23 de nov. de 2016

E A CRISE AGRAVA...



Eu não botava fé no governo Temer, afinal, ele foi eleito na chapa de Dilma e por si só, isso já dizia que não é flor que se cheire.

Porém, ante a perspectiva de paralisia completa do país com aquela senhora que capitaneou o desmonte mais radical, profundo e rápido da história das contas públicas do mundo inteiro, o negócio foi apoiar o impeachment.

E agora, o que vemos, é a continuidade do que já tínhamos com Dilma. O governo paralisado, aguardando o Congresso tomar medidas que são negligenciadas justamente para querer o seu apoio para votar o que interessa à classe política, que são medidas de prevenção dos políticos contra condenações judiciais. Todo o resto está em segundo plano, com a crise econômica agravando e os estados alimentando a retração econômica com (mais) aumentos de impostos que terão efeito contrário na arrecadação, mas são usados pelas Assembléias Legislativas como uma válvula de escape, para não cortarem gastos e déficits que se acumulam há décadas, nem contrariarem sindicatos de funcionalismo.

Se o Estado brasileiro não se adaptar a uma situação em que deve cortar gastos e tornar-se superavitário, a crise não vai amainar, e não vai demorar muito tempo, atrasos de salário de funcionalismo serão gerais e irrestritos na União, nos estados e nos municípios, espraiando rapidamente para a previdência.

Mas parece que os governos, incluindo o federal, não conseguem convencer a classe política de que a fórmula de levar com a barriga e aumentar impostos não funciona mais. Tanto não funciona que mesmo o RJ tendo aumentado a alíquota de ICMS para 19% continua quebrado, e mesmo o estado do PR tendo aumentado o ICMS em 30% e o IPVA em 40%, continua deficitário e sem dinheiro para pagar nem mesmo o aumento anual do funcionalismo.

Hoje, uma CPMF que geraria algo entre 65 e 75 bilhões, não solucionaria nem o problema de déficit da administração pública em si, que dizer o da previdência.

A retração experimentada em 2016, é fruto dos aumentos de impostos e da burocracia insana que a política usou como resposta à crise fiscal. Só não vê isso quem não quer, por achar que o dinheiro do Estado é infinito e o contribuinte vai se matar para manter os abusos das despesas de governo.

A cada nova medida criando mais impostos e mais declarações, guias, informações e travas de toda à ordem à atividade econômica, mais empregos se perdem, deixa-se de acreditar na economia, porque é cada vez mais complicado produzir e vender.

Nota Fiscal Eletrônica, SPED, Siscomex e toda a parafernália burocrática cumpriram seu papel enquanto a economia crescia. Agora, eles empurram a atividade econômica para a retração, ao mesmo tempo em que os governos não fazem nada para incentivar o empreendedorismo, a geração de empregos e riquezas. A maior parte da receita tributária não vem dos salários de pessoas físicas (incluindo do funcionalismo), mas de empresas que produzem e geram empregos, que agregam valor aos produtos, que fazem o dinheiro circular. O Estado só regula isso, mas pouco ou nada produz, apesar de não se poder dizer que é prescindível.

Ou o governo Temer inicia uma ampla rodada de desregulamentação, fugindo do debate político que visa garantir apenas os interesses dos detentores de cargos eletivos, ou irá para a mesma lata do lixo da história para a qual foi Dilma. Seu tempo de espera é menor, a crise agrava, quanto mais piorar, menos tempo haverá para se evitar um cataclisma econômico que está em curso, apesar do discurso mentiroso da confiança renovada.

9 de nov. de 2016

TRUMP? TRUMP!


Nos EUA se fazem 50 pequenas eleições que no todo, elegem o presidente. Pesquisas de opinião em eleição presidencial são caóticas, porque cada estado tem um peso pré-definido que não exatamente coincide com o tamanho do seu eleitorado, além de existir voto antecipado via correios em vários lugares. Para se ter uma ideia, quando Donald Trump alcançou os 270 delegados necessários para ser eleito, tinha menos votos que Hillary, o que pode não mudar até o fim da apuração. 

Via de regra, elege-se lá, o candidato que melhor mobiliza o seu público cativo, seja por meio do partido (coisa que nem Hillary nem Trump tiveram fortes nesta eleição), seja por discursar e dizer o que seus eleitores fiéis querem ouvir. Como o voto não é obrigatório, o que acontece é que o candidato de discurso mais afinado com os seus, mobiliza-os e alcança a vitória.

Trump teve discurso mais eficiente, Hillary se enrolou no caso dos e-mail, mas ambos não contaram com o entusiasmo de seus respectivos partidos, embora os republicanos pareceram menos unidos. E as acusações de corrupção contra ela pesaram na reta final.

O que parecia barbada há 30 dias, virou um pesadelo para o Partido Democrata e Hillary Clinton. 

Se imaginava que no colégio eleitoral, Hillary teria vitória fácil, mas na prática, ela perdeu nos estados-chave, aqueles que não são historicamente de um grande partido ou de outro. E ela também perdeu, e por larga margem, naquele que deveria ser seu reduto eleitoral mais fiel, o estado do Arkansas, que seu marido governou por mais de uma década, o que é sintomático de que sua popularidade não era assim tão grande quanto o espanto com a campanha agressiva de Donald Trump.

Se eu fosse americano, teria votado em Hillary, mas não critico o país por eleger Trump, porque no Brasil de Dilma, Lula, Beto Richa, Roberto Requião, Gleisi, Lindbergh, Sergio Cabral, Pezão, Tarso e Luciana Genro, Maria do Rosário, Aécio, Jandira outros tantos, não há moral nenhuma para dizer que os outros elegeram alguém bom ou ruim.

Duvido que Trump ponha em prática seu discurso agressivo. Um país que tem instituições e partidos fortes como os EUA, por si só é um contrapeso a qualquer aventura populista. Ademais, existe um "establishment", ou seja, setores importantes da economia e da política aversos a radicalismos, o que não deixa de ser algo elogiável daquele país.

Mas a praga do populismo volta e meia volta a atacar...

Bem se disse que o mundo experimenta uma guinada à direita, no sentido de constatar que as pessoas comuns estão fartas de regras e normas para tudo, estão cansadas de medir as palavras para não ofender a praga politicamente correta, estão cansadas de verem os seus direitos serem violados para proteger direitos difusos dos mais diversos, que muitas vezes vem ou são de outros países e não lhes dizem respeito dentro da vida que levam em suas aldeias. 

É cíclico da humanidade dosar algo que muito se discute e com indas e vindas chegar a um meio termo. Parece que estamos vivendo aquela guinada necessária que antecede isto, talvez Trump represente esse anseio de menos Estado, mais liberdade individual e menos internacionalismo, que ao mesmo tempo significa que as pessoas querem apenas que estas coisas não sejam tão radicais quanto tem sido na última década.





