9 de jan. de 2019

PADRE RUPERT MAYER - O TRIUNFO DA CONVICÇÃO


Introdução:

Na minha família, a história é de que meu avô encontrou o nome de meu pai em um resto de jornal no chão, lá em Jaraguá do Sul/SC, terra de colonos alemães, na década de 30.

Sim, meu pai se chama Rupert Mayer, um homônimo do herói que quero retratar neste texto singelo. Não se sabe, ao certo, se naquele jornal meu avô encontrou o nome do nosso herói ou apenas um “Rupert” remetendo ao duque da Bavária, príncipe do Reno, que viveu entre 1619 e 1682 na terra natal de nossos antepassados alemães. De qualquer modo, minha família não necessariamente veio da Alemanha como “Mayer”, ela pode ser “Mayr” ou mesmo “Meyer”, já que se sabe que meu avô tinha medo do nazismo e então batizou os filhos com um nome que não remetesse às famílias judias que na época já eram torturadas pelo regime criminoso liderado por Hitler.

Já faz certo tempo que penso em escrever sobre esta figura histórica. Foi quando um primo de meu pai, voltando de viagem à Alemanha, disse que, de repente, em Munique, se viu na “Rupert Mayer strasse” em frente à uma estátua do padre e nos contou em tom de brincadeira que nem lá, em outro continente, conseguia se ver livre do “alemão”, seu primo chegado numa cerveja e numa boa festa.

Enfim, faço esta introdução apenas para explicar que não tenho parentesco com o capelão, herói, beato e provavelmente santo, no futuro. Mas não deixa de ser uma homenagem ao meu pai e à minha família, afinal, ostentamos o nome Mayer de um herói, um homem que salvou vidas, que deu apoio espiritual e pregou sempre a palavra de Deus, inclusive para inúmeros não-católicos com quem serviu no campo de batalha, e até para judeus, muitos dos quais ajudou a salvar do horror nazista.

Nascimento, família e formação:

Nascido em 23 de janeiro de 1876 em Stuttgart, Alemanha, filho de comerciantes alemães, o segundo de dois meninos mais 4 meninas. Era uma família capaz de dar aos filhos a melhor educação e as melhores oportunidades, na infância estudaram música e formaram uma pequena orquestra caseira onde ele respondeu pelo primeiro violino, o que por si só já revela traços de sua personalidade.

Ao ser enviado pelo pai para estudar em Ravensburg, onde completaria seus estudos colegiais, encontrou antigos alunos do colégio jesuíta Stella Maris de Feldkirch, na Áustria, que por sua vez fizeram grandes elogios aos seus mestres. Instado a informar-se, Rupert fez um retiro, após o qual decidiu aderir à Companhia de Jesus. A família se opôs mas, não conseguindo demovê-lo da idéia, o convenceu a ordenar-se primeiro e, somente depois, em descobrindo a vocação, aderir à congregação que já sofria os efeitos do anti-clericalismo de época.

Estudou filosofia e teologia nas universidades de Friburgo, Munique e Tübigen, um ano em cada uma delas, e um quarto ano no seminário Rottenburg. Foi ordenado padre sem fazer o seminário completo em 2 de maio de 1899, designado para a paróquia de Spaichingen em Baden-Wüttemberg. Após um ano nesta paróquia, requisitou ao bispado juntar-se aos jesuítas, o que só conseguiu em um segundo pedido, pois isto implicava uma licença de suas funções sacerdotais para obter a formação congregacional.

Em 1o. de outubro de 1900 assume o noviciado, ficando até 1908 na formação congregacional, e até 1911 como missionário, tendo visitado a própria Áustria, a sua Alemanha natal, a Suíça e a Holanda, claro, lugares de idioma alemão.

O capelão dos imigrantes:

No início do século XX, a Europa era a sede dos grandes impérios coloniais.

O colonialismo assegurava matérias-primas baratas e abundantes, além de mercados cativos. As metrópoles experimentavam a industrialização forjada na necessidade de produzir modernos meios de transporte, marinhas de guerra e armamentos cada vez mais eficientes em prol da capacidade de manter o controle sobre as colônias e, consequentemente, o fluxo econômico que delas emanava, numa época conturbada, da aurora do nacionalismo e dos processos de independência de inúmeras nações colonizadas, numa velocidade nunca antes experimentada: “Observadores atentos de todo o mundo se maravilhavam com essa tempestade de mudanças, uma rajada após a outra. A tempestade era, na verdade, o próprio século 20. As mudanças tendiam a acontecer mais rapidamente em questões que envolviam a matéria – armas que aniquilavam a vida e remédios que a prolongavam, transporte, energia, modos de poupar o esforço humano.” (BLAINEY, Geoffrey, Uma Breve História do Século XX, Editora Fundamendo, 2008, p. 37).

Essa industrialização causou grande êxodo rural, que teve por efeito o afastamento dos fiéis de suas igrejas natais e o excesso de oferta de mão-de obra, que gerou baixos salários e desemprego porque o processo não era capaz de absorver toda a força de trabalho que se apresentava. Além disso, sérios problemas de urbanização causando bolsões de miséria e guetos, onde logo proliferaram os discursos salvacionistas e radicais que acabavam encontrando seguidores.

Tempos em que as discussões filosóficas chegaram às massas sob a forma de pressão política: greves por melhores salários, reivindicações por empregos e melhores condições de vida. Obviamente era muito mais fácil arregimentar adeptos nas concentrações urbanas que no campo. A Alemanha (e a Europa) convivia com conservadores, liberais, sociais-democratas, socialistas, comunistas e anarquistas. Todas as idéias tinham adeptos, todas elas tinham chances de prosperar e obter poder político.“Quando se tratava da difusão de novas ideologias, entretanto, as transformações não eram tão facilmente previsíveis. O romancista Victor Hugo, que escrevia em francês – a língua que havia expressado muitas das novas ideias -, proclamava a força inexorável da mentalidade dinâmica cuja época havia chegado. 'É possível resistir à invasão de qualquer exército, mas não é possível resistir à invasão das ideias', escreveu. De fato, algumas das novas ideias presentes nos campos da religião, da economia, da política e da filosofia avançavam e recuavam de modo desordenado. Ondas de pensamentos se chocavam contra conceitos pré-existentes no inicio do novo século. Cada vez mais, europeus ouviam as palavras de ordem dos socialistas e anarquistas, os pedidos das mulheres por direitos iguais e as queixas das minorias étnicas...” (obra citada, p. 37). E muitas destas ideias e filosofias eram anti-clericais, o que, repita-se, na Alemanha era mais acentuado contra a Igreja Católica.

Foi neste contexto que, em 8 de janeiro de 1912, Rupert Mayer assumiu a função de capelão dos imigrantes em Munique, capital da Baviera, uma das florescentes metrópoles industriais daquele país que ainda conservava um imperador poderoso e quase absolutista em uma economia em que as massas de trabalhadores clamavam por poder político e eram instados a odiar a religião e ver as igrejas como inimigas, na esteira da pregação de sociais-democratas, anarquistas, comunistas, socialistas de várias correntes e bem depois, do nazismo.

Foi designado especificamente para cuidar das massas de pessoas que chegavam do campo para uma cidade em rápida industrialização, mas onde o desemprego já era alto e onde não havia condições urbanas e de abrigo para todos que à ela acorriam.

Ao invés de esperar os fiéis na igreja que não conseguia abrigá-los, Mayer levou a palavra jesuíta aos imigrantes. Saiu pela cidade abordando andarilhos nas calçadas, visitando barracos e comunidades pobres fazendo amizades, promovendo o evangelho e prestando pequenos favores, encaminhando trabalhadores a sindicatos onde sua inscrição era obrigatória para obter empregos, e a lugares onde havia propostas de trabalho. Fez isto e arregimentou milhares de fiéis que o acompanharam na tarefa, gerando uma mobilização que melhorou em muito as condições de abrigo e emprego dos imigrantes e da cidade, com visíveis efeitos sócio-econômicos. “O problema não tinha sido resolvido, longe disso; mas pelo menos agora era bem conhecido de todos, o que tornava bem mais fácil a tarefa de encontrar uma maneira de solucioná-lo. A simples burocracia não seria suficiente; requeria-se contato pessoal e humano: os recém-chegados seriam bem acolhidos e ajudados para se matricularem em algum sindicato de trabalhadores, sem o qual permaneceriam incapazes de conseguir emprego. Deveriam ser levados a entrar em contato com a Igreja e, para tanto, era necessário também enfrentar a propaganda anti-religiosa. Os habitantes das aldeias deveriam ser esclarecidos acerca das dificuldades que os esperavam na cidade grande; se aí já existia desemprego, o problema seria mais agravado pela imigração em massa(...)”(ECHANIZ, Ignacio – Paixão e Glória – História da Companhia de Jesus em corpo e alma, volume IV, p. 181).

