Fábio Max
Marschner Mayer
Advogado,
contabilista.
Especialista em
Direito Empresarial
1. Introdução.
O fim da Idade Média.
A tomada de
Constantinopla, com o fim do Império Romano do Oriente em 1453, foi
o marco do que se considera o fim da Idade Média, e início da Idade
Moderna.
Na Idade Média,
Deus era a medida de todas as coisas, o início, o meio, o fim, o
onipotente, o monopolista da graça e da punição, cujas palavras
apenas a poderosa igreja sabia interpretar, de modo que Roma era a
“defensora única e perpétua da paz e da justiça”(.LACEY,
Robert e DANZIGER, Danny - O Ano 1000, A Vida No Início do Primeiro
Milênio, Ed. Campus, 1999, p.26).
“O Deus da
Idade Média, era um Deus que interferia ativamente na vida diária”
(LACEY, Robert e DANZIGER, Danny - O Ano 1000, A
Vida No Início do Primeiro Milênio, Ed. Campus, 1999, p.26) tanto
das pessoas quanto dos governos. Aquele mundo era divino, ditado pela
igreja, porque entendia-se que não era consequência da natureza
humana. “Se o Mundo é governado por um Deus pessoal,
logo se vem a considerar o Direito como emanado de uma ordem divina e
o Estado como instituição divina. Por sua vez, a vontade divina
conhece-se, não pelo raciocínio, mas pela revelação: antes de ser
demonstrada, deve ser acreditada ou aceite pela fé.”(DEL
VECCHIO, Giorgio – História da Filosofia do Direito – Armênio
Amado, Coimbra, 1979, p.60).
Como
a revelação era exclusiva da igreja, havia a subordinação dos
homens e dos Estados a ela. Deus revelava-se à igreja, porque o
homem, e mesmo o soberano nada mais era que uma vontade divina, que
não ocupava lugar nas decisões, de modo que, na prática, isso
significava a primazia das opiniões do Papa, quando muito da cúria
romana.
Martinho Lutero
nasce em 1483, na hoje batizada em sua homenagem, Eislebem (terra de
Lutero), Alemanha, e se pode dizer que será, durante sua vida, mais
um homem importante do renascimento a buscar a reforma de estruturas
e modos de pensar que se fizeram presentes por um milênio,
praticamente sem contestações. Profundamente religioso, de fé
inabalável, contestador e reformador, de retórica poderosa e
firmeza nas ações, era um homem do século XVI, um indivíduo que
se adaptava aos novos tempos, porque sabia que o mundo mudava.
Aquele foi um
tempo de enormes transformações ditadas pelos descobrimentos
marítimos, pelo renascentismo cultural, a invenção e rápida
disseminação da imprensa e a consolidação de países cujos
reinados tinham, até então, submissão aos ditames da poderosa
Igreja Católica e ao Papa, que, na prática, era o centro do poder
do mundo ocidental.
Mas
um novo mundo
rapidamente florescia. Novas terras e riquezas eram descobertas,
novos povos, culturas e civilizações rapidamente eram contatadas
pela Europa. Muitos soberanos passaram a experimentar riquezas e
poder jamais sequer sonhados, o comércio prosperava, as artes e o
pensamento crítico tornavam impossível o controle do mundo
conhecido nos termos postos por Roma durante a Idade Média.
Soberanos
poderosos, mas ainda
limitados pelo poder da igreja financiavam o conhecimento, eram
mecenas das artes, das ciências e do novo pensamento. O indivíduo
passa a ter importância na definição de seus destinos, e a igreja
ia perdendo gradualmente o poder absoluto sobre os soberanos e
indivíduos, mas especialmente sobre a nova burguesia que detinha
poder econômico conquistado apesar
das amarras religiosas medievais.
2. Júlio II,
Leão X e os papas ainda medievais.
Em 1506 é lançada
a pedra fundamental da nova Basílica de São Pedro, que hoje é o
prédio principal do que conhecemos como o complexo de edificações
que constituem o Estado do Vaticano.