29 de out. de 2016

MARTINHO LUTERO - O REFORMADOR DA FÉ



Fábio Max Marschner Mayer
Advogado, contabilista.
Especialista em Direito Empresarial



1. Introdução. O fim da Idade Média.

A tomada de Constantinopla, com o fim do Império Romano do Oriente em 1453, foi o marco do que se considera o fim da Idade Média, e início da Idade Moderna.

Na Idade Média, Deus era a medida de todas as coisas, o início, o meio, o fim, o onipotente, o monopolista da graça e da punição, cujas palavras apenas a poderosa igreja sabia interpretar, de modo que Roma era a “defensora única e perpétua da paz e da justiça”(.LACEY, Robert e DANZIGER, Danny - O Ano 1000, A Vida No Início do Primeiro Milênio, Ed. Campus, 1999, p.26).

O Deus da Idade Média, era um Deus que interferia ativamente na vida diária” (LACEY, Robert e DANZIGER, Danny - O Ano 1000, A Vida No Início do Primeiro Milênio, Ed. Campus, 1999, p.26) tanto das pessoas quanto dos governos. Aquele mundo era divino, ditado pela igreja, porque entendia-se que não era consequência da natureza humana. “Se o Mundo é governado por um Deus pessoal, logo se vem a considerar o Direito como emanado de uma ordem divina e o Estado como instituição divina. Por sua vez, a vontade divina conhece-se, não pelo raciocínio, mas pela revelação: antes de ser demonstrada, deve ser acreditada ou aceite pela fé.”(DEL VECCHIO, Giorgio – História da Filosofia do Direito – Armênio Amado, Coimbra, 1979, p.60).

Como a revelação era exclusiva da igreja, havia a subordinação dos homens e dos Estados a ela. Deus revelava-se à igreja, porque o homem, e mesmo o soberano nada mais era que uma vontade divina, que não ocupava lugar nas decisões, de modo que, na prática, isso significava a primazia das opiniões do Papa, quando muito da cúria romana.

Martinho Lutero nasce em 1483, na hoje batizada em sua homenagem, Eislebem (terra de Lutero), Alemanha, e se pode dizer que será, durante sua vida, mais um homem importante do renascimento a buscar a reforma de estruturas e modos de pensar que se fizeram presentes por um milênio, praticamente sem contestações. Profundamente religioso, de fé inabalável, contestador e reformador, de retórica poderosa e firmeza nas ações, era um homem do século XVI, um indivíduo que se adaptava aos novos tempos, porque sabia que o mundo mudava.

Aquele foi um tempo de enormes transformações ditadas pelos descobrimentos marítimos, pelo renascentismo cultural, a invenção e rápida disseminação da imprensa e a consolidação de países cujos reinados tinham, até então, submissão aos ditames da poderosa Igreja Católica e ao Papa, que, na prática, era o centro do poder do mundo ocidental.

Mas um novo mundo rapidamente florescia. Novas terras e riquezas eram descobertas, novos povos, culturas e civilizações rapidamente eram contatadas pela Europa. Muitos soberanos passaram a experimentar riquezas e poder jamais sequer sonhados, o comércio prosperava, as artes e o pensamento crítico tornavam impossível o controle do mundo conhecido nos termos postos por Roma durante a Idade Média.

Soberanos poderosos, mas ainda limitados pelo poder da igreja financiavam o conhecimento, eram mecenas das artes, das ciências e do novo pensamento. O indivíduo passa a ter importância na definição de seus destinos, e a igreja ia perdendo gradualmente o poder absoluto sobre os soberanos e indivíduos, mas especialmente sobre a nova burguesia que detinha poder econômico conquistado apesar das amarras religiosas medievais.

2. Júlio II, Leão X e os papas ainda medievais.

Em 1506 é lançada a pedra fundamental da nova Basílica de São Pedro, que hoje é o prédio principal do que conhecemos como o complexo de edificações que constituem o Estado do Vaticano.

O Papa de então era Júlio II, cujo nome não fora escolhido para homenagear São Júlio, mas sim Júlio Cesar, o imperador romano, o que dá a dimensão de seu caráter e modo de pensar.

Júlio II chegara ao poder da Igreja após estar presente em 4 conclaves, com chances reais de assumir o trono de São Pedro em todos. Lutou pelo cargo por 20 anos, não sem ser ativo militante em guerras, conspirações e subornos. Era um político ambicioso, arrogante, impaciente, arbitrário, e principalmente sedento por virar parte da história, deixando seu nome escrito nela.

Mas era um amante das artes, da arquitetura e da beleza. Foi amigo e patrono de gênios como Bramante, Rafael e Michelângelo, todos envolvidos, em maior ou menor grau, com obras de arte para a igreja e na construção da nova basílica, tida à época como seu delírio megalomaníaco, uma construção tão colossal quanto magnífica, que alguns chegaram a considerar impossível dado o tamanho da cúpula, a glorificar Deus, mas também para marcar seu papado encarnando “a grandeza do presente e do futuro”( SCOTTI, Rita A – Basílica de São Pedro – Nova Fronteira, 2007, p.67) proclamando o poder e a glória de Cristo e sua igreja.

Porém, Júlio II ainda era um homem do século XV, a acreditar na primazia da Igreja sobre o mundo, de modo que não hesitou em usar as bulas papais, as excomunhões e as indulgências em prol de seu projeto de afirmar a autoridade que Roma já ia perdendo gradativamente. Nenhuma moral e nenhum escrúpulo foi imaginado para a consecução da obra, neste caso, o fim justificou os meios.

Entre 1510 e 1511, Lutero visita Roma. Já um sacerdote, que estudara Direito, bacharel em estudos bíblicos, professor de teologia na Universidade de Wittenberg e principalmente um monge a viver e ensinar a virtude da pobreza e do amor incondicional de Deus, volta para a Alemanha decepcionado com a devassidão e a decadência de uma igreja mercenária, opulenta e esbanjadora, que vendia indulgências a substituir o arrependimento sincero dos pecados para financiar uma obra que entendia desnecessária. Foi nesse momento que o homem do século XVI iniciou seu confronto com os papas ainda medievais, mandatários de uma a igreja mergulhada em corrupção e afastada do que para ele eram as únicas palavras confiáveis, as das escrituras.

Júlio II morreu em 1513 e, mesmo com o andamento da construção da basílica, deixou a igreja riquíssima e tão poderosa quanto o sempre, mas foi sucedido por um dos Médicis, Leão X, que em resumo, era um pródigo, um esbanjador, um escroque que usou do poder para financiar sua família e seu modo de vida devasso e suntuoso, mas ainda e também um homem da Idade Média, do século XV, que afirmava a sua autoridade como sendo a da igreja, mesmo apenas pelo seu prazer pessoal, de modo que, em seu papado, os custos da construção da basílica tornaram-se proibitivos, os gastos com a obra e manutenção de um extravagante mandatário e uma cúria corrupta somente subiam, junto com o endividamento e com a concessão de indulgências, o que pouco mudou nos papados seguintes, de Clemente VII, também um Médici, e Paulo III.

