9 de jun. de 2017

A JUSTIÇA QUE PARALISA O PAÍS


Um dos fundamentos do direito eleitoral é algo que particularmente considero absurdo: a falta cometida pela chapa deve ser tão grande, que possa mudar o resultado da eleição. 

Ou seja, por mais que os candidatos cometam crimes ou abusem do poder econômico ou político, se a falta não tinha extensão para mudar o resultado do pleito, não perdem o cargo. No máximo se resolve a questão com multa ou se transfere a punibilidade para o juízo criminal, que por sua vez se obriga a aguardar o fim da imunidade e privilégio de foro que todo o eleito tem em maior ou menor grau, segundo regra da péssima Constituição de 1988 ou ainda, aguardar os muitos recursos e incidentes processuais.

Já está evidenciado, tanto na Lava Jato quanto no próprio processo de cassação da chapa Dilma-Temer, que ocorreu o financiamento ilícito de campanha, acompanhado de abuso do poder político e econômico. E pouco importa se a chapa oponente tenha ou não incorrido também nos mesmos delitos, o fato é que houve um descumprimento da Lei, o uso irregular de recursos, incluindo o uso dos Correios para entregar santinhos, evidenciando o poder político a manipular o pleito. 

O que está se discutindo hoje, no TSE, não é exatamente o fato. O fato já está evidenciado, está nos autos, provado de modo público e notório, só não constata quem não quer, nem sendo necessário que se agreguem os dados da delação premiada da Odebrecht. O que está em discussão é a extensão dele, dentro das seguintes questões: 

a) Ele foi decisivo para o pleito? 
b) Ele mudou o resultado do pleito? 
c) Quem administrava a campanha?
d) Evidenciado, ele pode ser atribuído também à Michel Temer, se ele não administrava a campanha?

Ou seja, para a Lei eleitoral, o crime tem importância menor, e à isto agrega um outro fator, o tempo!

O Brasil está passando por um processo que pode cassar uma chapa que venceu a eleição usando fraude, portanto, está discutindo a cassação de uma presidente e de um vice que assumiram o poder de modo ilegítimo e governaram por nada menos que 2 anos e 6 meses!

O mundo dos tribunais é alheio ao mundo real. Juízes, promotores e advogados geralmente fecham-se em suas alegações e pareceres, esquecendo que fora dos palácios de mármore e granito existem pessoas que precisam de emprego, renda e do funcionamento do Estado. Lá eles decidem pela vida das partes, mas quando os processos envolvem políticos, seus atos atingem um país inteiro, especialmente em um contexto de leniência que sob a alegação de garantir "o direito à ampla defesa" aceita todo recurso e todo tipo de chicana processual, protelando as decisões e punições de modo deletério para a vida brasileira. 

Escrevo tudo isto torcendo para que o cargo de Michel Temer seja preservado, não porque o ache legítimo, mas porque o tempo atua contra o país numa situação absurda como esta. Uma vez condenado, Temer usará de todos os recursos possíveis para ganhar tempo e levar seu mandato até o final, e não é implausível que consiga, pois faltam apenas 1 ano e pouco mais de 5 meses para que ele se encerre. Será que vale a pena mesmo cassá-lo agora e causar mais manifestações de rua e mais discursos inflamados de uma oposição tão suja, corrupta e sem caráter quanto a situação?

É um conjunto assustador de equívocos: a) Mais de 2 anos e meio para decidir a legitimidade do mandato de uma presidente e do seu vice, deixando o país com um governo suspeito das piores práticas anti-republicanas; b) Aceita-se qualquer recurso por preguiça de interpretar a expressão "ampla defesa"; c) Acumulam-se delações premiadas que aliviam a barra de um indivíduo, mas aumentam dramaticamente o número de réus e de incidentes processuais, de prisões preventivas e provisórias, de depoimentos, de documentos e de questões que estão acumuladas ou em um STF que não consegue julgar nem seus réus mais antigos ou em um único juiz federal lotado em Curitiba! 