O Papa de então
era Júlio II, cujo nome não fora escolhido para homenagear São
Júlio, mas sim Júlio Cesar, o imperador romano, o que dá a
dimensão de seu caráter e modo de pensar.
Júlio II chegara
ao poder da Igreja após estar presente em 4 conclaves, com chances
reais de assumir o trono de São Pedro em todos. Lutou pelo cargo por
20 anos, não sem ser ativo militante em guerras, conspirações e
subornos. Era um político ambicioso, arrogante, impaciente,
arbitrário, e principalmente sedento por virar parte da história,
deixando seu nome escrito nela.
Mas
era um amante das artes, da arquitetura e da beleza. Foi amigo e
patrono de gênios como Bramante, Rafael e Michelângelo, todos
envolvidos, em maior ou menor grau, com obras de arte para a igreja e
na construção da nova basílica, tida à época como seu delírio
megalomaníaco, uma construção tão colossal quanto magnífica, que
alguns chegaram a considerar impossível dado o tamanho da cúpula,
a glorificar Deus, mas também para marcar seu papado encarnando “a
grandeza do presente e do futuro”(
SCOTTI, Rita A – Basílica de São Pedro – Nova Fronteira, 2007,
p.67)
proclamando o poder e a glória de Cristo e sua igreja.
Porém, Júlio II
ainda era um homem do século XV, a acreditar na primazia da Igreja
sobre o mundo, de modo que não hesitou em usar as bulas papais, as
excomunhões e as indulgências em prol de seu projeto de afirmar a
autoridade que Roma já ia perdendo gradativamente. Nenhuma moral e
nenhum escrúpulo foi imaginado para a consecução da obra, neste
caso, o fim justificou os meios.
Entre
1510 e 1511, Lutero visita Roma. Já um sacerdote, que estudara
Direito, bacharel em estudos bíblicos, professor de teologia na
Universidade de Wittenberg e principalmente um monge
a
viver e ensinar a virtude da pobreza e do amor incondicional de Deus,
volta para a Alemanha decepcionado com a devassidão e a decadência
de uma igreja mercenária, opulenta e esbanjadora, que vendia
indulgências a substituir o arrependimento sincero dos pecados para
financiar uma obra que entendia desnecessária. Foi nesse momento que
o homem do século XVI iniciou seu confronto com os papas ainda
medievais, mandatários de uma a igreja mergulhada em corrupção e
afastada do que para ele eram as únicas palavras confiáveis, as das
escrituras.
Júlio
II morreu em 1513 e, mesmo com o andamento da construção da
basílica, deixou a igreja riquíssima e tão poderosa quanto o
sempre, mas foi sucedido por um dos Médicis, Leão X, que em resumo,
era um pródigo,
um esbanjador, um escroque que usou do poder para financiar sua
família e seu modo de vida devasso e suntuoso, mas ainda
e também um homem da Idade Média, do século XV, que afirmava a sua
autoridade como sendo a da igreja, mesmo apenas pelo seu
prazer pessoal, de modo que, em seu papado, os custos da construção
da basílica tornaram-se proibitivos, os gastos com a obra e
manutenção de um extravagante mandatário e uma cúria corrupta
somente subiam, junto com o endividamento e com a concessão de
indulgências, o que pouco mudou nos papados seguintes, de Clemente
VII, também um Médici, e Paulo III.
3. O Vaticano e
as Indulgências.
“Etimologicamente,
o termo indulgência se originou a partir do latim
indulgentia,
que significa “bondade”, “para ser gentil” ou “perdão de
uma pena”(https://www.significados.com.br).
Para
uma igreja endividada e sedenda de dinheiro, tanto para financiar a
obra da colossal basílica quanto a vida de toda uma cúria que vivia
em opulência e devassidão, ainda em 1513, Júlio II ofereceu ao
mundo a indulgência dita “plenária”,
a todos que contribuissem com verbas para a basílica. Era o perdão
dos pecados dos homens em troca única e exclusivamente de dinheiro
que, como vimos, depois, a partir de Leão X, tornou-se um modo de
financiar o papado e sua corrupta devassidão, sem, porém, impedir o
endividamento da igreja, que sempre pressionava por mais dinheiro.