3. O Vaticano e as Indulgências.

Etimologicamente, o termo indulgência se originou a partir do latim indulgentia, que significa “bondade”, “para ser gentil” ou “perdão de uma pena”(https://www.significados.com.br).

Para uma igreja endividada e sedenda de dinheiro, tanto para financiar a obra da colossal basílica quanto a vida de toda uma cúria que vivia em opulência e devassidão, ainda em 1513, Júlio II ofereceu ao mundo a indulgência dita “plenária”, a todos que contribuissem com verbas para a basílica. Era o perdão dos pecados dos homens em troca única e exclusivamente de dinheiro que, como vimos, depois, a partir de Leão X, tornou-se um modo de financiar o papado e sua corrupta devassidão, sem, porém, impedir o endividamento da igreja, que sempre pressionava por mais dinheiro.

Mesmo a imprensa recém-criada foi usada para disseminar os papéis de indulgência. Documentos que circularam pela Europa inteira nas mãos de mascates da salvação, a prometer a remissão dos pecados em troca das fortunas que chegavam a Roma, mesmo após cada um dos muitos atravessadores satisfazer sua respectiva comissão. Pior, as vezes as indulgências eram eternas, dando a remissão inclusive aos pecados que ainda iriam ocorrer e muitas vezes até dos familiares do adquirente, inclusive os já mortos. Diz-se que um pregador dominicano de nome Johann Tetzel simbolizava esse estado de coisas em seus sermões de impressionante cunho mercantilista: ”Quantos pecados mortais se cometem em um dia, quantos em uma semana, quantos em um ano, quantos em uma vida inteira? São quase infinitos e por eles deve-se pagar uma pena infinita nas chamas do purgatório. Porém, graças a estas cartas confessionais, podereis ganhar, de uma vez por todas, perdão total desses castigo.”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 9.)

É provável que Lutero tenha presenciado um ou mais destes sermões. E na sua concepção de indivíduo profundamente abalado com a decadência constatada em Roma, e cujo voto de pobreza, a formação intelectual e as formas de pensar e agir eram diametralmente contrárias àquele estado de coisas. Para ele, trocara-se o arrependimento sincero dos fiéis, que passaram a ser fregueses.

Lutero entendia que a indulgência era reservada e gratuita a todo fiel que, sinceramente arrependido de seus pecados, procurasse a igreja para confessar, porque somente a fé em Cristo salva, e não as boas obras, que dizer a simples troca de papéis por dinheiro que então estava ocorrendo.

Ademais, os Médici, senhores de países e cidades, comerciantes e banqueiros que impunham seu poder à igreja e faziam os papas, certamente não precisavam do dinheiro de fiéis amedrontados com a possibilidade do purgatório para construir a basílica, então símbolo daquele estado de coisas lastimável.

E em 31 de outubro de 1517, após anos de queixumes e recriminações das mais diversas, resolveu tornar públicas suas insatisfações.

    1. A retórica de Lutero.

Naquele dia, Lutero afixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, uma carta de protesto destinada ao seu arcebisbo, pedindo um debate teológico sobre o significado e o alcance das indulgências que levavam o paganismo à igreja, pois não tinham base nos textos das escrituras sagradas.

Tratava-se de um manifesto violentamente contestador do status quo. A tese de número 28 dizia, por exemplo: “É certamente possível que, quando a moeda tilinta na caixa coletora, a cobiça e a avareza aumentem; mas a intercessão da Igreja depende apenas da vontade de Deus”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 9). Mas em resumo, Lutero pedia uma reforma geral da moralidade pública, o que incluía a moralidade da igreja em não observar (ou interpretar segundo seus interesses)as escrituras sagradas.

Traduzidas para o alemão, o idioma vulgar das pessoas mais simples, as teses foram copiadas e impressas, de modo que ao passo de somente dois meses ficaram conhecidas por toda a Europa, fato inédito até então, uma revolução das comunicações que ameaçou diretamente o poder até então incontestável da Igreja Romana, que não demorou reagir, até porque eram palavras que afetavam diretamente os interesses pessoais do Papa Leão X.

Lutero atacara pontos sensíveis à igreja, especialmente as rendas do papa que ele queria abolidas e a renúncia da exigência papal pelo poder temporal, que significava, em outras palavras, o fim da intervenção de Roma sobre os Estados menores e seus soberanos e mesmo sobre os indivíduos, ainda fortemente influenciados pela ameaça de purgatório por seus pecados, sempre presente na face da Igreja.

Isto lhe valeu a simpatia de Frederico, o Sábio, príncipe da Saxônia, um dos muitos monarcas de pequenos Estados alemães que formavam o então Sacro Império Romano. Com a morte de Maximiliano I, Frederico era um dos 7 soberanos que elegeriam o novo Imperador, e esse poder lhe permitiu proteger Lutero, que contava com a simpatia de membros de sua corte e mesmo de populares, claro, burgueses interessados em uma igreja menos onipresente na vida econômica.

Chamado imediatamente à Ordem dos Agostinianos, de que fazia parte, lá justificou suas teses e inclusive recebeu apoio. Após, foi convocado para ir à Roma, mas sabiamente negou-se e Frederico conseguiu que as suas audiências fossem realizadas em solo alemão. Após os vários capítulos do processo iniciado em junho de 1518, em 1520 foi advertido pelo Papa na bula “Exsurge Domine”, ao que respondeu, de modo até insolente no escrito “A Liberdade de um Cristão”, que “Eu não me submeto a leis a interpretar a palavra de Deus”, de modo que, em janeiro de 1521 foi excomungado por Leão X por meio da bula “Decet Romanum Pontificiem”, consequência da firme negativa em revogar o que então já era uma doutrina conhecida de em toda a Europa, inclusive com seguidores.

Diz-se que Lutero protestou queimando cópia da bula em praça pública, o que demonstra muito de sua fé e seu caráter temerário.

Depois, quando o novo imperador Carlos V inaugurou a Dieta de Worms, concedendo salvo conduto novamente por influência de Frederico, outra vez não se conseguiu que Lutero revogasse sua doutrina. Então ele foi declarado fugitivo e herege, tendo suas obras banidas, quando o monarca da Saxônia lhe garantiu asilo ao forjar uma captura e escondê-lo no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde viveu disfarçado e recluso por quase um ano.

O fato é que Frederico da Saxônia granjeou apoio político às teses de Lutero, uma vez que muitos soberanos, influenciados até pela burguesia ascendente de suas sociedades, ansiavam por livrar-se do jugo implacável da igreja, cujo poder não raro, podia retirar suas coroas, entregando-as a terceiros. Ademais, isto também era anseio da nova burguesia economicamente emergente de pequenos Estados como a Saxônia.

No exílio, Lutero dedicou-se à sua doutrina e à famosa tradução da Bíblia para o alemão, o que também incomodava Roma, que sempre valera-se do desconhecimento do latim pelas massas de fiéis, que dependiam sempre da palavra dos sacerdotes.