Já neste episódio se afirmavam características pessoais que permearam toda sua vida: vontade férrea, profunda religiosidade, a grande preocupação e dedicação pelo próximo. “A vida do P. Rupert Mayer constituiu síntese convincente do anúncio do Evangelho e e do compromisso em favor dos pobres e oprimidos”. (Carta do Superior Geral dos Jesuítas, Roma, 19/01;1987, anunciando a beatificação).

Cada soldado deve saber que o capelão é seu melhor amigo.”

Como já dito, em 1914 a Europa vivia a efervescência cultural e política decorrente do êxodo rural e do crescimento das cidades. A Primeira Guerra Mundial foi um conflito causado inclusive por estes fatores, aliados ao nacionalismo que foi tomando tons extremos com o passar do tempo.

Quando eclodiu a grande guerra, descobriu-se que todo aquele avanço tecnológico (armamentista), e toda aquela efervescência ideológica à tornou muito mais grave e violenta, mais destrutiva e marcante do que qualquer outra na história. O historiador JOHN KEEGAN diz que “No início de julho de 1914, havia cerca de 4 milhões de europeus uniformizados; no final de agosto, havia 20 milhões, e muitos milhares já haviam sido mortos. A sociedade guerreira submersa irrompera armada na paisagem pacífica e os guerreiros travariam a guerra até que, quatro anos depois, não conseguissem mais lutar.” e complementa que muito desse estado de coisas foi decorrente dos embates filosóficos, dizendo ainda que “A ideologia da 'guerra verdadeira' foi a ideologia dos exércitos da Primeira Guerra, e o destino estarrecedor que aqueles exercitos construiram para si mesmos, graças a seu fervor para com essa ideologia...” (Uma História da Guerra, Companhia das Letras, 1995, p. 40).

Enfim, foi uma guerra cuja duração e violência estarreceram a humanidade, influenciando os rumos da história ainda por muitas décadas, visto que, do conflito, emergiu um Estado comunista, desapareceram impérios milenares e se construiu um novo mapa europeu sem a Alemanha como superpotência.

É importante que se saiba disso, porque Rupert Mayer foi um personagem daquela guerra, e deveu à isto inclusive sua própria vida durante o embate ainda mais perigoso que teve contra o nazismo 20 anos depois.

Em 1914 alistou-se voluntariamente no exército alemão para exercer a função de capelão, com a intenção de servir no campo de batalha, que, no caso, também foram as trincheiras que caracterizaram aquele conflito.

Somente em agosto de 1915 foi nomeado capelão-chefe da 8a. Divisão de Reserva da Baviera, quando deixou do trabalho em um hospital militar para o qual fora inicialmente lotado e passou à linha de frente do conflito, tendo estado em batalhas na França, na Polônia e na Romênia.

Minha vida está nas mãos de Deus” ele respondia quando indagado sobre suas incursões ao campo de batalha. Ele entendia que deveria estar ao lado dos jovens soldados, arriscando a vida como eles. “-O que o senhor pretende fazer aqui? Não é possível ajuntar os homens para um culto religioso.” lhe disse um capitão, com a resposta: “-Não me importa. Eu simplesmente irei com você até as trincheiras para falar com os soldados”.

Novamente, a exemplo de sua atividade em Munique, com grande esforço pessoal e com a prática de atos de amizade, compaixão e heroísmo, ganhou a mais alta consideração tanto dos soldados católicos, quanto dos protestantes e judeus que lutaram pelo império.

Esteve presente nos campos em pleno bombardeio, ministrou sacramentos abaixo do zumbido de metralhadoras e fuzis em plena carga, arrastou-se para aconselhar quem lhe pedia conselhos em pleno combate, ajudou o corpo médico, arrastou feridos para detrás da linha de batalha transferindo-os para os auxilios médicos. Foi condecorado diversas vezes por bravura e indicado à mais alta condecoração das forças armadas germânicas, a Cruz de Ferro de 1a. Classe, honraria que, embora tenha sido muito deferida naquele conflito, carrega uma carga histórica e nacional de alta importância entre os alemães.

Numa época em que os jesuítas não eram bem vistos na Alemanha, foi o primeiro capelão militar e primeiro religioso a recebê-la. Mais que isso, a recomendação para a honraria partiu do general da sua divisão, que era protestante e que declarou: “Nós fomos capazes de manter uma posição muito importante, devido ao exemplo de coragem dado pelo Padre Rupert Mayer”.

A coragem cobrou seu preço na perda, em batalha, da perna esquerda, quando em 30 de novembro de 1916 foi ferido por um obus, tendo sofrido duas amputações consequentes dada a grande perda de sangue e à uma infecção. Novamente sua vontade férrea se manifestou e, 27 de outubro de 1917 voltou a celebrar uma missa, em pé, já adaptado à perna artificial.

No entre-guerras:

Na carta do superior geral dos Jesuítas quando da beatificação de Rupert Mayer, se disse que “Foi sobretudo no tempo intermédio entre as duas guerras mundiais que esta testemunha crítica e valorosa da fé apresentou uma figura profética, que sempre constituiu um repto”.

A guerra acabara, mas a efervescência política e ideológica, não.

Em contrário, agora a Alemanha se encontrava no caos político e econômico. Eram monarquistas versus republicanos, anarquistas versus nacionalistas, capitalistas versus comunistas, radicais de esquerda e de direita, partidos políticos nacionais versus regionais, golpes e contra-golpes regionais, a desencontrada República de Weimar e o peso colossal da indenização que foi imposta à Alemanha, que, em várias ocasiões gerou conflitos e agressões externas decorrentes de uma guerra que não fora causada somente por ela.

E um enorme contingente de mutilados de guerra nem sempre contritos, nem sempre conformados. E inflação, desemprego, desesperança, miséria e caos generalizado. Era assim na Bavária, era em Munique, era em toda a Alemanha que emergira da guerra como um país menor, não mais associado ao império Austro-Húngaro que fora extinto, e somente um pouco maior que a velha Prússia que era seu modelo histórico de governo forte e não necessariamente democrático representado na figura do imperador, agora tendo que aprender a ser uma democracia praticamente imposta pelo Tratado de Versalhes.

E o anti-clericalismo também, afinal, a Alemanha não deixara de ser o berço de vários movimentos socialistas, do comunismo e do anarquismo, além de ser predominantemente protestante entre quem era religioso.

Mas novamente, o diálogo, a amizade e o evangelismo de Mayer voltou a trabalhar pela paz. “O povo alemão não poderia ser salvo com o auxílio de outras nações: a melhor forma para a reconstrução nacional estava na prática da fé cristã”. (ECHANIZ, Ignacio, obra citada, p.183). Foi um tempo em que arregimentou fiéis tal qual em Munique na década anterior, trabalhando com eles na pacificação da cidade, assumindo a Congregação Mariana que já contava com 2.500 membros, logo elevados para mais de 8 mil.

E neste tempo, esteve nas assembléias partidárias, inclusive as comunistas e nazistas, nos comandos de greves, nas reuniões de revolucionários, nos julgamentos e nas diversas ocasiões em que os conflitos ideológicos roubavam a paz da Bavária e de Munique e ao mesmo tempo ameaçavam a fé e a Igreja Católica.

Foi uma época em que seu prestígio, conquistado pela bravura em combate na grande guerra, representado inclusive pela Cruz de Ferro que não raro ostentava com a batina, foi acrescido pelo trabalho apostólico que combatia radicalismo em prol do bem estar dos pobres e dos oprimidos que voltara a assistir tão logo recuperado do ferimento de guerra. Exercitou a fé e o amor em contraponto ao radicalismo latente.

Passou a ser uma referência, um indivíduo acima das opiniões e radicalismos, o “apóstolo” de Munique.

Hitler:

Presente em muitos eventos partidários na defesa da igreja e da fé, Mayer teve seu primeiro contato com Adolf Hiter em 1919, uma época em que este ainda pregava um “cristianismo positivo” e não se apresentava anti-religioso.