Não se resolve a situação política e ao mesmo tempo, não se pune ninguém. Ninguém vai preso, os indiciados se vitimizam e dizem serem perseguidos. As vezes, a opinião de um único ministro do STF é suficiente para mudar todo um quadro. E no lado de fora dos palácios, desemprego, falta de confiança, paralisia econômica e estagnação que mata empresas, impede investimentos e susta reformas legais importantes para o futuro do país.

Pouco se pune, poucas sentenças são exaradas. José Dirceu, já condenado em outro caso, recebe habeas corpus. Lula não é nem condenado nem absolvido. Delatores saem com tornozeleira para viver em mansões e apartamentos de luxo. Aproveitador de dinheiro público grava o próprio presidente da república, se aproveita da delação e foge do país.  Sobra sentimento de injustiça e impunidade, aumenta a instabilidade política, acirram-se os ânimos, mas nada se soluciona, tudo vira interpretação de filigranas jurídicas. E o país real, parado!

Nossa Justiça tem sido incapaz de punir/absolver quem já é réu, mas sempre se trazem mais envolvidos para o âmbito da Lava Jato, a cada uma das muitas delações premiadas aceitas com pouco ou nenhum critério, especialmente com a falta de não se encaminhar as sentenças dos muitos processos já em andamento. 

Um freio de arrumação é necessário. Critério ao aceitar recursos, indefiram-se as chicanas processuais. Não se aceitem mais delações, julguem-se os indiciados. Sentencie-se, liberte ou prenda quem está processado, mas encerrem-se processos. Sou a opinião que a Lava Jato não deve mais abrir processos, deve se exaurir punindo e absolvendo a quem de direito, mas apresentando resultados concretos de todas essas discussões. Se há mais casos, que se abram em outras operações, que se punam adiante, o que não é correto é manter o país nesse stress eterno que nada soluciona. 

Cabe à Justiça "dar nome aos bois", coisa que infelizmente, ela não tem feito.

5 de jun. de 2017

GAZETA DO POVO: O TRISTE FIM DE UMA ERA


O tempo tem sido cruel com o jornalismo, especialmente com o impresso. Sob a desculpa dos custos de impressão e da migração dos leitores para a internet, não está se eliminando apenas a plataforma impressa, está se eliminando o texto, que vem sendo substituído por notinhas de rodapé que agradam aquela parcela de idiotas que dizem não terem tempo na vida moderna para ler um jornal, embora o percam generosamente postando fotos nas redes sociais e arranjando discussões toscas nos "posts" ainda mais toscos de gente que nem escrever mais sabe, embotada de abreviaturas, sinaizinhos e emoticons, de "tops", de "delicia", de "aí, galera" e das demais expressões de preguiça mental que que vem substituindo a comunicação que observava as regras gramaticais e o bom senso.

Sim, o meio impresso um dia vai acabar. O problema não é ele acabar, é como ele vai acabar.

Porque com os custos dos aparelhos eletrônicos de hoje em dia, um jornal pode acabar com sua edição impressa e substituí-la por um tablet, na qual o leitor verá os textos, as manchetes, as colunas e os gráficos, e inclusive boa e velha capa que resumia tudo e chamava para aquilo que o leitor tinha interesse preferencial. O que não pode é o impresso acabar e ser substituído pelas notinhas rápidas, pelos tweets e pelo assobio de mensagem que o seu telefone faz a cada vez que alguém lhe manda um recado. 

Neste 1º de junho, a centenária Gazeta do Povo deu adeus à sua edição impressa, substituindo-a por uma revista semanal ainda mais fraca e mal produzida que a edição de fim de semana, que pouco menos de 2 anos atrás substituiu a famosa edição dominical, que não raro contava com 300 páginas de informação, publicidade e classificados. O jornal veio minguando, perdendo qualidade e desaparecendo.  Até dias atrás era não mais que uma sombra do que um dia foi, agora, nem isso.

