24 de set. de 2010

SERÁ QUE O FICHA LIMPA RESISTE AO TECNICISMO?

Acompanhei ontem o julgamento do caso que envolve Joaquim Roriz e a Lei do Ficha Limpa.

Ontem praticamente ficou afastada a hipótese de se declarar inconstitucional a Lei do Ficha Limpa por suposta ofensa ao princípio da presunção legal de inocência penal. Considerou-se a dita ficha limpa em segundo grau de jurisdição um requisito de elegibilidade que não se confunde com apenamento anterior ao trânsito em julgado de uma sentença.

Isso por si só, foi uma vitória de uma sociedade que cansou de ver eleições e reeleições de pessoas condenadas que afastavam a inelegibilidade com recursos protelatórios e manobras jurídicas não exatamente condizentes com a ética.

No entanto, o tribunal debateu exaustivamente a validade da lei já para as eleições de 2010. Os votos de ministros como Celso Mello, Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes foram brilhantes em argumentação jurídica, histórica, lógica e teleológica. Mas fica patente que por momentos eles esquecem que, sendo o STF, a corte também têm a obrigação de entender a vontade popular e o ânimo da nação em torno de um assunto determinado, o que não fizeram.

O ministro Gilmar Mendes chegou a insinuar a possível manipulação de entidades civis que encaminharam o projeto de lei de iniciativa popular para o Congresso, fazendo ampla análise até do processo legislativo que culminou na promulgação da Lei, para afirmar seu caráter processual-eleitoral e concluir pela aplicabilidade ao caso, do disposto no artigo 16 da Constituição Federal e fazer valer a lei apenas para 2012, em face se sua publicação antes do prazo de 12 meses anteriores ao pleito.

Repito que a argumentação do ministro é brilhante e que respeito a opinião dele, embasada em profundo conhecimento jurídico e histórico da questão.

Mas o STF não pode julgar somente com base na letra fria do texto constitucional. A função precípua do STF é interpretar a Constituição a partir da vontade das ruas. É um tribunal político muito mais que jurídico, sendo que sua própria existência decorre da necessidade de interpretação jurídica e histórica das normas postas na sociedade.

E dentro desse contexto, o que é patente é que a sociedade brasileira, pelo menos a parte organizada dela, pretende a aplicação imediata da Lei na busca da moralidade na política e que o fez sem alterar o processo eleitoral, mas apens impondo um requisito para dele participar.

Argumentou-se na corte que regimes de exceção usam desse tipo de expediente, no sentido de insuflar insatisfação social para justificar a tomada de medidas drásticas que afetem interesses políticos e partidários. Mas a Lei do Ficha Limpa foi apartidária desde sua gênese e afetou interesses tanto de partidos da situação quanto da oposição. É um argumento poderoso, mas falho na exata medida em que o resultado da promulgação da lei afetou também aos poderes instituídos, o que demonstra a inexistência desse ânimo em excepcionar o sistema para benefício pontual de alguém.

Mas o mais grave nesse julgamento foi sua indecisão pela vacância de uma cadeira da corte, o que reiterou um problema sério que atinge o Judiciário brasileiro, a excessiva precariedade das decisões seja por motivos materiais, seja por motivos processuais.

Ontem o STF decidiu mas o resultado acabou sendo uma não-decisão, o quadro fica inalterado e indefinido até a nomeação de um novo ministro e isso sim é um acinte à democracia, na exata medida em que deixa o resultado de vários pleitos do país sujeito à opinião da pessoa escolhida pelo presidente Lula na nomeação. Ou seja, numa canetada só, o presidente da república pode mudar o resultado das eleições em vários lugares do país.

Pior que não decidir, é decidir pela metade.

7 comentários:

  1. Tenho a impressão que, a nomeação do Lula, levará o assunto para a ilegalidade do Ficha Limpa e cuja aplicação, se dará a partir de 2012.

    Será uma festa para os Roriz da vida...