Nestes primeiros contatos detectou em Hitler certa histeria, amainada por alguma coerência de idéias. Mas não tardou a constatar completa incompatibilidade entre o catolicismo e o nazismo, cujo ódio sistemático e os traços de personalismo, totalitarismo, nacionalismo patriótico extremado e anti-semitismo entendia incompatíveis com o amor cristão.

Como não se furtava a levantar a voz na defesa pública da religião e seus princípios, na medida em que o nazismo cresceu também aumentou a pressão sobre ele. Diz-se hoje que, já no “putsch” de 1923, alguns nazistas pensaram em assassiná-lo, provavelmente mudando de ideia para que não se criasse uma figura martirizada pelo movimento, que, em época, não se apresentava como radicalmente anti-religioso. Com o passar do tempo e o aumento de poder do partido, o anti-clericalismo se mantinha, mas o discurso anti-clerical foi desaparecendo, de modo que, em 1935, já muito tempo depois de Mayer deixar de frequentar (por medo) as reuniões partidárias, começaram as retaliações abertas contra coletas de fundos, contra as escolas católicas que sofriam boicotes e uma campanha de desmoralização do clero, que era espionado, tendo todos seus defeitos transformados em escândalos que a imprensa oficial tratava como decadência e corrupção generalizadas.

O fato é que Rupert Mayer insurgiu-se contra tudo isto tanto em suas pregações quanto em seus atos como líder da igreja em contato com as autoridades. E o fez em em todo o país, viajou pela Alemanha fazendo até 70 pregações mensais, seis o sete delas aos domingos, tornando-se um opositor com popularidade que impedia que os órgãos de repressão (a Gestapo) o calassem.

Seu embate contra Hitler passou a ser aberto, era um padre católico que enfrentava o nazismo e especialmente sua máquina de propaganda, na época voltada contra o clero, usando de espionagem e campanhas difamatórias generalizadas.

"Um homem deve obedecer mais à Deus que aos homens”

Viajando pelo país, pregando contra o o Estado nazista que coagia a igreja foi preso inúmeras vezes, algumas delas em Landsberg, mesma prisão onde Hitler havia cumprido sua pena pela tentativa de golpe de estado. A Gestapo passou a acompanhar seus passos, uma vez que sua pregação era direta: o nazismo era contrário aos valores defendidos pela igreja, um católico não poderia ser nazista.

E mesmo perseguido, só agregou audiência. As igrejas ficaram pequenas para seus sermões que passaram a ser feitos em praça pública.

Incomodando um regime que não hesitava em simplesmente matar seus oponentes, sua popularidade o salvou da morte sumária.

Em 7 de abril de 1937, a Gestapo emitiu a ordem: “Uma vez que o Padre Rupert Mayer é nocivo ao Estado com sua pregação, ele fica proibido de pregar”, o que lhe foi comunicado pessoalmente em 28 de maio, quando negou-se a calar, seguindo-se, em 5 de junho a primeira prisão pela Gestapo, ao mesmo tempo em que esta promovia uma campanha inflamada acusando os jesuítas de todos os tipos de crimes, usada para afastar o padre do centro das atenções.

Mas de pouco adiantou. Preso, logo todas as paróquias de Munique souberam do fato e ocorreram manifestações. E à prisão acorreram outros religiosos que se negaram a delas saírem sem vê-lo pessoalmente, garantindo à população que estava vivo, o que manteve a atenção do público sobre as autoridades nazistas.

Ofereceram-lhe liberdade se deixasse de pregar, depois, o direito de pregar apenas na igreja jesuíta de São Miguel em Munique. Negou-se, “Eu devo seguir minha consciência e continuar pregando” e declarou isto por escrito, o que causou sua condenação formal, tirando-o das mãos da polícia política, sendo enviado para uma cadeia comum até o julgamento em 22 de julho, quando foi condenado, mas solto, em razão da pena de 6 meses, pelo que foi instado a ficar 7 meses sem pregar para não prejudicar a igreja e a congregação jesuíta.

Mas como isto causou uma impressão de covardia e de curvar-se à Gestapo, não cumpriu o prazo e voltou a pregar já em dezembro, o que o levou novamente à prisão em 1938, sendo libertado pouco antes do fim de sua pena, dando-lhe oportunidade de estar presente na procissão de Corpus Christi, quando foi ovacionado pela população, com a renovação da ordem da polícia política em não pregar, o que acabou sendo-lhe determinado pelo cardeal provincial.

Deixou o púlpito mas continuou seu apostolado no contato pessoal, sendo que, em 1939, foi chamado novamente a depor, pois a Gestapo queria informações sobre conspiradores contra o Estado que eram eventualmente recebidas em confissão. Recusando-se a informar nomes em respeito aos seus deveres de sacerdote, acabou novamente preso, com ordem expressa de Heinrich Himmler, de que assim ficasse até o fim da guerra, por apoiar “movimentos hostis ao Estado”.

A popularidade de Rupert Mayer o havia salvado da tortura e da morte nas mãos da Gestapo, e mesmo a prisão que seguiu-se à ordem de Himmler também foi afetada pela opinião pública. Recolhido a um campo de concentração, sua saúde apresentou rápida deterioração novamente causando preocupação no Partido Nazista, a mesma que ocorrera em 1923, pois de viesse a morrer na prisão, forte reação popular era esperada, com a possibilidade de se criar um mártir que atrapalhasse os planos de poder.

Então, uma negociação entre a igreja e o partido o enviou para o mosteiro de Ettal, onde ficaria recluso sem direito a pregar e sem funções sacerdotais, inclusive não podendo receber confissões. Fora calado pela Gestapo, “Embora esteja vivo, fui declarado morto, de uma morte muito pior que o falecimento real que enfrentei tantas vezes”, foi dado como um homem doente em tratamento.

Ficou recluso até as tropas norte-americanas chegarem ao mosteiro, quando no mesmo dia, 6 de maio de 1945, voltou a pregar na igreja da abadia.

Em 11 de maio volta à Munique e em 27 do mesmo mês, já abatido e muito doente volta a pregar na cidade que o tornou respeitado em todo país pela sua coragem, sua vontade férrea e suas convicções.

E não deixou de lutar contra o nazismo e então, também contra os efeitos da desnazificação levada a cabo pelos americanos. “A longa série de sofrimentos que Mayer sofrera sob o poder nazista habilitavam-no a falar livremente e ele aproveitou plenamente essa vantagem da autoridade moral que o passado lhe conferia. Escreveu mais de 300 cartas intercedendo por pessoas que tinham sido depostas de seus cargos por causa de suspeitas sem fundamento” (ECHANIZ, Ignacio, obra citada, p.192). Impediu que o nazismo fizesse outras novas vítimas em razão da necessidade de ser extirpado.

Em 31 de outubro de 1945, exausto da luta de décadas, cansado da guerra e de suas consequências, mas ainda ativo contra as injustiças causadas pelo nazismo e no púlpito, sofreu um derrame cerebral vindo a falecer no dia seguinte.

Beato Rupert Mayer:

Diz o blog Santos? Todos! que “Nenhum santo é santo só por aquilo que fez de forma heróica, porque nunca o teria feito se antes não existisse a consciência de um amor incondicional e gratuito, e o desejo de uma resposta coerente a este amor. Assim, a santidade é muito mais uma rendição do que uma conquista, porque é fruto, não tanto do esforço, mas da gratidão. O grande trabalho é interior, aquilo que por fora se vê é reflexo do que por dentro se experimenta e do que se quer dar testemunho”. (santostodos.blogspot.com)

A pregação de Rupert Mayer salvou vidas, alertou as pessoas a fugirem ou se prepararem para as privações. Esteve presente em todos os movimentos que buscaram impedir a ascenção de Hitler e do nazismo, chegou a ser agente do papa Pio XII nas tarefas de informação e contra-informação, na espionagem e na luta para que a guerra não ocorresse e depois, que acabasse. Salvou católicos, protestantes, judeus e ateus do horror, suas palavras impediram males muito maiores, foi um pequeno agente de Deus a confrontar um demônio colossal.

As poderosas convicções do “apóstolo de Munique” levaram o papa João Paulo II a beatificá-lo em 3 de maio de 1987.