Curitiba viu desaparecerem vários jornais nos últimos anos, inclusive na aquisição pela própria empresa proprietária da Gazeta, de seus maiores concorrentes locais, o Estado e a Tribuna do Paraná. ambos já com sérios problemas operacionais. Apesar de ainda terem sobrado alguns diários, como a própria Tribuna, o Bem Paraná, o Industria e Comércio e os gratuitos Metro e Jornal do Ônibus, a impressão geral é que vão todos desaparecer, substituídos por publicações digitais cheias de blogs independentes, chamadas sensacionalistas e textos curtos, tocadas por jornalistas novatos e, claro, tão baratos quanto antenados com as tendências dos jovens que não aprendem mais o hábito da leitura com seus pais, porque não tem mais tempo para sair do Facebook ou do Instagram para ler mais que uma linha de informação.

Pense em um jornal brasileiro que, proporcionalmente à população da sua cidade, vendia mais que a Folha, o Estadão e O Globo. Pense numa edição dominical que reunia o melhor do jornalismo nacional, reproduzindo colunas de todos os grandes impressos da época. Pense em cadernos lotados de classificados de automóveis, imóveis, empregos e facilidades, que tornaram a publicação uma referência mercadológica local. Pense em segmentação bem antes da palavra estar na moda. Pense numa publicação que todo vestibulando acompanhava, porque sabia que ela era a primeira a divulgar os resultados dos concursos mais importantes da cidade.

A Gazeta do Povo tinha lá seus defeitos, um deles, estar sempre em cima do muro em qualquer questão polêmica. Mas suas muitas qualidades faziam dela um jornal inigualável que não só conseguia se destacar da concorrência renhida em Curitiba (não faz 10 anos, havia 8 grandes jornais diários em Curitiba, incluindo o O Estado do Paraná, que era o grande rival do jornal da família Cunha Pereira). A Gazeta agregava matérias do dia a dia, informava de todos os lados das disputas políticas, preservava a memória de Curitiba e do Paraná, promovia a cultura, a educação e a inteligência de modo geral. Francisco Cunha Pereira Filho, seu diretor por várias décadas, um dia declarou que queria a Gazeta sempre como um resumo do Brasil, razão pela qual buscava colunistas de jornais rivais do país, que compartilhavam suas páginas. 

Agora, será uma plataforma digital. Provavelmente terá o mesmo fim do também centenário e famoso Jornal do Brasil, que ao extinguir sua edição impressa perdeu prestígio e visibilidade, sobrando apenas as memórias de uma redação fervente, opinativa e corajosa que fazia história porque gostava do jornalismo profundo e esclarecedor. Vai acabar uma página cheia de chamadas para textos curtos e rápidos de ler, compartilháveis nas redes sociais para que um monte de outras pessoas leiam apenas a manchete. 

Talvez seja o resumo do novo jornalismo que a internet de um país onde os jovens odeiam ler gestou na marra, dentro dos gabinetes e rapazes imberbes e recém-formados, que concebem todos os dias algum monstrengo sem alma sob a desculpa de que a internet vai substituir tudo e todos... talvez até seus próprios empregos.






1 de jun. de 2017

NO BRASIL SE MORRE MUITAS VEZES



Essa notícia do desaparecimento do corpo do Garrincha é sintomática do como o Brasil  é cruel com a história das pessoas, com as viúvas e os órfãos, com os pais e mães que perdem seus filhos.

Garrincha é um brasileiro que morreu várias vezes, esta foi apenas mais uma. Porque tendo sido um dos maiores atletas da história do mundo, foi rapidamente esquecido. Hoje, se alguém perguntar para um brasileiro de 14 anos quem ele foi, não saberá. Aliás, este garoto terá alguma notícia de quem foi Pelé, mas afirmará em alto e bom som que o maior jogador de futebol de todos os tempos ou é Messi, ou é Cristiano Ronaldo, porque o Brasil promove o futebol dos outros, mas usa o seu próprio futebol para enriquecer uns poucos, negligenciando a história do esporte que nos trouxe 5 títulos mundiais.

Mas é bem pior do que isso. Se fosse apenas no futebol, seria até reconfortante. 

