Real Biblioteca foram indenizados pela nóvel nação à corôa.

Então o Brasil não nasceu endividado, ele endividou-se para nascer.

E a importância de tudo isto, que trago ao leitor nesses dias de festejos da nossa Independência é justamente lembrar que um país não se constrói sem lutas renhidas e dedicação.

Um país é resultado de um processo constante de confronto com interesses estrangeiros em prol de um conceito maior de nacionalidade. Como eu já escrevi antes, o Brasil é um país, mas nem sempre parece ser uma nação e talvez seja isso que lhe falte para deslanchar como potência econômica, o que implica exaltar os heróis do passado e não se conformar com teses simplistas de que nasceu em meio a uma paz que jamais foi verdadeira.

Eu prefiro pensar que o Brasil nasceu em meio à guerra. Que foi forjado pelo sangue de milhares de pessoas em contraposição aos ânimos coloniais portugueses, e que foi obrigado a contrapor o Príncipe Regente D.Pedro à seu pai, que nem de longe foi o governante inepto que a história tratou de diminuir, sabe-se lá por quais motivos.

Um país que tem heróis está mais próximo de ser uma nação. E uma nação não nasce sem derramamento de sangue.

PS: Esta matéria analisa fatos históricos a partir da ótica do autor.

Leia mais sobre a Independência do Brasil:

- PEDREIRA, Jorge e COSTA, Fernando Dores, D.João VI - Um Príncipe entre dois continentes, Editora Companhia das Letras.

- SCHWARCZ, Lilia Moritz, A Grande Viagem da Biblioteca dos Reis, Editora Companhia das Letras.

- RODRIGUES, José Honório, Independência - Revolução e Contra-Revolução as Forças Armadas, Biblioteca do Exército Editora.

Esta matéria é reproduzida também no Blog Prédica e História, onde faço algumas referências ao processo de independência do Brasil:

Partidos Políticos

D.João VI

CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...