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  2. Fábio, a vontade das ruas, a minha, a tua é pela aprovação imediata da ficha limpa. A lei é constitucional, mas existe o princípio da anualidade e esse foi o complicador que gerou o empate de 5 a 5. E as discussões que se seguiram após o empate são dignas de uma república de bananas. Por que colocaram em pauta um processo importante se existia a possibilidade concreta de dar empate? E como solucionar a questão em caso de empate? Os votos contra a quebra do princípio da anualidade -- esses votos não são contra o ficha limpa -- têm muito mais substância jurídica do que os que votaram em conformidade com os apelos populares. O STF deve ser sempre um tribunal técnico, ele não pode ser refém da politicagem. O STF é intérprete da CF e não dos gritos das ruas. E eu sou francamente favorável ao ficha limpa. Acho que um político condenado em colegiado deve ser declarado inelegível, mas isso só pode valer para o outro ano. A não ser que se retire da lei eleitoral o princípio da anualidade.

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  3. Marcelo C. Mayer24/9/10 17:14

    Fábio, não entendo muito de leis, nem como funciona o STF, mas também não consigo entender porquê alguns dos seus ministros só favorecem corruptos/ corrupção!! Acompanhei vários julgamentos deles, e com raras excessões, Marco Aurelio Mello, Gilmar Mendes e o ministro do PT, Dias Toffoli, sempre livravam a cara de bandidos do colarinho branco. Que bom se naquela casa só houvesse ministros como o Joaquim Barbosa...

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  4. O argumento do ministro Mendes pode ter sido brilhante, mas passa muito longe da realidade.

    Dei minha opinião sobre isso aqui.

    E, de tão aborrecido, nada mais falo sobre essa Ficha Limpa.

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  5. Maia,

    Temos concepções diferentes sobre isso. Para mim, o tribunal técnico é o STJ. O STF é tribunal político, tal qual a Suprema Corte dos EUA ou a Câmara dos Lordes na Inglaterra.

    E a partir do momento em que é político, interpreta as coisas fugindo do tecnicismo, embora uma boa parte de seus ministros seja tecnicista (Gilmar Mendes, Dias Tóffoli, Marco Aurélio Mello, Celso Mello).

    A Lei do Ficha Limpa, para mim, não se enquadra no processo eleitoral, mas na ante-sala dele, nos requisitos de elegibilidade, ou seja, não se aplica a regra do artigo 16 da Constituição.

    Mas deu empate no STF.

    Ronald,

    Lula nomeou bons ministros para a corte. Na verdade, não fiz crítica à ele, mas à corte, por deixar esse estado de coisas à mercê de um ato político de nomeação de ministro.

    Marcelo,

    É normal que existam ministros conservadores. Gilmar Mendes por exemplo é uma sumidade jurídica, uma verdadeira enciclopédia de constitucionalismo mundial, mas foi um ministro que chegou ao cargo por ligação histórica com oligarquias e conservadorismo, é normal que seja extremamente técnico e as vezes dê a impressão de que defende interesses excusos, o que não é verdade: ele simplesmente aplica a interpretação fria da letra da lei, sem abrir precedentes, é um legalista.

    E um legalista entende sempre que o contido na letra da lei não pode ter uma interpretação que não a literal, não abre exceções... e TODO o réu bem defendido, aferra-se à interpretação literal das leis, porque quase sempre ela lhe é mais favorável.

    O Joaquim Barbosa é jusnaturalista. Ele acredita na interpretação da Lei, ou seja, ele consegue extrair da letra da lei, algo que um legalista não vê, porque parte do princípio que uma lei tem uma interpretação dependente do momento histórico e social pelo qual passa o país.

    Nos EUA essa dicotomia é bem mais fácil de entender, porque eles trabalham com base em precedentes judiciais, mas no Brasil também existe essa possibilidade, mas deferida apenas e tão somente ao STF, daí a importância da nomeação de bons ministros, como Lula fez com Joaquim Barbosa, Carmemn Lucia, Ricardo Lewandowski e como FHC fez com Ellen Gracie e mesmo Gilmar Mendes.

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  6. Brilhante sua opinião,Fabio. Tbem acho que o resultado de nada adiantou e estamos a merce do presidente. Quer coisa pior?

    Abração!

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  7. O que este empate de 5×5 representa são os votos dos interesses de segmentos progressistas da sociedade x os ditos conservadores; o destino de toda uma classe de políticos x esperança de uma nova cultura política no país. A indecisão só desfavorece o eleitor e não é justo que seu voto seja desconsiderado ao final pela justiça eleitoral.

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