Pergunto pro leitor: quantas vezes morreram aqueles dois jovens assassinados no trânsito por um deputado paranaense embriagado? Quantas vezes morreram os jovens da boate Kiss? Quantas vezes morreram as vítimas do Morro do Bumba? Quantas vezes morreram as vítimas da ciclovia mal construída no Rio de Janeiro? 

Morreram várias vezes. A cada recurso protelatório aceito pela Justiça, a cada habeas corpus libertando réu, a cada júri adiado, a cada declaração arrogante de defensor culpando as vítimas. 

Morre-se de muitas maneiras, seja pela pena do juiz que recebe os recursos que sabe serem protelatórios, seja pela lábia de algum advogado que deixa de ser representante do réu para virar seu cúmplice. Os familiares morrem um pouco a cada dia clamando por uma Justiça que  demora ou nunca é feita. 

Morre-se um pouco mais ao constatar algo como a primeira sentença do caso da boate Kiss, que foi de condenação de um pai de vítima em dano moral  porque dentro de sua morte diária  e desesperadora ousou cobrar providências de um promotor de justiça.

Há 14 anos aconteceu em Curitiba um show em que se venderam muitos mais ingressos que o comportado pelo local. Na confusão que se formou, 3 jovens morreram pisoteados e suas famílias aguardaram esse tempo todo para o júri condenar os responsáveis a uma pena de 14 anos, que lhes garantirá pouco mais de 2 em regime fechado. Um acinte que denota quanto a vida vale pouco no Brasil, a ponto de uma mesma vítima morrer várias vezes no sofrimento de seus entes queridos.

Quantas vezes morre uma mulher estuprada e violentada que constata que vive em um país machista em que é comum o entendimento de que suas roupas é que causaram o delito? E se ela morrer, quantas vezes morrerão seus entes queridos ao deparar com um argumento como este?

Mas é ainda pior, há os casos que sequer são investigados. Conheci uma família cuja neta/sobrinha/filha/irmã, portadora de síndrome de Down veio a falecer ainda jovem, pouco mais de 20 anos. Sepultada, no dia seguinte morreu mais uma vez e ao mesmo tempo morreram um pouco seus entes queridos: seu túmulo foi violado, seu corpo arrastado e abandonado e nem falo os demais detalhes que o leitor pode imaginar. E nada, nenhuma investigação sequer se deu ao trabalho de indicar algum suspeito, o caso simplesmente se encerrou ali, a pobre menina morreu mais uma vez, seus entes queridos continuam morrendo todos os dias de revolta porque o Brasil não aponta culpados, não prende e, quando prende é leniente com o bandido,  quer dar à ele todos os direitos humanos que ele mesmo negou às suas vítimas, se necessário criminalizando a vítima, dizendo que ela contribuiu para o crime, encontrando atenuantes, fazendo com que ele simplesmente passe um pouco de tempo aprisionado para dar a impressão que se faz Justiça.

Mas Justiça não existe quando não é célere. 8 anos e o deputado paranaense ainda não foi á júri. 4 anos e ninguém foi julgado pelos crimes na Boate Kiss. Justiça não existe quando alguém que mata 3 pessoas recebe uma pena de 14 anos e tem direito a progressão dela em pouco mais de 2. Justiça não há quando invertem-se os valores culpando as vítimas insinuando que elas contribuíram para o crime. Não há Justiça em dezenas de recursos sucessivos, nem na inexistência de investigações, muito menos na caneta dos juízes e tribunais que dão admissibilidade para toda e qualquer chicana processual. Não há Justiça quando o réu poderoso se defende com imensas equipes de advogados que encontram as minúcias da Lei para ganhar tempo.

Quando não há Justiça, a morte é certa. Não a da vítima, mas a dos seus familiares que pleiteiam pela Justiça. Não a morte que acaba com a vida, mas a morte que à torna insuportável em meio à revolta. 

No Brasil se morre várias vezes. Várias vezes durante uma vida. As vezes, várias vezes depois da morte. As vezes, várias vezes até no mesmo dia, como num video-game violento em que o mocinho enfrenta sempre um mesmo monstro... o Brasil tem o jeitão desse monstro!