Em 19 de janeiro daquele ano, o Superior Geral da Companhia de Jesus assim declarou em carta que anunciava a beatificação: Da profundidade da sua pessoa brotavam-lhe as convicções, que expressava, imperturbável, nas palavras e nas acções. Estava interiormente ancorado em Deus; isto levava-o a discernir os espíritos e tornava-o capaz de sair sem condições em defesa dos direitos de Deus e dos homens. A exclamação de S. Paulo: 'Ai de mim se não proclamar o Evangelho'(1 Cor 9:16) era também realidade para ele. "Não posso calar-me", era lema que inspirava o seu compromisso em favor da verdade espezinhada. As suas últimas palavras foram: 'O Senhor... O Senhor'. Morreu enquanto pregava, anunciando Aquele em tomo de quem tinha girado toda a sua vida: 'Senhor, como quiseres, quando quiseres, o que quiseres e enquanto Tu o quiseres... assim se faça"; esta a sua oração favorita. entrega em defesa da verdade não se limitou apenas a palavras. Todo o seu falar ia acompanhado por um amor prático do próximo. A vida do P. Rupert Mayer constituiu síntese convincente do anúncio do Evangelho e do compromisso em favor dos pobres dos oprimidos. Viveu de muitas maneiras "o amor preferencial pelos pobres". Nos pobres encontrava ele o Senhor em pessoa. Nisto é para nós modelo. E também o é noutro aspecto: na Congregação Mariana formava ele leigos convictos das suas responsabilidades, que foram os seus colaboradores, extraordinariamente activos na propaganda da fé, no compromisso em favor dos perseguidos e na ajuda aos necessitados. A atuação do P. Mayer ensina-nos, além disso, exemplarmente, o esforço constante para acomodar nosso apostolado às circunstâncias do momento e a empreender novas iniciativas, de acordo com as exigências duma época em mudança”.

Foi feito beato pela força das suas convicções.

Sua capacidade de agregar gente à uma causa como lider religioso numa época de desemprego e privações lhe valeu a amizade de milhares de pessoas. Depois, seus atos de heroísmo no campo de batalha o agraciaram com a mais alta condecoração militar alemã, ao mesmo tem em que granjeou respeito e admiração das massas, a quem ele soube retribuir com fé inabalável, amor ao próximo e a insistência em levar a palavra de Deus a todas as pessoas, mesmo nos momentos mais difíceis de sua própria existência. Foi o agente da luz divina na escuridão assustadora de uma época, morreu praticamente ao mesmo tempo em que nazismo era banido da Alemanha, combateu o bom combate, venceu a luta ao preço da sua própria vida, mas não desistiu daquilo em que acreditava.

Conclusão:

Os textos curtos da internet nem sempre conseguem demonstrar a dimensão histórica de uma pessoa. É por isso que faço perfis e os publico aqui, tento agregar as muitas informações em um texto só, que dê uma visão geral da vida que tento retratar.

Sem pretensão de substituir o trabalho dos historiadores, cujas teses podem divergir do que escrevo ou mesmo encontrar imperfeições, quis apenar homenagear o exemplo de fé e coragem do padre cujo nome também é o do meu pai.

É certo que as minhas opiniões pessoais podem ter causado imperfeições técnicas, mas em verdade, minha intenção foi a de fazer um resumo da vida e da obra de um grande homem cujo sobrenome por acaso eu carrego.

Grandes homens são o farol da humanidade, os seus exemplos são a luz que Deus nos envia como guia. No caso de Rupert Mayer, além do exemplo, me impressiona a força da sua palavra, a capacidade que ele teve em pregar.

Numa internet onde textos longos são ignorados, espero que quem tenha a paciência de ler este texto até o fim entenda o verdadeiro sentido da homenagem, que é o de acreditar nas palavras e nas boas ações que elas inspiram.

Curitiba, 8 de janeiro de 2019.

7 de jun. de 2018

A BUROCRACIA FEZ O FRETE VIRAR CONFUSÃO



No Brasil existem os Ministérios de Minas e Energia, Fazenda e Planejamento, além da Agência Nacional do Petróleo e da Receita Federal, que não tiveram a capacidade de calcular direito, para chegar à conclusão de que a redução de R$ 0,46 por litro de diesel era impossível com o acréscimo de biodiesel na mistura que chega aos postos. 

Tampouco a assessoria do Presidente da República (o Palácio do Planalto conta com 5000 funcionários) foi capaz de alertá-lo para não definir valor exato para a redução ofertada aos caminhoneiros, porque isto seria temerário em um contexto em que existem milhares de agentes privados envolvidos na equação, em distribuidoras e postos de combustiveis pelo país afora.

O país também conta com um Ministério dos Transportes, um da Indústria e Comércio, um da Agricultura e uma Agência Nacional de Transportes Terrestres, além de diversas agências regionais de transportes e de estradas. Mesmo assim, ao criar a tal tabela de preços para os fretes, desagradou meio mundo, provocou uma bolha inflacionária e deu dar força às ameaças do movimento dos caminhoneiros em parar o país novamente.

É um arcabouço burocrático e fiscal tão grande e custoso, quanto incompetente e inútil, dentro de um contexto em que não consegue fazer contas básicas, nem conhece absolutamente nada da realidade do país. 

Mas baixa regras estúpidas e promete mundos e fundos. 

Milhares de funcionários, uns concursados, outros não, agentes políticos e conselheiros indicados por políticos, todo mundo andando em círculos, sem nenhuma ação efetiva pelo bem do país e quando são chamados para resolver um problema imediato, o pioram!

São ministérios que viraram antros de contratados em confiança e agências reguladoras incapazes, que não servem para nada além de emitirem guias de anuidades, taxas e autos de infração, entulhando a vida do cidadão com burocracia insana e sem fim.

O que vai sobrar disso?

Simples: todo o aparato burocrático e fiscal do Estado agora vai se voltar para MULTAR caminhoneiros, transportadoras e contratantes de fretes se ousarem não cumprir a tal tabela mágica. E distribuidoras e postos de gasolina que não repassarem, mesmo com prejuízo, o tal desconto miraculoso de R$ 0,46 por litro de óleo diesel.

Só não vão se insurgir contra a sacrossanta Petrobrás com seu monopólio criminoso e seus custos colossais para fazer mais caro o que petroleiras privadas fazem com menos funcionários e mais eficiência.

A Petrobrás não sofre nada, afinal, ela é parte do mesmo Estado paquidérmico, burocrático e ineficiente que abriga tantos ministérios e agências reguladoras.

Enfim, a greve dos caminhoneiros continua deslindando o verdadeiro Brasil, aquele que todo mundo sabe, mas não admite que existe, e que só se revela nestas horas de tormento.

1 de jun. de 2018

PEDRO PARENTE LARGOU OS BETS


Aqui em Curitiba, largar os bets é desistir de um jogo de bola e taco, que é tão complicado que mesmo que eu faça um esforço enorme de memória, não consigo lembrar das regras. Mas enfim, largar os bets é cansar de um negócio que já está te exaurindo, é capitular, desistir, entregar o ouro pro bandido, ir para casa, procurar paz de espírito.

Pedro Parente foi chamado para presidir a Petrobrás quando o PT e o PMDB conseguiram a façanha de, mesmo ela sendo monopolista, estar deficitária e com o título de empresa com a maior dívida entre todas no mundo, em rota de falência igual à sua sua irmã PDVSA, que foi destruída pelo ladrão Hugo Chaves e pelo idiota Nicolas Maduro, ambos ditadores, ou seja, nossa suposta democracia não deve nada a regimes de exceção.

Eu já escrevi aqui que a Petrobrás é única no mundo, é uma empresa organizada na forma de estatal monopolista com ações em bolsa, e não em qualquer bolsa, porque seus papéis estão na NYSE e no Ibovespa, e provavelmente em alguns dos principais pregões pelo mundo afora.