Mesmo
a imprensa recém-criada foi usada para disseminar os papéis de
indulgência. Documentos que circularam pela Europa inteira nas mãos
de mascates da salvação, a prometer a remissão dos pecados em
troca das fortunas que chegavam a Roma, mesmo após cada um dos
muitos atravessadores satisfazer sua respectiva comissão. Pior, as
vezes as indulgências eram eternas,
dando a remissão inclusive aos pecados que ainda
iriam ocorrer e muitas vezes até dos familiares do adquirente,
inclusive os já mortos. Diz-se que um pregador dominicano de nome
Johann Tetzel simbolizava esse estado de coisas em seus sermões de
impressionante cunho mercantilista: ”Quantos
pecados mortais se cometem em um dia, quantos em uma semana, quantos
em um ano, quantos em uma vida inteira? São quase infinitos e por
eles deve-se pagar uma pena infinita nas chamas do purgatório.
Porém, graças a estas cartas confessionais, podereis ganhar, de uma
vez por todas, perdão total desses castigo.”(A
História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 9.)
É
provável que Lutero tenha presenciado um ou mais destes sermões. E
na sua concepção de indivíduo profundamente abalado com a
decadência constatada em Roma, e cujo voto de pobreza, a formação
intelectual e as formas de pensar e agir eram diametralmente
contrárias àquele estado de coisas. Para ele, trocara-se o
arrependimento sincero dos fiéis, que passaram a ser fregueses.
Lutero
entendia que a indulgência era reservada e gratuita a todo fiel que,
sinceramente
arrependido de seus pecados, procurasse a igreja para confessar,
porque somente
a fé em Cristo salva, e não as boas obras, que dizer a simples
troca de papéis por dinheiro que então estava ocorrendo.
Ademais,
os Médici, senhores de países e cidades, comerciantes e banqueiros
que impunham seu poder à igreja e faziam os papas, certamente não
precisavam do dinheiro de fiéis amedrontados com a possibilidade do
purgatório para construir a basílica, então símbolo daquele
estado de coisas lastimável.
E
em 31 de outubro de 1517, após anos de queixumes e recriminações
das mais diversas, resolveu tornar públicas suas insatisfações.
A
retórica de Lutero.
Naquele
dia, Lutero afixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg, uma carta de protesto destinada ao seu arcebisbo, pedindo
um debate teológico sobre o significado e o alcance das indulgências
que levavam o paganismo
à igreja, pois não tinham base nos textos das escrituras sagradas.
Tratava-se
de um manifesto violentamente contestador do status
quo. A
tese de número 28 dizia, por exemplo: “É
certamente possível que, quando a moeda tilinta na caixa coletora, a
cobiça e a avareza aumentem; mas a intercessão da Igreja depende
apenas da vontade de Deus”(A
História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 9).
Mas
em resumo, Lutero pedia uma reforma geral da moralidade pública, o
que incluía a moralidade da igreja em não observar (ou interpretar
segundo seus interesses)as escrituras sagradas.
Traduzidas
para o alemão, o idioma vulgar das pessoas mais simples, as teses
foram copiadas e impressas, de modo que ao passo de somente
dois meses ficaram conhecidas por toda a Europa, fato inédito até
então, uma revolução das comunicações que ameaçou diretamente o
poder até então incontestável da Igreja Romana, que não demorou
reagir, até porque eram palavras que afetavam diretamente os
interesses pessoais do Papa Leão X.
Lutero
atacara pontos sensíveis à igreja, especialmente as rendas do papa
que ele queria abolidas e a renúncia da exigência papal pelo poder
temporal, que significava, em outras palavras, o fim da intervenção
de Roma sobre os Estados menores e seus soberanos e mesmo sobre os
indivíduos, ainda fortemente influenciados pela ameaça de
purgatório por seus pecados, sempre presente na face da Igreja.