Lutero virou uma figura pública da Europa. Tanto as 95 teses, a sua tradução da Bíblia para o alemão e dezenas de livros e panfletos que em maior ou menor grau atingiram e foram conhecidos em toda a Europa, apesar da censura natural que a igreja e muitos soberanos certamente aplicaram. A imprensa móvel ainda insipiente, xilogravuras e mesmo os sermões e discussões formais ou não por todo o continente levaram sua palavra a milhões de católicos, clamando por um Concílio que examinasse as condutas da Igreja, que abolisse as indulgências e as peregrinações pagas que também correspondiam a receitas do papado, propondo que ao clero fosse autorizado o casamento e contestando normas e regras que não constavam das escrituras sagradas, rejeitando sacramentos que não constavam de parte alguma do Novo Testamento.

Até mesmo a forma de celebrar a missa, Lutero contestou na filosofia, nos ritos e inclusive na condução dos serviços, que entendia que deveriam ser em alemão, não em latim, a aproximar a igreja dos fiéis.

Ou seja, além do apoio de soberanos como Frederico, também granjeava simpatia popular, porque obviamente ele não era o único insatisfeito e também porque a evolução da sociedade exigia mudanças da arcaica estrutora medieval de poder.

Lutero dera voz a inúmeros grupos insatisfeitos com a Igreja, em um momento de evidente efervescência em todas as áreas do conhecimento e das relações humanas.

5. A Reforma e o Cisma.

O movimento reformista não era novo. Já no século XII, Pedro Valdo defendia e divulgava a Bíblia em linguagem popular, e no século XIV, John Wycliffe defendia que o poder da igreja devia ser limitado às questões espirituais. E depois de Lutero vieram muitos outros reformistas, radicais ou moderados como Ulrich Zwingli, Erasmo, Johann Eberlin e depois João Calvino, tido como o Lutero da França.

Além dos apoios entre líderes espirituais a força política do depois conhecido movimento se espraiou para vários outros Estados ditos “Protestantes”, de modo que nem a morte de Frederico da Saxônia em 1525 diminuiu o apoio a Lutero, ao que se juntaram outros soberanos que, inclusive, se opuseram a Carlos V, que defendia a restituição da primazia da Igreja, mas cujas prioridades certamente não estavam em garantir o poder dela, ameaçado que era na Espanha pelos franceses e pelos muçulmanos, e na Áustria pelos otomanos, obrigado a não recusar apoios militares dos alemães, por mais que não fossem mais católicos.

Enfim, Martinho Lutero representou aquele ponto de inflexão histórica, aquele momento em que o rumo é dramaticamente alterado, para onde as muitas forças de uma certa mudança convergem e obtém um resultado muitas vezes tido como impossível até pouco antes. “O momento escolhido para o protesto de Lutero contra as indulgências fora decisivo. Seu apelo por uma reforma eclesiástica coincidira com várias queixas e aspirações emergentes na sociedade germânica e sua mensagem revelou-se aberta a interpretações cujas ênfases diferiam amplamente. Os nacionalistas alemães, buscando a sua independência política do império, identificaram-se com o desafio à autoridade do papa e do imperador. Dissidentes políticos de vários tipos viram nas ideias luteranas um meio de construir uma sociedade mais justa, baseada em ideais cristãos. A defesa das virtudes da disciplina, trabalho duro e frugalidade – que ganharia ênfase maior em décadas posteriores - harmonizava-se com os interesses de uma classe em ascenção de ricos mercadores cujos empreendimentos capitalistas estavam transformando as práticas econômicas tradicionai da Europa. Dessa forma, tornou-se cada vez mais difícil separar o enfoque puramente religioso da mensagem luterana e as questões políticas, sociais e econômicas.”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 20).

Muitos fatos, muitas rebeliões, muitas guerras, muitos pregadores e pastores ainda contribuiriam para a Reforma, que nem de longe aconteceu apenas por consequência de Lutero. Como sempre acontece em qualquer processo histórico, houve episódios de radicalismo extremo que causaram tragédias e naturalmente forçaram que depois se trouxesse a moderação aos debates, e foram consolidando o nascimento de novas religiões cristãs dissociadas de Roma.

Ao fim da vida de Lutero, em 1534, finalmente a igreja reuniu-se em concílio, na tentativa de instituir combate mais vigoroso à Reforma, mas também para reaproximá-la dos fiéis e combater sua corrupção interna, com a instituição, por exemplo, do voto de celibato dos sacerdotes. Nos 18 anos que seguiram, aconteceu o que foi chamado de “Contrareforma”, uma tentativa de manter o poder do papado e a ascendência da igreja sobre o mundo, mas mesmo assim, em bases muito mais éticas, tanto que o concílio seguinte somente ocorreu no século XX. Foi, em resumo, a reunião da igreja que "emitiu o maior número de decretos dogmáticos e reformas, e produziu os resultados mais benéficos", duradouros e profundos "sobre a fé e a disciplina da Igreja" (Enciclopédia Católica New Adent, 1913, citado em wikipedia).

Fato porém que, além de já ser tarde demais, os tempos eram outros. A igreja já não detinha mais o poder temporal de outrora, que se esvaíra rapidamente. Carlos V, poderso monarca do Império Sacro Romano havia lutado em várias frentes, contra os franceses e os muçulmanos e contra o Império Otomano, e necessitava do poderio militar das nações já protestantes. Assim, em 1555, quase uma década antes do fim do concílio, assinou a paz de Augsburgo, que “dava a todos os príncipes alemães seculares e às cidades independentes o direito de escolher entre o luteranismo e o catolicismo. Os súditos deveriam obedecer a escolha dos governantes, mas quem não concordassepodia migrar para outros territórios(...)A Reforma tornara-se lei na Alemanha”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 31).

O cisma era uma realidade, e irreversível, Roma perdera a exclusividade sobre a fé.

    1. Conclusão.

Tracei apenas um perfil de Martinho Lutero, focado na sua importância na reforma. Muito se poderia falar de sua obra e personalidade, se poderia citar diversos episódios de sua vida que marcaram o processo da reforma, ou, ainda, discutir se foi ou não antissemita ao tratar dos judeus alemães. Seria possível trazer Lutero até o século XX e discutir se sua doutrina embasou ou não alguns aspectos do nazismo ou ainda, o que ele representou no nascimento das milhares de seitas neo-pentecostais cristãs que disputam fiéis em nosso tempo.

Nada disso afeta a importância histórica de Martinho Lutero para a humanidade. Mesmo a Igreja Católica deve à ele talvez sua própria existência, porque é fato que suas 95 teses, sua popularidade, os debates que ensejou em toda a Europa e os apoios que recebeu de príncipes e governantes, forçaram Roma a convocar o Concílio de Trento, modernizar-se, aproximar-se dos fiéis e combater a corrupção que à levou a mercantilizar a fé para financiar papas sabidamente corruptos, pródigos e devassos.