Seus funcionários são estáveis e, por mais incompetentes, desonestos e descompromissados que alguns sejam, estes não podem ser demitidos, o que faz com que o custo de mão-de-obra da empresa seja 3 vezes maior que o de concorrentes que faturam o triplo. É um monopólio, somente ela negocia derivados de petróleo no país, porque apesar do discurso do mercado livre, ninguém ousa importar combustíveis e deparar com o imenso aparato burocrático e fiscal do governo brasileiro, que tudo faz para protegê-la de concorrentes. Ademais, por lei, ela negocia na marra o etanol que não produz, com uma margem mínima para que ele jamais seja vantajoso em relação à gasolina da empresa. É um monstro que transfere para os seus preços toda a sua incompetência e e engessamento, além dos resultados da corrupção endêmica, causada por sua simbiose com a política e o Estado que à protege do mercado, e que faz com que tenha que comprar navios e plataformas dentro do país pagando 3 vezes mais caro, doar refinaria para a Bolívia ou construir planta industrial de R$ 5 bi, que acaba custando 14 vezes isto sem sequer entrar em funcionamento.

E ao mesmo tempo, é uma empresa que deve explicações a milhares de acionistas, muitos dos quais aplicaram seus saldos de FGTS para serem sócios de uma companhia de petróleo e, que por óbvio, querem lucro. Nenhum metalúrgico do ABC, mesmo filiado ao sindicato que é feudo da CUT, aceita que o dinheiro do seu FGTS seja corroído por prejuízos, mesmo em nome do “Capitalismo de Estado”, eufemismo criado por Dilma Roussef para sugerir a implantação de um modelo socialista de empresa que só serve mesmo aos políticos que mandam nela e aos seus altos funcionários, muitos deles nababos que ganham salários de 6 dígitos. Todo acionista quer lucro, se para tanto for necessário reajustar o preço dos combustiveis na bomba todos os dias, ainda assim ele quer lucro e que assim seja.

Pedro Parente será lembrado na história como o presidente da Petrobrás que criou esta política de reajuste diário, e não pelo fato de ter recuperado os resultados financeiros tão importantes para os milhares de acionistas, nem por ter diminuído a dívida colossal em igualmente colossais 130 bilhões a menos em dois anos. A memória nacional muito menos vai lembrar que ele fez tudo isso sem nenhum aporte do Tesouro Nacional, dinheiro que seria negado à saúde, educação e segurança, mas que ia salvar o investimento de quem comprou ações e se aventurou na bolsa, mesmo sabendo que a empresa era usada para as mais asquerosas manipulações políticas.

Vão dizer que Parente diminuiu a produção e aumentou a importação de derivados, aumentando a dependência dos preços da empresa ao dólar e ao mercado, mas não dirão que ele fez isso porque os custos operacionais da gigantesca petroleira "do povo" são imensamente maiores, sem a possibilidade de demitir ou exigir mais eficiência de quem trabalha lá, afinal, todos estáveis, bem remunerados e filiados à Federação Única dos Petroleiros (CUT), ávida por paralisar o país para derrubar todos os presidentes da empresa e da república que não forem socialistas.

Nestes dias de greve dos caminhoneiros, até mesmo contratos assinados por Parente foram devassados pela mídia, com o tom de que ele teria se aproveitado com o uso de parentes. Uma mídia que passou 10 dias mostrando postos de gasolina lotados de retardados com galões na mão, mas não se deu ao trabalho de esclarecer minuciosamente as ilações que fez contra um homem que foi contratado para salvar a companhia, e o fez.

Pedro Parente largou os bets no meio da quadra, caiu fora, cansou do show de horrores onde gente vai para a rua pedir intervenção militar, fora temer, volta lula, morte ao PT, cadeia para políticos e preços baixos de combustíveis nem que isso signifique destruir o resto da economia, uma população que não sabe de onde vem o dinheiro para atender suas demandas, muito menos  o que significa formação de preço ou custo operacional.

Bem fez ele, se eu pudesse largava os bets do Brasil...

31 de mai. de 2018

PÂNICO E CIRCO



Os caminhoneiros legaram ao Brasil um profundo conhecimento de sua índole como suposta nação, um lugar onde existem leis para tudo, e onde elas não servem para absolutamente nada, especialmente para conter o caos que sua gente causa.

O Lei de Greve proíbe o piquete que impeça o trabalho alheio, mas o que mais se viu nos últimos 10 dias foi coação escancarada contra quem quisesse transportar alguma coisa. Coação com violência física, que o Código Penal prevê e tipifica como crime, mas que não levou ninguém a cadeia!

A mesma Lei de Greve define que serviços essenciais não podem ser afetados, mas a primeira coisa que os grevistas fizeram foi tentar paralisar a mobilidade urbana fazendo piquetes na frente de refinarias, o que acarretou prejuízo à segurança, à saúde e à educação, tudo numa tacada só. 

Descobrimos que existe lei que define que o etanol não pode ser vendido direto da usina para o consumidor, e que há lei que garante à Petrobrás uma margem de competitividade da gasolina com o álcool (para que este não seja competitivo nunca). Descobrimos que temos leis anti-truste e anti-cartel, mas que somos um país único no mundo, que tem uma empresa que detém o monopólio sobre os combustíveis e ao mesmo tempo tem ações negociadas em bolsa, e contra quem ninguém ousa concorrer, porque todo o aparato do Estado se volta para impedir, mesmo que isso seja ilegal.

Aprendemos que há leis estaduais que aumentam o preço dos combustíveis acima dos índices praticados pela Petrobrás. E que a Lei de Responsabilidade Fiscal impede reduções de impostos sem compensação, a mesma que não impediu os estados de RJ, MG e RS de falirem de uma tal forma que não conseguem pagar os salários de seu funcionalismo. Aliás, a mesma lei que não impede que impostos sejam constantemente aumentados.

O Brasil é o império da lei que ninguém cumpre. Nesta crise de proporções apocalípticas, o Ministério Público não fez absolutamente nada, o Ministério Público do Trabalho omitiu-se e coube às procuradorias municipais conseguirem decisões que garantiam escolta em comboios de combustíveis, escolta esta que era negada pelas polícias se não houvesse liminar que mandasse elas garantirem a ordem, coisa que a lei já diz para fazerem independentemente de sentença.

Constatamos que mesmo com um arcabouço jurídico que deve ser contado aos milhões de normas legais, nossos governantes não sabem o que fazer com elas, aliás, tem medo das críticas e de ferir suscetibilidades, em um contexto em que ficam apavoradas em usar da autoridade que a lei lhes confere, com medo de terem isso confundido com autoritarismo.

Em qualquer país decente do mundo, um movimento dessa magnitude aceita uma suspensão por algum tempo quando o Estado acena com um acordo. Michel Temer acenou com um acordo, a greve continuou. Daí ele foi à TV dizer que usaria da força, e esta não foi usada e a greve continuou. Então ele aceitou todas as exigências financeiras e selou um acordo, para constatar que os manifestantes não queriam apenas isto, passaram a pedir sua renúncia ou uma intervenção das forças armadas, que a lei não autoriza em lugar algum para que elas assumam funções executivas, legislativas ou judiciárias.

Além de não se cumprir lei alguma, no Brasil tem gente que exige que se cumpra leis que não existem.

E caminhoneiros e infiltrados (que eram muitos, e com as piores motivações) só desistiram da greve quando começaram a ocorrer operações conjuntas entre polícias e forças armadas.

Estes são os aspectos do pânico.

Porque o circo também foi armado. Menos de 36 horas depois de iniciada a paralisação, já havia filas nos postos de combustíveis, mesmo com os "espertos" aumentando abusivamente preços do que tinham em estoque. Dos postos de combustíveis, as filas migraram para os supermercados, farmácias e fornecedores de gás de cozinha. 

A histeria coletiva fez o preço dos hortifrutigranjeiros disparar. Num estalar de dedos, quem nunca come salada ficou desesperado porque não havia mais tomate, mesmo querendo pagar 10 vezes o preço do quilograma, para não ficar sem o precioso legume. E os combustíveis passaram a ter preço de guerra, porque as madames que só usam a SUV branca para levar os filhos na escola e parar na academia, precisaram desesperadamente encher seus tanques que ainda estavam pela metade, para não terem suas gloriosas rotinas alteradas, e os "boys" foram para as filas dos postos, porque não podiam abrir mão de desfilar pelas cidades com o som em último volume, lata de cerveja na mão, de chapéu e sem camisa. 

Os caminhoneiros tem méritos históricos, eles ajudaram a deslindar o verdadeiro Brasil.

O Brasil do pânico e do circo, com leis inúteis, governantes patéticos, instituições frouxas que só pensam nos privilégios dos seus integrantes e povo abobalhado, que acha que o dinheiro do governo é infinito, e pensa que não paga a conta de nada do que os governantes decidem fazer. 

