16 de fev. de 2010

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.Nascido livre, vale a pena viver.
Mas só vale a pena viver,
porque você nasceu livre.
(da música Born Free de Andy Willians e John Barry, para o filme "A História de Elza")


Sempre digo que o século XX foi pródigo em grandes homens.

Winston Churchill, Carol Woytila (o papa João Paulo II), Franklin Delano Roosevelt, Wladimir Ilitch Lênin, Golda Meir, Margareth Thatcher, Gamal Abdel Nasser, Mohandas Ghandi, Jawaharlal Nehru, Madre Teresa de Calcutá, Lech Walesa, e muitos outros fizeram do século XX uma era de igualdade e direitos jamais imaginada no passado.

Grandes homens são o farol da civilização. O sacrifício e a coragem são, historicamente, o motor das mudanças sociais, a inspiração para grandes movimentos de progresso e realização. Quando grassa a injustiça, o ser humano prostrado precisa de um líder.

Entre 1910, ano da independência do país, e os anos finais do século XX, na África do Sul os negros foram gradualmente isolados em guetos onde não tinham autorização sequer para empreenderem atividades econômicas que lhes vislumbrassem a melhoria de suas condições sociais. A eles eram negados os direitos políticos e os econômicos, suas vidas resumiam-se a experimentar a miséria eterna sob o jugo cruel de um regime racial baseado exclusivamente na opressão violenta que lhes negava a terra onde trabalhar e mesmo a discussão sobre as injustiças que lhes acometiam (Steve Biko, ativista, foi assassinado e seus algozes jamais foram julgados por alegada falta de provas). Mesmo aos negros que eram autorizados ao convívio com os brancos, não era permitida mais que uma relação de servilismo escravo.

Faltavam pouco mais de 10 anos para o fim do século, quando a tensão social explodia e a população negra, que era a maioria absoluta naquele país chegava ao seu limite. Foi mais ou menos a época em que ouvi falar pela primeira vez de um líder incomum, condenado à prisão perpétua por traição e terrorismo e cumprindo sua pena após pegar em armas mesmo pregando a paz, revoltado com o massacre de 69 indefesos e desarmados que pediam melhores condições de vida em 1960.

Alguém que durante a vida fez declarações díspares como “...entre a bigorna que é ação da massa unida e o martelo que é a luta armada, devemos esmagar o apartheid...” e “...unam-se, mobilizem-se, lutem!...” e também pregou comiseração ao dizer que “...uma boa cabeça e um bom coração formam uma formidável combinação...” ou ainda pregar que “...não há caminho fácil para a Liberdade...”.

E da prisão sua imagem serena inspirava a luta de um povo cansado de lutar pela Liberdade, que não queria a guerra mas precisava de um líder, uma luz na escuridão da injustiça.

Então, o destino elegeu presidente dos brancos um pequeno herói de nome Frederik de Klerk, cujo grupo político compreendera que aquele regime não se sustentaria, que o mundo mudara e mesmo que entre os negros havia um líder, cuja ascendência tornaria impossível a manutenção do apartheid.

Nelson Mandela foi libertado em 12 de fevereiro de 1990. Naquela ocasião, levantou o braço direito em um ângulo de 45 graus com o punho cerrado, marca da resistência heróica do seu povo. Mas pregou a conciliação ao invés da vingança, abdicando da guerra para trabalhar pela paz como nenhum outro ser humano nos últimos 20 anos. Nem a injustiça de sua prisão e as acusações de trair o país que sempre amou e de um terrorismo que jamais praticou, foram suficientes para desviá-lo de seu sonho pelo “...dia em que todas as pessoas levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos...”.

Mandela é advogado de formação, fundador do Congresso Nacional Africano em 1942, signatário da Carta da Liberdade de 1955, Nobel da Paz de 1993 (em conjunto com Frederick de Klerck) “pelo trabalho de pacificação com o fim do regime do Apartheid e pela fundação da nova democracia da África do Sul”(**). Em 1994 foi eleito presidente de seu país e ao contrário do que se poderia imaginar de alguém que chegara ao poder como ele, não manobrou por sua reeleição, entregando o cargo em 1999 e deixando oficialmente a vida pública em 2004, quando virou símbolo de um país saído das trevas, a pregar a Justiça e a Igualdade, a luta incesssante e sem tréguas pelos direitos humanos e pelo combate à AIDS.