30 de mai. de 2017

A CARA-DE-PAU COMO ARGUMENTO DE DEFESA



Um ex-ministro da Fazenda (vejam bem, da FA-ZEN-DA, aquele à quem se reportam a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) vem à público e alega em sua defesa que sim, tem dinheiro na Suíça, que não foi declarado no Brasil,  fruto da venda de um imóvel da família. 

Difícil de acreditar que um ex-ministro da FAZENDA não saiba que o dinheiro de uma venda legal, não possa ser enviado legalmente para o exterior, a ponto de fazê-lo na ilegalidade de não declarar a operação de transferência, que qualquer gerente de banco brasileiro sabe fazer dentro das leis e das regras emitidas e fiscalizadas pela Receita Federal do Brasil. Difícil de acreditar, mesmo!

Sem contar que, se o ex-ministro acredita nessa história, isso explica a situação macroeconômica delicada do Brasil, porque demonstra que no ministério não havia alguém realmente capacitado para a função.

Um outro político, senador famoso, falante, bonitão e cheio de marra, foi acusado e receber 2 milhões de reais em dinheiro vivo de um mega-hiper empresário com negócios em dezenas de países pelo mundo afora. Alegou que era um empréstimo para pagar o advogado, que no mesmo dia declarou não ter recebido nada em dinheiro vivo! 

Hummm... se era empréstimo, porque não fizeram transferência bancária? Segura, sem risco de assalto e sem a necessidade de carregar mala (deve pesar pra caramba uma mala cheia de dinheiro, eu nunca vi uma assim na vida, mas fico imaginando). Se era para pagar advogado, porque não transferiram direto para a empresa ou pessoa do causídico?  Se era empréstimo, este é isento de imposto, desde que seja devolvido, mas se era para pagar o advogado, este teria que pagar os impostos, afinal, seria renda. Mas nada disso ocorreu ao senador. O senador administra seu gabinete com vários funcionários, relata, discute e vota os mais variados projetos de lei, sendo que alguns são inclusive fiscais, para combater a sonegação. Mesmo assim, ele "não sabia" que uma operação de 2 milhões podia ser feita por mera transferência bancária. 

E um ex-presidente frequenta um sítio. Do sítio ele recebe informações do caseiro, que informa dos pintinhos que morreram, dos gambás que caíram na armadilha e dos reparos que são necessários. Na casa do sítio, fotos e objetos pessoais seus na decoração e os nomes dos netos nos pedalinhos do lago. Mas alega que o sítio é... de um amigo! 

Não faz muito tempo, os (muitos) políticos envolvidos em investigações de corrupção vinham à público dizer serem inocentes, vítimas de enganos ou de perseguições políticas, mas agora, passamos à uma nova fase de suas defesas, eles adentraram à teoria da cara-de-pau explícita, com direito à óleo de peroba de brinde.


24 de mai. de 2017

É O CONGRESSO, ESTÚPIDO!


O Congresso Nacional vota as leis que quiser, do jeito que quiser, na hora que bem entender e mais do que isso, ele pode votar inclusive leis que não sejam de interesse dos Poderes Executivo e Judiciário, já que elas podem sofrer veto. O Congresso tem quadros técnicos e o direito de requisitar informações para todos os órgãos públicos da administração direta e indireta. Ele pode concluir por si mesmo qual a necessidade das contas públicas em, por exemplo, reformar a previdência, e qual o anseio da sociedade civil em alterar a legislação trabalhista. O Congresso deve funcionar independentemente dos poderes Executivo e Judiciário, apesar do sistema de contrapesos natural à separação de poderes. Ele é limitado pelos vetos daquele e pelas decisões deste, na exata medida em que também pauta seus comportamentos legislando e tendo a prerrogativa de cassar os vetos presidenciais, se obtiver maioria qualificada de votos.

Isso parece óbvio para qualquer pessoa que estude apenas um pouco o sistema jurídico. Mas por alguma razão, o próprio Congresso parece não entender.