Isto
lhe valeu a simpatia de Frederico, o Sábio, príncipe da Saxônia,
um dos muitos monarcas de pequenos Estados alemães que formavam o
então Sacro Império Romano. Com a morte de Maximiliano I, Frederico
era um dos 7 soberanos que elegeriam o novo Imperador, e esse poder
lhe permitiu proteger Lutero, que contava com a simpatia de membros
de sua corte e mesmo de populares, claro, burgueses interessados em
uma igreja menos onipresente na vida econômica.
Chamado
imediatamente à Ordem dos Agostinianos, de que fazia parte, lá
justificou suas teses e inclusive recebeu apoio. Após, foi convocado
para ir à Roma, mas sabiamente negou-se e Frederico conseguiu que as
suas audiências fossem realizadas em solo alemão. Após os vários
capítulos do processo iniciado em junho de 1518, em 1520 foi
advertido pelo Papa na bula “Exsurge
Domine”, ao
que respondeu, de modo até insolente no escrito “A
Liberdade de um Cristão”, que
“Eu não me submeto a leis a interpretar a palavra de Deus”, de
modo que, em janeiro de 1521 foi excomungado por Leão X por meio da
bula “Decet
Romanum Pontificiem”, consequência
da firme negativa em revogar o que então já era uma doutrina
conhecida de em toda a Europa, inclusive com seguidores.
Diz-se
que Lutero protestou queimando cópia da bula em praça pública, o
que demonstra muito de sua fé e seu caráter temerário.
Depois,
quando o novo imperador Carlos V inaugurou a Dieta de Worms,
concedendo salvo conduto novamente por influência de Frederico,
outra vez não se conseguiu que Lutero revogasse sua doutrina. Então
ele foi declarado fugitivo e herege, tendo suas obras banidas, quando
o monarca da Saxônia lhe garantiu asilo ao forjar uma captura e
escondê-lo no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde viveu
disfarçado e recluso por quase um ano.
O
fato é que Frederico da Saxônia granjeou apoio político às teses
de Lutero, uma vez que muitos soberanos, influenciados até pela
burguesia ascendente de suas sociedades, ansiavam por livrar-se do
jugo implacável da igreja, cujo poder não raro, podia retirar suas
coroas, entregando-as a terceiros. Ademais, isto também era anseio
da nova burguesia economicamente emergente de pequenos Estados como a
Saxônia.
No
exílio, Lutero dedicou-se à sua doutrina e à famosa tradução da
Bíblia para o alemão, o que também incomodava Roma, que sempre
valera-se do desconhecimento do latim pelas massas de fiéis, que
dependiam sempre da palavra dos sacerdotes.
Lutero
virou uma figura pública da Europa. Tanto as 95 teses, a sua
tradução da Bíblia para o alemão e dezenas de livros e panfletos
que em maior ou menor grau atingiram e foram conhecidos em toda
a Europa, apesar da censura natural que a igreja e muitos soberanos
certamente aplicaram. A imprensa móvel ainda insipiente,
xilogravuras e mesmo os sermões e discussões formais ou não por
todo o continente levaram sua palavra a milhões de católicos,
clamando por um Concílio que examinasse as condutas da Igreja, que
abolisse as indulgências e as peregrinações pagas que
também correspondiam a receitas do papado, propondo que ao clero
fosse autorizado o casamento e contestando normas e regras que não
constavam das escrituras sagradas, rejeitando sacramentos que não
constavam de parte alguma do Novo Testamento.
Até
mesmo a forma de celebrar a missa, Lutero contestou na filosofia, nos
ritos e inclusive na condução dos serviços, que entendia que
deveriam ser em alemão, não em latim, a aproximar a igreja dos
fiéis.