Em 2017, serão comemorados os 500 anos das teses, e a Igreja Católica ainda é a principal fé cristã da humanidade, não sem ter aprendido muito e inclusive deixado de beligerar com luteranos e calvinistas e não raro unindo-se a eles na defesa do cristianismo que lhes é comum.

Lutero foi um homem incomum de carisma avassalador. Foi mais um episódio de homem certo no lugar e no tempo exatos, que mudou a humanidade para melhor.

Sem pretensão de substituir o trabalho dos historiadores profissionais, cujas teses e conclusões podem divergir do que escrevo com muito de opiniões pessoais, este texto tem por finalidade homenagear a figura histórica cuja coragem reformou a fé.

Curitiba, outubro de 2016.


  • A História em Revista – 1500 a 1600, Abril Livros.
  • Uma História Politicamente Incorreta da Bíblia – Robert J. Hutchinson, Editora Agir, Rio de Janeiro, 2012;
  • O Ano Mil, A Vida no Início do Primeiro Milênio – Robert Lacey e Danny Danziger, Editora Campus, 1999;
  • Invenções da Idade Média – Chiara Frugoni, Zahar Editores, 2007;
  • Uma Breve História do Mundo – Geoffrey Blainey, Editora Fundamento, 2a. Edição, 2004;
  • Basilica de São Pedro – Rita A. Scotti – Editora Nova Fronteira, 2007;
  • História da Filosofia do Direito e do Estado – Antonio Truyol y Serra, Ed Alianza Universidad, Espanha, 1982;
  • Lições de Filosofia do Direito – Giorgio del Vecchio, 5a edição, Armenio Amado Editor, Coimbra, Portugal, 1979.
  • Wikipédia, verbetes: Martinho Lutero, Concilio de Trento, Reforma Protestante e João Calvino

25 de out. de 2016

ESCOLA OCUPADA É ANOMIA


Anomia é a ausência de norma. Em palavras mais claras, é a generalização do vale tudo, a imposição do pessoal sobre o social, o interesse particular que se sobrepõe ao da comunidade, a lei do mais forte porque não conta com o freio do Estado, de modo que desenvolve um senso local de criação de norma conforme conveniência momentânea e poder aplicado à quem está em situação de inferioridade.

Escolas estaduais são patrimônio público. São bens de toda a sociedade mantidos com o dinheiro de impostos que no Brasil que não param de subir. Sendo patrimônio público, tem finalidade, ou seja, só pode ser usado para ela, porque a lei assim determina, de modo que, no caso, só pode ser usada para educar, não sendo aceitável virar arena para insatisfações políticas e protestos partidários travestidos de movimentos sociais. As escolas não são dos seus alunos, porque eles são (e devem ser) transitórios.

Ocupar uma escola com alunos adolescentes e dela excluir o acesso das autoridades, é incentivar a anomia, é deixar que jovens que não sabem absolutamente nada da vida adulta, e naturalmente contestadores e dados a experimentar os perigos dela, seja como aprendizado, seja como protesto, tomem decisões que não lhes cabem ou, ainda, pensem não precisar mais observar regras, por estarem protegidos no meio de um grupo de supostamente iguais.

Dizer que o assassinato de um adolescente por outro, dentro de uma escola ocupada não é responsabilidade do "movimento" não só é hipócrita, é criminoso, porque era o efeito esperado em determinado momento dentro de um ambiente sem normas e sem autoridade, com palavras de ordem e chavões pré-definidos impondo o tom de de uma não-discussão sobre assuntos sobre os quais os "lideres" já fecharam questão de antemão.

A morte do adolescente é, sim, responsabilidade da UNE, dos incentivadores e dos pais de alunos que assistem passivamente que quase-crianças pratiquem delitos travestidos de protestos, usados como massa de manobra de organizadores que nem estudantes são. Esses adolescentes ou estão abandonados pelos pais, ou estão sendo usados como escudos para que adultos pratiquem crimes e façam seus protestos não por um país melhor, mas contra o governo constitucional que não aceitam.

Mas também é responsabilidade do Estado do Paraná, especificamente do governador Beto Richa que, detendo mandados de reintegração de posse, não os faz valer. Também é da Justiça do Paraná, que não defere reintegração geral e não restabelece a ordem, constatando que o "movimento" não só prejudica estudantes às portas do ENEM, como também o próprio ENEM e mesmo as eleições municipais. 

Se os professores estão em greve pelo justo motivo da quebra do acordo salarial, é outro assunto. Se por conta disso as escolas estariam sem uso, ainda assim não é aceitável que sejam ocupadas. 

Vale a mesma regra de sempre: quer protestar o faça em paz, dentro das regras, sem invadir, vandalizar, sujar, descumprir leis e especialmente matar. O cinegrafista da BAND foi vítima de contexto idêntico. A fraqueza das autoridades sempre amedrontadas em serem tidas como arbitrárias, levou à anomia e ao vale-tudo, até que se chegou a um cadáver. E se não se fizer nada imediatamente, tudo só vai piorar, se é que não se promoverão mais badernas para vitimizar e a partir disto justificar que não se cumpra mais lei nenhuma, dizendo que é por conta da reforma do ensino e da PEC 241 que o "movimento" nem sabe como funcionarão, até por não terem interesse em discuti-los.

A escola pública brasileira pouco ensina. Os alunos tem direitos demais, os professores, de menos. É um campo de batalha política constante, de imposição de ideologia e de demagogia eleitoreira à guisa das eleições de diretores, uma excrescência que alija a sua administração pelos mais competentes, entregando-a aos mais populares. Mesmo assim, ainda é escola e dentro dela o mínimo que se espera é que se ensine.

19 de out. de 2016

IMBROGLIO! NO PR O GOVERNO NÃO QUER SE EXPLICAR E OS SERVIDORES NÃO QUEREM OUVIR!



O governador Beto Richa levou os problemas do Paraná com a barriga entre 2010 e 2014 para se reeleger, o que acabou acontecendo, até porque seus adversários foram Requião e Gleisi Hoffmann, cujos discursos batidos e o apoio do governo de Dilma Roussef não foram suficientes para evitar a derrota em primeiro turno.

Reeleito, imediatamente propôs um pacote de aumento brutal de impostos. A alíquota do ICMS subiu 33% (de 12% para 18%_ e a do IPVA 64% (de 2,5% para 4%), além de regulamentar diferenciais e antecipações de alíquota que elevam o ICMS para muito acima do percentual citado. 

Além disso, adentrou no fundo de previdência do funcionalismo estadual para fazer caixa, definindo que os aportes para compensar isto serão feitos nos próximos governos (ou seja, não serão feitos), até que se cubra o déficit atuarial.

Nisso, seguiu-se uma greve de professores que, até por decorrência da incapacidade flagrante de Richa em negociar, gerou aquele episódio de abril de 2015, quando no afã de aprovar o pacote de medidas fiscais desesperadas, impôs um cerco militar à Assembléia Legislativa levando os deputados aliados em camburão para votarem na marra, sem discussão e sem negociação, mas que acabou em violência generalizada do lado de fora, na tentativa de conter os manifestantes e impedi-los de obstar a votação.