Tudo bem, os caminhoneiros tinham razão. Sobre sua atividade havia um garrote, o preço variável do diesel (variável sempre para cima) os impedia de fazer uma viagem e saber quanto lhes sobraria de remuneração ao final dela. Mas este garrote foi culpa do socialismo de ter uma única empresa monopolista de combustíveis, roubada escancaradamente e usada com finalidades eleitoreiras pelo PT e pelo PMDB, com as consequências do capitalismo: quando há muita concorrência, os preços dos fretes caem, e mesmo se não caem, não são reajustados todos os dias como acontece com os produtos da sacrossanta Petrobrás, que cobra do consumidor a conta dos desmandos de suas diretorias políticas.

E o ato final do espetáculo circense foi a greve dos petroleiros que trabalham para uma única empresa, com o imenso poder de paralisar o país por mais alguns dias.

Pânico e circo é o resumo do Brasil de maio de 2018.

28 de mai. de 2018

A POLÍTICA É A ARTE DO POSSÍVEL



Mesmo os piores governantes tem uma margem restrita de manobra sobre as atitudes de que podem tomar para tentar solucionar um problema. 

Mesmo os melhores governantes estão sujeitos à esta mesma margem, porque independentemente do regime político, da votação acumulada nas urnas, das pesquisas de popularidade, do apoio ou não do parlamento e da possibilidade de manipular o cumprimento das leis, os recursos de um governo são finitos, por mais que seja fácil aumentar impostos como é no Brasil.

Até a delação da JBS/Janot, Temer conseguia agrupar forças no Congresso para proceder reformas. E conseguiu definir o teto de gastos e pouco depois, a reforma trabalhista. Teve a reforma da previdência sabotada por um ato ilegal, a abertura de uma investigação que a Constituição proíbe, já que o presidente, no exercício do mandato, não pode ser investigado por crime comum, apenas pelos crimes politicos/administrativos.

A delação da JBS/Janot foi a troca da reforma da previdência pelo toma-lá, dá-cá descarado de cargos e benesses para manter o presidente no cargo, e a partir de então, instalou-se a paralisia, especialmente a que o fez ignorar os protestos dos caminhoneiros, que vinham ocorrendo desde outubro passado.

E o fez até porque o Congresso também não se preocupou mais em reformar nada. Pior que isso, Temer passou a ter todos os seus atos contestados pelo Judiciário. Por mais que tente atacar algum problema, o sistema político o bloqueia, o desgasta, o impede de qualquer iniciativa.

A soma da falta de apoio parlamentar com baixa autoridade de quem não exerce o poder que tem, salvo para se manter no cargo, levou o governo a empurrar o país com a barriga. Dentro daquela lógica de "não sabendo o que fazer, melhor nada fazer", chegou-se à esta crise que encerra muitos dos problemas do Brasil - um Estado inchado, que gasta mal o dinheiro público, no qual há gente demais encostada recebendo benefícios e privilégios em detrimento da maioria da população, que vê a carga tributária subir sem parar por 40 anos seguidos - mas com os candidatos à presidência defendendo a criação de ainda mais impostos, sem nenhuma preocupação em efetivamente reformar o que há muito não funciona direito. E ao mesmo tempo, setores da sociedade arroxada por impostos extorsivos e burocracia insana, protestando para receberem um alívio da pesada mão do Estado que lhes aperta os pescoços.

Temer contemporizou sobre as reivindicações dos caminhoneiros mas já chegou em junho. Seu mandato acaba em 6 meses sem a menor possibilidade de sequer ser candidato à reeleição. Quando viu que o país parou, pediu uma trégua de três dias e foi ignorado, celebrou um acordo provisório que o transformou em vilão também do mercado financeiro e por fim, aceitou todas as exigências mais óbvias de um movimento difuso, que não tem líderes.

O que muita gente não percebeu é que Temer não capitulou, ele simplesmente levou até onde podia, desistiu de governar porque só faltam 6 meses para dar adeus ao Planalto. Ou seja, pôde dar o que o movimento queria, porque a conta não será administrada por ele. 

Nesta altura dos acontecimentos, ele pode pedalar (cobrir rombos do orçamento com dinheiro dos bancos públicos), desonerar impostos, beneficiar quem puder e até retirar projetos de lei sobre assuntos desta ordem, basicamente porque ele deixa a conta para o governo seguinte, sem nenhuma possibilidade de ser punido de modo efetivo por isto.

Mas ninguém poderá dizer que ele não fez o que podia para solucionar a crise, na história, está registrado que ele atendeu todas as reivindicações.

Quando chegar 2019 ele não será cassado por pedalar já que não será mais presidente. Nem terá medo da inelegibilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal, porque é improvável que volte a ser candidato a cargo algum.

Se ele for punido por algo, o será por crimes comuns que não guardam relação nenhuma com os atos administrativos que tomou ontem, assinando decretos e medidas provisórias.

Ganhou tempo, levou com a barriga até onde era possível transferir o problema para o próximo governante.

E transferiu. E o novo presidente que assuma o ônus dos efeitos. 

Para Temer, a arte do possível foi feita no sentido de terminar seu mandato ou ao menos, chegar ao mais próximo possível disto. Deu uma solução imediata, que agrava um problema mediato, que por sua vez, está há muito tempo sem ser atacado por uma classe política que parece não entender que o dinheiro do Estado não é infinito.

O próximo presidente será obrigado a fazer reformas administrativa, fiscal, previdenciária e tributária. Se não o fizer, acabará como Temer (ou seu vice acabará como Temer), manipulando o que for possível  para "tirar o seu da reta" e transferindo o ônus para o governante seguinte. 

A arte do possível tem disso. Você esta no topo do poder, mas não pode exercê-lo. Mas o exerce quando vê que não mais lhe diz mais respeito...

25 de mai. de 2018

OS CAMINHÕES PARARAM AGORA, O BRASIL JÁ PAROU FAZ TEMPO



RJ, RS e MG não pagam em dia os salários do funcionalismo, apesar disso não atingir as ilhas de prosperidade que são o Judiciário e o Ministério Público destas unidades da federação.

Todos os demais estados sofrem com o aperto orçamentário gerado pelo não crescimento da economia, que por sua vez, tem sua causa no aumento exponencial da burocracia e dos impostos que vão sendo majorados para cobrir os furos causados pela incompetência visceral dos políticos. 

Hoje, o empresário depara não apenas com impostos extorsivos, mas com um monstro engessador da economia chamado nota fiscal eletrônica, associado a outro, que é um monstro policialesco de suas atividades, chamado SPED/E-Social, que gera várias declarações absurdas, cheias de códigos e regulamentações, que forçam o gasto e a perda de tempo com rotinas administrativas.

Uma nota fiscal no Brasil, carrega de 20 a 40 códigos diferentes. Quem se habilita a abrir uma empresa com uma estupidez deste tamanho?

De 2015 para cá, TODOS os estados aumentaram alíquotas internas de ICMS. Em alguns casos, elas passaram de 18 para 35% em produtos específicos. Em outra situação, o RJ ultrapassou a alíquota básica máxima de 18%, acrescentando um ponto percentual, e ao final de 2018, terá outros estados querendo isso também. Quem tinha IPVA abaixo de 4%, subiu para o patamar mais alto, quem não cobrava ITCMD a 8%, o aumentou também. 

Criaram o DIFAL, um ICMS adicional que remunera os estados-destinos das mercadorias, e que por sua vez, exige que o fornecedor emita uma guia para cada venda de produto, sendo que esta guia tem que ser calculada estado por estado e não há uma alíquota única, forçando o empresário a estar atualizado sobre o regulamentos de ICMS de todas as unidades da federação. Além disso, também criaram o FCP - Fundo de Combate à Pobreza, de 2% cobrado do mesmo jeito, mas cujos recursos são usados para tudo, menos para combater a pobreza.

O governo federal não corrige a tabela do imposto de renda pessoa física e numa tacada só, majorou o PIS/COFINS sobre combustíveis, de modo que a gasolina e o etanol aumentaram em 40 centavos de um dia para o outro.

E todo esse "ajuste fiscal" sem cortar despesas, que continuam crescendo mais que a arrecadação.

A politicagem que tomou conta do país desde 2003, quando o então presidente da república começou a incentivar a criação de novos partidos políticos para enfraquecer a oposição, legou ao Brasil a incapacidade de atacar seus problemas, pelo medo do efeito eleitoral.