Ou
seja, além do apoio de soberanos como Frederico, também granjeava
simpatia popular, porque obviamente ele não era o único
insatisfeito e também porque a evolução da sociedade exigia
mudanças da arcaica estrutora medieval de poder.
Lutero
dera voz a inúmeros grupos insatisfeitos com a Igreja, em um
momento de evidente efervescência em todas as áreas do conhecimento
e das relações humanas.
5.
A Reforma e o Cisma.
O
movimento reformista não era novo. Já no século XII, Pedro Valdo
defendia e divulgava a Bíblia em linguagem popular, e no século
XIV, John Wycliffe defendia que o poder da igreja devia ser limitado
às questões espirituais. E depois de Lutero vieram muitos outros
reformistas, radicais ou moderados como Ulrich Zwingli, Erasmo,
Johann Eberlin e depois João Calvino, tido como o Lutero da França.
Além
dos apoios entre líderes espirituais a força política do depois
conhecido movimento se espraiou para vários outros Estados ditos
“Protestantes”, de modo que nem a morte de Frederico da
Saxônia em 1525 diminuiu o apoio a Lutero, ao que se juntaram outros
soberanos que, inclusive, se opuseram a Carlos V, que defendia a
restituição da primazia da Igreja, mas cujas prioridades certamente
não estavam em garantir o poder dela, ameaçado que era na Espanha
pelos franceses e pelos muçulmanos, e na Áustria pelos otomanos,
obrigado a não recusar apoios militares dos alemães, por mais que
não fossem mais católicos.
Enfim,
Martinho Lutero representou aquele ponto de inflexão histórica,
aquele momento em que o rumo é dramaticamente alterado, para onde as
muitas forças de uma certa mudança convergem e obtém um resultado
muitas vezes tido como impossível até pouco antes. “O
momento escolhido para o protesto de Lutero contra as indulgências
fora decisivo. Seu apelo por uma reforma eclesiástica coincidira com
várias queixas e aspirações emergentes na sociedade germânica e
sua mensagem revelou-se aberta a interpretações cujas ênfases
diferiam amplamente. Os nacionalistas alemães, buscando a sua
independência política do império, identificaram-se com o desafio
à autoridade do papa e do imperador. Dissidentes políticos de
vários tipos viram nas ideias luteranas um meio de construir uma
sociedade mais justa, baseada em ideais cristãos. A defesa das
virtudes da disciplina, trabalho duro e frugalidade – que ganharia
ênfase maior em décadas posteriores - harmonizava-se com os
interesses de uma classe em ascenção de ricos mercadores cujos
empreendimentos capitalistas estavam transformando as práticas
econômicas tradicionai da Europa. Dessa forma, tornou-se cada vez
mais difícil separar o enfoque puramente religioso da mensagem
luterana e as questões políticas, sociais e econômicas.”(A
História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 20).
Muitos
fatos, muitas rebeliões, muitas guerras, muitos pregadores e
pastores ainda contribuiriam para a Reforma, que nem de longe
aconteceu apenas
por
consequência de Lutero. Como sempre acontece em qualquer processo
histórico, houve episódios de radicalismo extremo que causaram
tragédias e naturalmente forçaram que depois se trouxesse a
moderação aos debates, e foram consolidando o nascimento de novas
religiões cristãs dissociadas de Roma.
Ao
fim da vida de Lutero, em 1534, finalmente a igreja reuniu-se em
concílio, na tentativa de instituir combate mais vigoroso à
Reforma, mas também
para reaproximá-la dos fiéis e combater sua corrupção interna,
com a instituição, por exemplo, do voto de celibato dos sacerdotes.
Nos 18 anos que seguiram, aconteceu o que foi chamado de
“Contrareforma”, uma tentativa de manter o poder do papado e a
ascendência da igreja sobre o mundo, mas mesmo assim, em bases muito
mais éticas, tanto que o concílio seguinte somente ocorreu no
século XX. Foi, em resumo, a reunião da igreja que "emitiu
o maior número de decretos dogmáticos e reformas, e produziu os
resultados mais benéficos",
duradouros e profundos "sobre
a fé e a disciplina da Igreja"
(Enciclopédia
Católica New Adent, 1913, citado em wikipedia).