Se este país fosse minimamente sério, deveria ter lhe custado o cargo e de quebra alguns anos de prisão.

Quando aprovou o projeto exatamente como queria, tratou de acalmar os professores oferecendo uma política de reposição inflacionária para os salários deles e do resto do funcionalismo, mas continuou nada fazendo para conter despesas, mantendo o mesmo aparato político caríssimo, cheio de contratados em confiança intocáveis e com o governo distribuído em feudos, como o do deputado Ratinho Junior, da vice-governadora Cida Borghetti e do deputado Valdir Rossoni, todos com altas aspirações políticas imediatas, sedentos em sucedê-lo.

E passou o resto do ano de 2015 e o de 2016 alardeando aos quatro ventos que fez o ajuste fiscal, que o estado é o que mais cresce no país, que aqui a crise não chegou. Até que, ao enviar o projeto de orçamento de 2017, o fez excluindo o reajuste que prometeu, alegando ter a obrigação de regularizar os anuênios e progressões de carreira do funcionalismo, que ele também não estava observando, nem dando explicações do por quê. 

A desculpa na falta de dinheiro desta vez estaria nas projeções irreais de crescimento do PIB do governo Dilma, como se o estado não tivesse corpo técnico próprio e capacitado para detectar ou mesmo perceber nas análises econômicas que essa retração econômica violenta era certa, e seria até pior se o Congresso não tivesse cassado o governo federal incapaz.

E com o mesmo modus operandi, de enviar para a assembléia uma proposta que sua base aliada deve tão somente chancelar sem discutir.

Ato contínuo, professores, policiais e várias outras categorias anunciaram greves e paralisações. E o clima político nacional só aumentou o problema, porque, agora, sindicatos e entidades de classe ligados ao PT e demais partidos de esquerda aproveitam o "quid pro quo", para tentar convencer a opinião pública que se trata de algo que será transportado para a administração federal, quando em verdade, não querem aceitar a crise econômica gestada, parida e criada pelos desmandos sucessivos, pela incompetência e pelo aparato endêmico de corrupção do governo cassado, que eles apoiaram quase que em uníssono.

Uma coisa é a incompetência e a desonestidade de Richa, que obviamente deixou a situação fiscal do estado ficar dramática para garantir sua reeleição. Porém, por muito tempo, antes mesmo do governo dele, já se sabia que as contas públicas do Paraná estavam em situação crítica. Pelo menos desde o governo de Jaime Lerner, incluindo o de Roberto Requião, situação amainada pela bonança econômica temporária havida entre 2003 e 2008, o que não estava causando maiores efeitos em face do aumento inercial da arrecadação sempre acima da inflação, por mais que as despesas sempre tenham crescido acima do acréscimo de receitas.

As entidades que representam o funcionalismo tinham todas as condições e inclusive, a obrigação de ter conhecimento da situação de penúria do estado, visível a qualquer cidadão pela quantidade de obras paradas e/ou atrasadíssimas em qualquer cidade que se visite, mas lhes foi mais conveniente aceitar o discurso poliana de Lerner, Requião e Richa, segundo o qual tudo era mar de rosas, e que a discussão era meramente política e não fiscal. Todos acreditaram no mito do dinheiro que não acaba nunca e que nasce em árvores, ou no outro, segundo o qual o contribuinte tem que arcar na marra com toda despesa que o governo e seu funcionalismo pensam que deve ser feita ao arrepio da realidade.

Vivemos hoje a situação de um governo que não quer se explicar, porque isso significaria confessar que negligenciou as contas públicas pela reeleição, e um funcionalismo representado por entidades que não querem ouvir, porque isso representa uma chance de ouro de fazer política rasteira igual à de Richa, mas para beneficiar a oposição nacional liderada pelo PT. 

Enquanto isto, o estado do Paraná caminhando para o default igual ao do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Será necessário Richa virar um Pezão e o funcionalismo receber o salário fracionado, se receber, para que, talvez, comecem a analisar essa questão de modo prático e objetivo, sem propor novos aumentos de impostos para transferir a conta para o contribuinte,

10 de out. de 2016

HILLARY X TRUMP



Hillary Clinton e seu marido Bill já foram acusados de crimes no caso Whitewater e de obstrução da justiça no caso Mônica Lewinski, ambos arquivados. 

Contra ela ainda há o caso dos e-mails sonegados das instituições, trocados quando Secretária de Estado (chanceler de relações exteriores), que revelam práticas não muito republicanas em pavimentar seu caminho à sala principal da Casa Branca, muito embora isso cause espanto lá, mas não para nós brasileiros, acostumados que somos a escândalos diários que na comparação fazem-na parecer uma Branca de Neve, de tão pura.

Os Clinton também são considerados oligarcas, família que dominou por muitos anos a política de um estado não muito importante, e que já havia insinuado em 2000 que aceitaria concorrer a um terceiro mandato, o que é proibido. Fora isso, as acusações pesadas contra Bill Clinton e seus (muitos) deslizes de natureza sexual.

Hillary, mesmo com a sólida carreira acadêmica, com o protagonismo que teve no governo de seu marido, a atuação parlamentar e depois, administrativa no governo Obama, ainda assim não é considerada popular, nem carismática. Conseguiu a candidatura por conta de sua competência em negociar com as várias alas do partido, e, talvez, pela falta de líderes,  que acomete os partidos americanos quando um governo tem sucesso como o de Obama, já que é tradição não ofuscar o presidente, como já havia ocorrido, por exemplo, com George Bush (o pai) a substituir o popularíssimo Ronald Reagan.

Já Donald Trump é o típico tubarão de Wall Street. Não tem grande formação acadêmica, fez carreira no mercado de imóveis, no show bizz e até programa de TV já apresentou. É acusado de quebrar negócios conscientemente para não pagar impostos, de deslealdade com sócios, de elitismo, de machismo e de belicismo, muito embora nada disso seja tão preponderante para ser desdenhado quanto sua aparente burrice, geralmente escancarada em declarações como a que deu no debate de ontem, ao afirmar que mandaria prender sua adversária caso fosse eleito, sem contar a falta de tato com eleitorados sensíveis como o de imigrantes, especialmente com latinos. 

Trump conseguiu a candidatura porque o Partido Republicano sofre crise profunda. Não emerge de seus quadros um grande líder desde Reagan. George W. Bush já não o era, e, desde que foi eleito, a ausência de quadros com carisma e ascendência sobre o partido é dramática, de modo que o "tea party", ala utra-radical que vem dominando a legenda há duas décadas, impõe seus dogmas, tenta se contrapor radicalmente aos democratas, fugindo de outra tradição nacional, segundo a qual os dois grandes partidos eram quase iguais e tinham políticas muito parecidas em quase tudo.