O Brasil não discute reforma da previdência porque os parlamentares tem medo de não serem reeleitos. Não tira do armário a reforma tributária porque isso incomoda os governadores e prefeitos. Não faz reforma administrativa porque não quer ferir suscetibilidades, especialmente a dos agentes públicos que recebem remunerações acima do teto constitucional. Não se discutem os salários do Judiciário e do Ministério Público com medo de represálias da Lava Jato, não se mexe nas remunerações dos Legislativos com o medo que se percam apoios paroquiais das bases dos deputados e senadores.

Todos os problemas do país são tratados exclusivamente sob a ótica da arrecadação tributária. Aumentam-se os impostos e a burocracia para cobrá-los, e os problemas reais são dados como insolúveis, porque nenhum agente político quer ter a dor de cabeça de se explicar para seu eleitorado, até porque a mídia incentiva o discurso dos políticos contra o povo, sendo que este, rejeita qualquer proposta e qualquer discussão, mesmo que isso signifique proteger privilégios de uns poucos.

O Brasil é um país em que a Constituição limita remuneração do funcionalismo em 35 mil, mas mantém milhares de agentes ganhando acima disso. É um país que fala bastante de empreendedorismo, mas odeia a livre empresa, faz tudo para impedir que ela prospere. É um lugar onde se fala demais nos direitos de todos, mas não faz nada além de incentivar que sejam violados para que os privilegiados, que são os altos agentes públicos e as pessoas associadas à eles, vivam como nababos em meio a miséria e à desesperança. Pior que isso, é a associação de políticos (e consequentemente do Estado) com o crime organizado comum, como comprova o Rio de Janeiro.

Já chegamos ao caldo de cultura que transformou a Venezuela num inferno. Está faltando apenas eleger um populista com anseios ditatoriais e candidatos à isto não faltam, aliás, são maioria tanto à esquerda quanto à direita do espectro político, com seus ares salvacionistas, arrotando que pensam no povo, quando em verdade, o usam como massa de manobra para deixar tudo como está e manter os privilegiados de sempre sem atacar os verdadeiros problemas nacionais.

Se a paralisação dos transportadores causar desabastecimento grave, além de um certo limite de tolerância popular, temo que o Brasil entre em um processo de convulsão social que, ou vai gerar a eleição de um belzebu pronto para se transformar num Nicolas Maduro, ou vai entregar o poder a um presidente de mãos atadas, que vai administrar a falência final do país, que não aguenta mais pagar impostos em troca do nada que constata ao menos desde 2010, postergando, apenas, o problema final que será muito pior.

21 de mai. de 2018

A GASOLINA, O DIESEL E O ETANOL QUE NOS ATORMENTAM



Várias vezes eu já disse que o brasileiro é "sui generis". Ele quer o melhor do capitalismo, mas não abre mão de socializar seus problemas. Quando faz as escolhas erradas, acorre ao Estado pela sua salvação, quando o lucro é alto, foge da coisa pública para não pagar impostos.

O caso da Petrobrás encerra algumas idiossincrasias nacionais.

A empresa detém um monopólio. Ela explora e refina o petróleo, e distribui os derivados praticamente sozinha. Seu poder é tão grande, seu "lobby" é tão poderoso que ninguém é louco de concorrer ousando importar combustíveis para vender no mercado interno. Quem tenta, depara com um monstro burocrático e fiscal à serviço da companhia que deveria ser "do povo", mas que tem milhares de acionistas privados, porque em certo momento se descobriu que poderia gerar aportes de capital com dinheiro alheio. De estatal foi transformada em pública, dentro daquele rol de eufemismos que o político brasileiro usa para justificar suas pilantragens e sua avidez pelo dinheiro alheio.

Sendo pública e tendo acionistas, cria-se o dilema: ela precisa dar lucros cada vez maiores para atender ao mercado, mas tendo o DNA estatal, deveria subsidiar os combustíveis em prol do crescimento de toda a economia, que é o que companhias estatais monopolistas fazem em qualquer lugar do mundo - elas trocam a ausência de concorrentes pelo lucro menor - em suposto favor da sociedade à que prestam serviço.

Mas na prática, a Petrobrás não faz uma coisa nem outra.

Dilma Roussef à queria estatal, mantinha os preços estáveis, independentes da quotação internacional do petróleo, da variação do dólar e dos custos. A empresa ameaçou quebrar e os acionistas chiaram, o mercado exigiu uma administração menos política, alegava que o controle dos preços não havia retido a inflação que não parava de crescer, apesar do acúmulo de prejuízos (se bem que também causados pela corrupção extraordinariamente ousada daqueles tempos). E os brasileiros exigiam a cabeça de Graça Foster, então presidente da companhia.

Assume Michel Temer e a companhia passa a ser gerida de modo profissional. A primeira medida é atrelar o preços dos derivados à quotação internacional e à variação dos custos. Mas sendo monopolista, isso gera efeito imediato nas bombas, não há semana em que o preço não suba e, quando deve cair, não desce, porque a margem de lucro de revendedores de combustíveis é baixa e eles aproveitam para lucrar, sem o que não sobrevivem. E os brasileiros passam a exigir a cabeça de Pedro Parente, atual presidente da empresa.

A gasolina subiu em torno de 57% desde que Michel Temer assumiu a presidência. O problema é que dentro deste percentual, mais ou menos metade corresponde ao aumento do PIS/COFINS, que, junto com a CIDE, são cobrados em valor fixo por litro. Numa tacada só, alegando a necessidade de equilíbrio fiscal, o preço subiu 40 centavos por litro. Outra boa parte é tomada pelo ICMS dos estados. Há estados que cobram o imposto por percentual, de modo que há governador que faz festa a cada vez que a Petrobrás pratica a majoração, porque a arrecadação sobe. No fim das contas, os impostos e a burocracia representam 80% do preço do combustível na bomba, sendo todo o resto, custos da Petrobras, das distribuidoras e dos postos, mais uma margem de lucro, que na ponta do revendedor final é quase nula, as vezes inexistente.

Mas se perguntar para o brasileiro médio o que ele pensa da Petrobrás, a resposta será simples: precisa ser estatal e monopolista! Mas é o mesmo cidadão que, se tiver a chance, troca o FGTS por ações da companhia e então passa a exigir que ela tenha lucros e que nunca deixe de acompanhar as altas do preço internacional.

O combustível no Brasil não é mais caro que, por exemplo, na Europa, onde a estrutura de custos e a tributação é parecida.

O problema é que o brasileiro, em média, tem renda muito menor que a de um europeu e ao mesmo tempo, sofre com a pilantragem: alguém já viu, em algum momento de sua vida, o álcool/etanol custar abaixo de 60% do valor de um litro de gasolina?

Resposta: não! Quando a gasolina sobe de preço, o etanol à acompanha, e seu preço está sempre no limite da viabilidade de consumo dos veículos.

Ou seja, é um conjunto perverso de monopólio que atende a poucos interesses, impostos extorsivos, burocracia, safadeza política, safadeza privada e pura e simples ausência de espírito cívico por todos os lados.

O preço dos combustíveis no Brasil, segue a máxima da "farinha pouca, meu pirão primeiro"...

9 de mai. de 2018

O CARTEL NOSSO DE CADA DIA



Se um curitibano quiser comprar um carro zero com seu usado no negócio, vai pesquisar em todas as marcas e aferir preços parecidos em todas elas. E o valor oferecido pelo seu usado não vai variar: em Curitiba, 3 grupos econômicos concentram 80% do mercado de carros novos, inclusive com cada um deles oferecendo quase todas as marcas e indo em direção a oferecer todas em pouco tempo, o que faz com que, via de regra, a primeira avaliação do usado, na primeira pesquisa, seja a que vai ser aplicada no negócio. Ou seja, ganha-se bem na venda do novo, na compra do usado e na revenda do usado, porque a concorrência é pífia e foi sendo eliminada ao longo da última década, quando revendedores tradicionais foram entregando suas lojas para os grandes grupos.

Na mesma Curitiba, dois ou três grupos educacionais vão concentrando escolas e faculdades em seu portfólio e não é raro que instituições tradicionais mudem de nome e logotipo da noite para o dia. E agora, está experimentando uma onda de venda das instituições que sobraram, para grandes grupos educacionais do RJ e de SP, e na esteira disto, vem o aumento do preço, porque poucas empresas oferecem o serviço, e todas elas ávidas pelos créditos estudantis oferecidos pelo governo. Ou seja, o governo brasileiro é o que mais perde: ele oferece um crédito estudantil com algum subsídio, que acaba sendo deferido para alunos de algumas poucas instituições, sem muita variação de mensalidades.