Fato
porém que, além de já ser tarde demais, os tempos eram outros. A
igreja já não detinha mais o poder temporal de outrora, que se
esvaíra rapidamente. Carlos V, poderso monarca do Império Sacro
Romano havia lutado em várias frentes, contra os franceses e os
muçulmanos e contra o Império Otomano, e necessitava do poderio
militar das nações já protestantes. Assim, em 1555, quase uma
década antes do fim do concílio, assinou a paz de Augsburgo, que
“dava
a todos os príncipes alemães seculares e às cidades independentes
o direito de escolher entre o luteranismo e o catolicismo. Os súditos
deveriam obedecer a escolha dos governantes, mas quem não
concordassepodia migrar para outros territórios(...)A Reforma
tornara-se lei na Alemanha”(A
História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 31).
O
cisma era uma realidade, e irreversível, Roma perdera a
exclusividade sobre a fé.
Conclusão.
Tracei
apenas um perfil de Martinho Lutero, focado na sua importância na
reforma. Muito se poderia falar de sua obra e personalidade, se
poderia citar diversos episódios de sua vida que marcaram o processo
da reforma, ou, ainda, discutir se foi ou não antissemita ao tratar
dos judeus alemães. Seria possível trazer Lutero até o século XX
e discutir se sua doutrina embasou ou não alguns aspectos do nazismo
ou ainda, o que ele representou no nascimento das milhares de seitas
neo-pentecostais cristãs que disputam fiéis em nosso tempo.
Nada
disso afeta a importância histórica de Martinho Lutero para a
humanidade. Mesmo a Igreja Católica deve à ele talvez sua própria
existência, porque é fato que suas 95 teses, sua popularidade, os
debates que ensejou em toda a Europa e os apoios que recebeu de
príncipes e governantes, forçaram
Roma a convocar o Concílio de Trento, modernizar-se, aproximar-se
dos fiéis e combater a corrupção que à levou a mercantilizar a fé
para financiar papas sabidamente corruptos, pródigos e devassos.
Em
2017, serão comemorados os 500 anos das teses, e a Igreja Católica
ainda
é a principal fé cristã da humanidade, não sem ter aprendido
muito e inclusive deixado de beligerar com luteranos e calvinistas e
não raro unindo-se a eles na defesa do cristianismo que lhes é
comum.
Lutero
foi um homem incomum de carisma avassalador. Foi mais um episódio de
homem certo no lugar e no tempo exatos, que mudou a humanidade para
melhor.
Sem
pretensão de substituir o trabalho dos historiadores profissionais,
cujas teses e conclusões podem divergir do que escrevo com muito de
opiniões pessoais, este texto tem por finalidade homenagear a figura
histórica cuja coragem reformou a fé.
Curitiba,
outubro de 2016.
A
História em Revista – 1500 a 1600, Abril Livros.
Uma
História Politicamente Incorreta da Bíblia – Robert J.
Hutchinson, Editora Agir, Rio de Janeiro, 2012;
O
Ano Mil, A Vida no Início do Primeiro Milênio – Robert Lacey e
Danny Danziger, Editora Campus, 1999;
Invenções
da Idade Média – Chiara Frugoni, Zahar Editores, 2007;
Uma
Breve História do Mundo – Geoffrey Blainey, Editora Fundamento,
2a. Edição, 2004;
Basilica
de São Pedro – Rita A. Scotti – Editora Nova Fronteira, 2007;
História
da Filosofia do Direito e do Estado – Antonio Truyol y Serra, Ed
Alianza Universidad, Espanha, 1982;
Lições
de Filosofia do Direito – Giorgio del Vecchio, 5a edição,
Armenio Amado Editor, Coimbra, Portugal, 1979.
Wikipédia,
verbetes: Martinho Lutero, Concilio de Trento, Reforma Protestante e
João Calvino