O "tea party" representa o americano dos grotões, dos estados rurais e menos desenvolvidos. Representa os anseios do americano médio, amedrontado com a imigração e o terrorismo, que sonha em voltar a viver com a fartura econômica aliada a um pensamento conservador com muito do isolacionismo que foi poderoso até quase a metade do século XX.

Nas eleições que se aproximam, é provável que a diferença de votos entre Hillary e Trump não seja muito grande, mas a diferença de delegados da eleição indireta seja recorde. Como muitos estados indicam todos os delegados sem proporcionalidade de votos, é estimado que no colégio eleitoral Hillary ganhe com 70%, porque nos estados mais populosos, mais desenvolvidos e mais miscigenados ela vencerá, mesmo que por margens não muito grandes.

E é melhor que seja assim, Por mais idiossincrática que ela seja, por piores que sejam as máculas que lhe causem nódoas de imagem, ainda assim Trump dá mostras diárias de que não tem bom senso, paciência nem comiseração necessários ao presidente de um país que tem capacidade de fazer guerra em qualquer lugar do mundo, e que por isso precisa exercitar mais do que qualquer outro líder do planeta estas qualidades que o afastem do radicalismo e de atos impensados. Trump não seria um problema se sua retórica encerrasse apenas propostas como um muro na fronteira com o México, porque coisas assim as instituições e mesmo o Partido Republicano compensariam, o grande problema é que ele parece não entender para que serve e como trabalha um presidente daquele país, ele não aparenta saber a dimensão da tarefa. 

6 de out. de 2016

PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA: CLAMOR DA SOCIEDADE


Tenho colegas advogados certamente horrorizados com a decisão de ontem do STF, no sentido de autorizar a prisão do condenado em segunda instância, sem aguardar o trânsito em julgado da sentença que ainda possa ser revista pelo STJ e/ou STF  em recurso Especial ou Extraordinário.

Como eu sempre escrevo aqui, o STF é um tribunal político, função que é muito mais importante que a jurídica, uma vez que interpretar a Constituição não se limita a fazer enquadramento de regras legais, é nortear toda a administração da justiça a partir de algo subjetivo, que é o anseio da sociedade.

Ontem o Brasil quebrou uma tradição histórica de sempre interpretar a lei de um modo tão favorável ao réu, ao ponto de promover a impunidade do rico e do poderoso. Esta tradição legou ao país a sensação de ineficácia das leis. O Congresso Nacional muitas vezes aprovou legislações rigorosas, como a dos crimes hediondos ou a lei seca para quem consome álcool e dirige, e nosso Judiciário sempre decidiu pelas brechas a aliviar a punição. No caso dos crimes hediondos, entendeu-se que a lei mais grave não poderia afetar a regra de progressão de pena, no caso da lei seca, dificultou tanto a prova, que foi necessário fazer uma redação ainda mais rigorosa para conseguir um resultado ainda assim mediano do ponto de vista de punição do irresponsável que dirige após consumir álcool.

Por ser político, o STF tem por obrigação ouvir o anseio popular, e os votos dos ministros Luiz Edson Fachin, Roberto Barroso e Carmen Lúcia são exemplares neste sentido, eles demonstram que muito mais do que considerar apenas a letra fria da lei, é necessário escutar a voz que vem das ruas, um povo cansado de impunidade, que não suporta mais corruptos e assassinos posando de inalcançáveis em pagando bons advogados e contando com a lerdeza dos tribunais superiores assoberbados por milhões de recursos, a maioria deles simplesmente protelatórios.

Em nosso sistema jurídico, ao impetrar um recurso Especial e/ou Extraordinário é necessário fazer prequestionamento. Ou seja, antes de entrar no mérito da questão, é preciso comprovar que existe uma questão de interpretação da Lei e/ou da Constituição, demonstrar a violação de uma ou de outra, ou, ainda, comprovar que existe divergência de interpretação daquela regra. Quando o tribunal de origem entende que não houve prequestionamento, ele nega o seguimento ao recurso e, automaticamente, a parte prejudicada entra com outro recurso, de agravo, que não tem juízo de admissibilidade e que força que o STJ e/ou o STF analisem a questão da admissibilidade, e, com isso, no mínimo se ganha tempo, e, no caso do direito criminal, se garantia até ontem uma liberdade calcada especialmente no excesso de processos dos tribunais superiores, que não conseguem analisar tantos recursos com a celeridade que a lei propõe em tese.

Com a decisão de ontem, abriu-se a possibilidade da ordem de prisão vir com a condenação em segunda instância, mas isso não será regra, não existe obrigatoriedade. Certamente os tribunais analisarão o caso concreto, as provas, a situação de legalidade e constitucionalidade antes de mandar prender alguém. Por exemplo, se o tribunal de origem der seguimento ao recurso Especial e/ou Extraordinário, é bem provável que não emitirá ordem de prisão, mas se não o der, poderá prender mesmo com a interposição de agravo.

Ou seja, o que se decidiu ontem foi a adoção de uma regra de interpretação que diminua a sensação de impunidade tão presente na sociedade brasileira, tão somente isto. Não se rasgou a Constituição, não se retirou direito de ninguém, apenas se quebrou o dogma do trânsito em julgado que já causou tanta impunidade a envergonhar (e irritar) os brasileiros de bem.


3 de out. de 2016

JOVENS NA POLÍTICA TEM QUE SER AS IDÉIAS, NÃO OS CANDIDATOS



Eu poderia citar uma lista enorme de candidatos "jovens" que representam idéias atrasadas e conceitos que a história já venceu. Gente que representa muito mais as suas famílias, o jeito de fazer política dos seus pais ou ainda a forma de fazer política mais a partir de conceitos vencidos que de um sopro de juventude e arejamento de idéias. A idade física de um candidato não necessariamente significa que ele defende conceitos modernos.

O Brasil precisa repensar o modelo de Estado paternalista, segundo o qual ele tem que estar presente em tudo, tem que fiscalizar tudo, tem que ter controle sobre tudo e tem que ser ativo em tudo, se agigantando cada vez mais e transferindo para a sociedade o ônus de ser cada vez mais caro e difícil de operar. Vivemos uma crise econômica causada pelo vício que o brasileiro (inclui o empresariado e toda a sociedade civil) tem em querer o Estado como sócio ou parceiro para tudo.

No Brasil não se faz investimento sem ponte de empréstimo de banco público, não se constrói uma estrada sem que o governo tenha de alocar recursos, não se cria um programa de inclusão social que não envolva ONG que receba dinheiro público de alguma forma, não se faz uma obra de cinema sem recursos de estatais ou da Lei Rouanet. A consequência disto é o excesso de gasto público, o excesso de agentes públicos, um número absurdo de ministérios, secretarias, institutos, fundações e órgãos de todo o tipo, e, claro, a corrupção que decorre do excesso de regras e de pessoas que precisam ser consultadas para que se faça qualquer coisa.