E Curitiba é apenas uma cidade, que não deixa de ser um microcosmo do país, onde esse processo de concentração está ocorrendo em todo lugar, em maior ou menor grau.

De uns tempos para cá se descobriu o ovo de Colombo: os juros são altos para o consumidor porque apenas 5 bancos concentram 90% do crédito e do microcrédito no país, sendo dois deles estatais e os outros 3, gigantes que foram adquirindo concorrentes com uma facilidade ímpar, sem muita ou nenhuma preocupação com as leis anti-truste ou de prevenção à concentração econômica. O discurso foi sempre o mesmo - o pequeno banco tem que ser vendido ao grande banco, para que "o sistema" não sofra riscos - e com isso, o consumidor paga taxas que correspondem a 10 a 15 vezes a SELIC, afinal, entre 5 grandes, basta uma reunião de diretores para estipular uma banda de juros mínimos e máximos e "concorrer" com variação mínima e lucros para todos. Mas ainda mais deletério é saber que estes 5 bancos restringem o crédito e empurram o consumidor com algum problema de cadastro para as arapucas da consignação em folha ou do crédito para negativados, cujas taxas são ainda maiores e as regras draconianas, à guisa muitas vezes do desespero da pessoa que precisa solucionar problemas imediatos.

O problema não é estas empresas lucrarem, mas sim eliminarem seus concorrentes sem muita repercussão, facilitando a estipulação de preços. 

A proteção à livre concorrência no Brasil é notoriamente frouxa. O CADE tem por função atuar nacional ou localmente, ou seja, tanto na concentração nacional, quanto na estadual, na regional e na municipal, em valores que não são assim tão altos, a ponto de isentar as empresas de declararem o ato de incorporação da concorrência. E eu não lembro de uma única ocasião em que o Banco Central tenha se manifestado contra a fusão de bancos, que é uma coisa tão comum no país que as pessoas deixaram de perceber.

Mas nos 3 exemplos o processo de cartelização cobra seu preço: nunca se produziram tantos automóveis no país, mas os preços só aumentam. Nunca se ofereceram tantas vagas em instituições de ensino privadas, mas o custo é proibitivo e o Estado brasileiro assume boa parte dele. Nunca os juros nominais da economia foram tão baixos, mas as taxas ao consumidor e às empresas estão inalteradas, chegam a 16, 17% ao mês nas modalidades de crédito mais agressivas.

É certo que é da índole nacional adorar um cartório. O brasileiro pensa que o seu valor não pode ser aviltado, ele prefere um acordo com o adversário do que se esforçar para atrair o consumidor com preços mais baixos e margens mais apertadas. O brasileiro não é muito afeito ao ganho de escala e de eficiência, e disto sai prejudicado, embora defenda sempre o seu cartel particular.

Pode até o leitor dizer que cartel é uma palavra forte demais, que ele não está caracterizado, que é um exagero... mas dê-se o nome que quiser, o fato é que o país está caminhando a passos largos para a não-concorrência em alguns setores, com visível prejuízo ao progresso e à sua população. Essa mesma "não-concorrência" já quebrou o Estado brasileiro algumas vezes na insistência dos monopólios estatais, mas a grande verdade é que a conta sempre foi paga pelas mesmas pessoas que pagam pela concentração de negócios privados, o consumidor e/ou o contribuinte.

3 de mai. de 2018

O FUTEBOL PREDATÓRIO DA TV



O futebol moderno é caracterizado pela influência da TV. 

Ao mesmo tempo em que a TV aumenta a visibilidade de alguns clubes, ela condena outros à decadência, e na mesma medida em que faz dos super-craques milionários da noite para o dia, traz o desemprego à maioria dos atletas pela inexistência de mercado de trabalho.

Em contrário do modelo norte-americano de privilegiar a competição e não o clube, nem a marca, a estratégia financeira das TV(s)  inflaciona o futebol porque escolhe seus clubes preferidos, e faz com  que os demais experimentem recordes de endividamento na tentativa de se igualarem nas competições. Isso mostra que todo o dinheiro que a TV gera não é suficiente para atender os custos crescentes do espetáculo midiático, mesmo em um universo restrito de 40 clubes por país, se muito.

Ademais, é um fenômeno que não encerra na questão financeira, também tem reflexos no aspecto técnico. É visível, já há algumas décadas, que as arbitragens favorecem aqueles clubes que as TV(s) privilegiam porque somam mais espectadores a cada transmissão. E dentre os grandes, os que dão mais audiência são ainda mais favorecidos por pênaltis estranhos marcados ou negados, inversões de faltas e arbitragens que travam jogos em que o empate garante o campeão de audiência na próxima fase.

No Brasil, esse fenômeno já  limitou os campeonatos estaduais e tolheu dezenas de clubes tradicionais. XV de Piracicaba, XV de Jaú, São Bento de Sorocaba, Matsubara, União Bandeirante, Olaria, Bangu, Vila Nova MG, Internacional de Santa Maria, Anapolina, etc... que volta e meia aprontavam para os ditos grandes e tornavam o futebol atrativo. Hoje, os que ainda mantém atividades são sombras do seu passado, incapazes de montar times porque o futebol ficou inflacionado e sofre a concorrência da própria TV, que oferece campeonatos a qualquer horário do dia, de modo que o espectador simplesmente não assiste mais jogos ao vivo, o que gera estádios (alguns enormes) vazios e decrépitos, sub-utilizados ou inutilizados e desemprego entre os atletas, muitos dos quais jogam apenas por 2 ou 3 meses por ano.

E já estamos numa segunda fase desse processo. Clubes antigamente considerados grandes como Coritiba, Goiás, Náutico, Santa Cruz, Avaí, Figueirense, Ceará, Fortaleza e Paysandú encaram balanços indicando grandes dívidas geradas pela necessidade de enfrentar a inflação do futebol e manter a luta inglória de tentar ganhar títulos importantes, inclusive contra as arbitragens. Falando pelo meu clube, o Coritiba, o balanço deste ano revela que, em 2017, teve um déficit de 700 mil reais por mês. Roubado descaradamente em duas finais de Copa do Brasil nesta década, viu sua dívida saltar dos 30 milhões em 2008 para 250 em 2017, isso fazendo contratações caras para lutar sempre para não ser rebaixado. E como ele, vários clubes com grandes massas torcedoras em situação parecida.

É verdade que a má-administração atávica o afetou, mas o futebol moderno vem sistematicamente diminuindo o tamanho de agremiações tradicionais e de massa torcedora relevante, um fenômeno que já está afetando Vasco da Gama, Botafogo e Fluminense e não vai demorar, se alastrará para outros até maiores, a julgar pelo tempo em que clubes como Atlhetic Bilbão, Nottingham Forest, Everton, Werder Bremen, Milan e Glasgow Rangers amargam sem títulos, quando no passado estavam sempre disputando as melhores posições em seus torneios.

Não vai demorar o processo vai se agravar e tolher os clubes ditos médios e depois, dentre os grandes, os menos grandes e de menor audiência, até o dia em que os torneios nacionais serão como os da Espanha, onde Real Madrid e Barcelona fazem suas campanhas disputando os títulos apenas entre eles mesmos, isso se não se criar a dita "liga mundial", onde 10 ou 12 clubes concentrarão as receitas e as audiências, e todos os demais serão tapa-buracos de audiência e de programações de TV, se enterrando ainda mais em dívidas na tentativa de conseguir uma vaga na competição internacional.

Os norte-americanos já descobriram há tempos que o esporte coletivo não sobrevive quando os títulos se concentram em poucas agremiações. Em determinado momento, o torcedor desiste de acompanhar, não vai mais ao estádio ou ao ginásio, não vê necessidade de apoiar sabendo que isso não vai alterar o resultado. No futebol, que é um esporte em que a corrupção está presente desde a base até o topo de sua estrutura, ainda não se entendeu que competição envolve muitos atores, não apenas dois ou três que gerem índices de audiência.

O futuro do "nobre esporte bretão", deveria ser melhor discutido nos momentos em que se assinam contratos de transmissão.

CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...