É o grande herói nacional da África do Sul porque foi capaz de unir o país no complicado processo de integração racial ainda em curso, sem atentar contra a democracia nem pregar o ódio ao passado.

Mandela é um daqueles seres humanos especiais, que merecem cada uma das muitas homenagens, como o Nobel da Paz de 1993, a honraria maior da multirracial Índia, o Bharat Ratna em 1990, o título de Cidadão Honorário do Canadá em 2001 e o de Embaixador da Consciência em 2006 pela Anistia Internacional. Mas a homenagem mais singela e bonita que reconheci à sua pessoa, foi feita pelo grupo musical típico chileno, Illapu, cuja letra diz o seguinte:


La noche que anda de negro
cargada de soledad
que se levante Mandela
Mandela, mande ya

La noche que anda escondida
y sigue siempre esperando
debe ser el mediodia
o la manana cantando

Mande Mandela, Mandela ya!
que la noche se levante,
y no se vuelva acostar!


Neste ano de 2010, quando o mundo será recepcionado na terra de Mandela para uma festa esportiva, vamos prestar a merecida homenagem para este homem que honrou àqueles que acreditam na paz e entrou para a história da luta dos direitos de todos nós seres humanos.


(*) Número de inscrição de Nelson Mandela na prisão na qual ficou por 28 anos.
(**) Palavras da comissão que defere o Prêmio Nobel.

7 comentários:

  1. É torcer para a Seleção deles irem o mais longe possível na copa. E que a seleção brasileira seja campeã. Se a deles não ganhar. Será que ganha?

    Por outro lado, você sabe dizer quantos milhões de negros morreram durante o Apartheid?

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  2. Adão,

    Eu bem que tentei encontrar informações sobre isso, mas as estatísticas são confusas porque:

    a) O regime do apartheid não fazia questão de contabilizar as vítimas ou, se o fazia, não divulgava;

    b) Muita gente não foi exatamente assasinada. Muita gente morreu de fome e de doenças que não foram tratatas nos guetos.

    É certo que uma pesquisa mais abrangente mostrará a quantidade de ativistas mortos na luta contra o regime, que não foram poucos.

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  3. Não resta dúvidas quanto a importância desse homem, não só aos africanos, mas para o resto do mundo.

    Políticos cuja intenção é se perpetuar no poder, com certeza desconhecem ou esquecem o teor da biografia de Mandela.

    Pelo que fez, ganhou poucos prêmios...

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  4. Eu fui à África do Sul e lá ele é um deus. No tour pela cidade, a capital, a gente passa na frente da casa dele, uma mansão .Admirável uma pessoa não guardar rancor de anda nem de ninguém e ver a vida pelo lado bom.Eu não quis ir à cadeia onde ele ficou.

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  5. Mandela tem espírito conciliador, ele não é movido pela gasolina da deusa Eris, aquela que distribui a discórdia. Um lider tem que ser conciliador, tem que ter vontade de acordar, fazer pactos sociais, negociar etc... Ele poderia muito bem sair da prisão e enveredar pelos caminhos do rancor, do ressentimento e da vingança. E nada disso ele fez. Lembro que em 85 só se ouvia uma música em Berlim, onde morei por alguns meses> Free, Nelson Mandela.

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  6. Sem duvida, um líder.

    Engana-se quem pensar que para ser um líder deve-se constantemente usar de bravatas para se impor, de tentativas de regimes autoritários, de não-respeitar, etc. Isto não significa liderança.

    Liderança significa exemplo. A capacidade de pensar no seu próprio povo de tal maneira que o energizem a lutarem com suas próprias mãos por suas melhoria de vida - porque tem alguem que acredita neles. Enfim, liderança é algo que não se aprende na escola. E este homem, com certeza, entende tudo isso.

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