Não há nada mais antigo e atrasado na política que essa onipresença do Estado como agente econômico. O Estado que deveria fomentar e fiscalizar, virou um agente. O capitalismo de Estado, que não deu certo em nenhum país democrático é algo tão ultrapassado e anacrônico, e, pior, é algo tão autoritário, que me custa acreditar em jovens saídos de universidades se candidatando com o discurso do socialismo que odeia a livre empresa e a decisão da sociedade, dos rumos que pretende tomar.

Por outro lado, também não nos enganemos com o discurso do Estado ausente que abdica de suas funções primordiais como educação, saúde, previdência e segurança pública, que é tão atrasado quanto o do Estado paquidérmico.

Moderno hoje, é ter economia aberta e pronta para negociar com o mundo. Moderno é ter contas públicas equilibradas sem grandes déficits ou superávits. Jovem é entender que o mundo em que vivemos é de inovação constante que precisa ser fomentada por liberdade e agilidade em empreender, quebrando regras antigas e adequando a sociedade aos desafios do futuro por meio de política educacionais e sociais responsáveis e inclusivas. Não há nada mais velho que defender que nada pode mudar para preservar direitos que pouco ou nada valem se não há crescimento econômico consistente.

Pouco adianta o discurso do "jovem" na política, quando um Requião Filho faz o mesmo tipo de campanha raivosa que caracterizou a carreira política do seu pai. De nada serve uma "jovem" Luciana Genro que defende as ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Coréia do Norte, que fotograva na Praça da Revolução em Cuba exaltando Che Guevara e ao mesmo tempo fala em democracia aqui, no Brasil. Pouco se aproveita de um Flávio Bolsonaro que representa as idéias erráticas, oportunistas e ultraconservadoras do seu pai, na onda contrária que segue à uma avalanche de 13 anos de ideologia capenga de esquerda.

Em política, jovens tem que ser as idéias, não os candidatos.

26 de set. de 2016

DEBATES QUE NÃO SERVEM PARA NADA, POLÍTICOS AFASTADOS DA SOCIEDADE



Eu não assisto mais debates eleitorais porque cheguei à conclusão de que não servem para absolutamente nada. 

Ontem, troquei rápido de canal quando vi que na Record Curitiba estavam 7 dos 8 candidatos a prefeito, com aquelas caras lavadas fingindo gostar de pobre para se aproveitar de uma declaração infeliz de um deles, líder das pesquisas, e mostrando indignação com os atos que eles mesmos cometem, mais a verborragia clássica do "sou perseguido", seja pelo governo do estado, seja pelo governo federal, seja pelo Ministério Público, seja por quem eles encontrarem como tábua de salvação para não terem de explicar os seus atos e falhas morais.

Se debate eleitoral servisse para alguma coisa, Dilma Roussef, que não tem capacidade de articular uma frase inteligível jamais teria sido eleita. Se prestasse para alguma coisa, debate eleitoral não teria reuniões intermináveis com assessores de campanha para definir regras para que os candidatos aceitem participar, tais como tempos máximos para pergunta e respostas.

Aliás, o debate é apenas mais um aspecto do afastamento da classe política da sociedade. Ao aparecer na TV dizendo que está aberto para debater com os adversários, mas dentro de regras pré-estabelecidas e tempos muito bem contadinhos, os candidatos querem dar uma impressão de que suas vidas são livros abertos, o problema é que não são, porque esse modelo de debate comum no Brasil limita os assuntos e as argumentações, não é possível fazer uma acusação, muito menos ouvir uma resposta  com fundamentação que fuja do discurso padrão do eu isso e aquilo, do você isso e aquilo e da "perseguição" que o pobre vivente sofre por estar na vida pública.

Debate de verdade é colocar dois candidatos com tempo livre para pergunta, réplica e tréplica, nem que ele se resuma a um único questionamento. Daí há tempo para morder a jugular do adversário e ver como ele se defende.

Eu voto numa cidade pequena. Aqui, o indivíduo precisa de uns 500 ou 600 votos para se eleger, No entanto, quase no fim da campanha eleitoral, até agora nenhum candidato apareceu aqui no balcão do meu escritório me pedindo seu voto ou tentando me convencer que é uma boa opção. Isso porque o candidato favorito à prefeitura mora aqui do lado. 

No Brasil, os políticos pensam que o candidato a cargo eletivo só precisa martelar na cabeça do eleitor uma musiquinha estúpida tocada à exaustão em carros de som que passeiam pela cidade, o que nada mais é que a intenção de eleger-se e simplesmente ficar longe dele (do eleitor) para gozar da "dolce vita" dos bons salários, dos carros oficiais, dos muitos assessores, das mordomias e do conforto dos palácios e gabinetes ricamente decorados.

O afastamento da classe política dos cidadãos talvez seja o mais grave problema brasileiro, porque ele tem por consequência todos os demais. Nossos políticos, uma vez eleitos, vão trabalhar em palácios monumentais cheios de seguranças e salvaguardas, distantes das ruas e onde só se entra ou sai de carro. Eles pensam viver num país rico, com problemas solúveis por projetos de leis criados a partir de conceitos românticos e idealizados à perfeição. O problema é que a sociedade não é perfeita e leis bonitas nem sempre resolvem problemas, isso quando não os agravam.

É impossível para um cidadão brasileiro entrar numa prefeitura, dirigir-se ao secretário do prefeito  municipal e marcar uma audiência com ele. Se tentar conversar com o deputado ou vereador em quem votou, no mínimo vai levar um chá de cadeira de algumas horas, senão dias, isso sem contar que nosso governo central está instalado em uma ilha da fantasia, Brasília (que não se confunde com as cidades satélites à sua volta), lugar com a maior renda per capita do país sem ter sequer uma indústria que produza alguma coisa e onde os políticos e os alto funcionários públicos vivem numa rotina de imóveis funcionais a palácios suntuosos, hotéis de luxo e casas noturnas caríssimas (algumas de prostituição), cuja única ligação com a vida real é a imprensa, que eles também desprezam e por quem invariavelmente se dizem perseguidos.

É certo que em todo lugar do mundo é difícil aproximar-se da classe política. Mas no Brasil isso beira a insanidade. Uma vez eleitos, nossos políticos se consideram intocáveis e isentos de toda e qualquer responsabilidade pelo que fazem. Eles votam leis absurdas e desconectadas da realidade e quando esta se aproxima deles por meio de algum caso escabroso e corrupção, praticam o movimento visto no Congresso Nacional nos últimos dias, de criar anistia para que certos crimes não sejam alcançados pela operação Lava Jato ou interpretações fantasiosas da Constituição para evitar que a presidente cassada por condenação criminal perca seus direitos políticos e as mordomias que eles garantem.

No Brasil, o debate eleitoral é tão fantasioso quanto a vida dos políticos. É uma quimera agradável para eles, mas amarga para o cidadão assoberbado por impostos absurdamente altos, burocracia insana e uma sociedade doente, violenta, ignorante e assim mantida para que não se mexam nos privilégios dos agentes importantes do Estado.


CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...