Não se pode impor ao Congresso Nacional uma liderança externa, de modo que a verdadeira grande crise pela qual passa o Brasil é de iniciativa. O Congresso ocupa-se demais com as opiniões que partem do Palácio do Planalto e deixa de afirmar sua própria independência.

O Congresso pode, sim, tomar a frente da reformas econômicas de que o país precisa, inclusive sem o impulso vindo do Palácio do Planalto. Pode arquivar as reformas trabalhista e previdenciária e implementar novos projetos, bem como pode dar continuidade aos projetos em curso, independentemente de quem seja o presidente da república ou da situação em que ele se encontre.

Se o Congresso Nacional assumisse sua função institucional, as crises cíclicas que atingem a presidência seriam menos graves, porque se saberia que, apesar do governante enfraquecido, ainda assim há um colegiado que funciona inclusive numa crise que afete parte de seus integrantes. 

Estamos paralisados desde outubro de 2014, quando Dilma Roussef resolveu peitar o PMDB e montar um governo petista, quebrando uma promessa de Lula, segundo a qual o novo governo seria compartilhado. 

E o mais interessante desse quadro, é saber que bem ou mal, o PMDB controla o Congresso Nacional, ele tem ampla capacidade de articular base suficiente para votar o que bem entender, com grandes chances de aprovar projetos de lei e até mesmo emendas constitucionais. Ele não precisava de Dilma, como não precisa de Temer, de modo que pode muito bem assumir a responsabilidade pelo país, para votar as reformas da previdência, da legislação trabalhista, a tributária e a política. 

Se até o presente momento não assumiu suas responsabilidades, é outro assunto. Mas deveria assumi-las e, independentemente de qualquer discussão sobre renúncia ou impeachment, manter o calendário de votações e sinalizar para o mundo que o Brasil não vai parar nem na fraqueza de seu presidente, nem na interpretação frouxa da Lei pelo seu Judiciário, muito menos na oposição baderneira que prefere ver o agravamento da crise econômica a discutir com civilidade dos grandes temas do país, incluindo a situação do presidente.

Pena que o que vimos ontem foi a negação do Congresso, foi a declaração de inutilidade do parlamento constatada tanto pela falta de traquejo da situação em encaminhar a votação de reformas importantes, quanto pelo radicalismo torpe e desonesto da oposição, que se recusa a discutir qualquer matéria que não seja a de substituir o presidente.

A verdadeira crise pela qual passa o Brasil é de iniciativa. Se o presidente da república tem algum problema, tudo pára e todas as forças convergem para mantê-lo ou derrubá-lo, mas a grande verdade é que reformas não precisam necessariamente ser propostas pelo Poder Executivo. O Congresso poderia tratar dos dois assuntos ao mesmo tempo, sem prejudicar a claudicante economia do país.

22 de mai. de 2017

PARALISIA QUE NÃO PASSA, A CRISE POLÍTICA CONSTANTE DO PAÍS.



A Constituição de 1988 não foi exatamente fruto de uma assembléia constituinte. Seu defeito fundamental foi ter sido feita por parlamentares que continuariam deputados e senadores depois de promulgada, e isso foi a causa direta da irresponsável distribuição de benesses, que fez, por exemplo, que o funcionalismo comum e celetista tivesse direitos equiparados às carreiras de Estado, de um tal modo que, do dia para a noite, o porteiro do Congresso Nacional passou a ter direito a anuênios e quinquênios, licença-prêmio e aposentadoria em valor maior que o da última remuneração, corrigida com os mesmos índices do pessoal da ativa.

Além deste aspecto, a estrutura política da Constituição de 1988 foi criada pela cúpula do então PMDB, que no meio do processo cindiu-se, sendo que uma parte fundou o PSDB em junho daquele ano. A causa maior da cisão foi a manobra do então presidente José Sarney não só em conseguir manter seu mandato (que acabou reduzido em 1 ano) como também em manter seu poder, já que, em aprovado o parlamentarismo ele passaria a ser apenas um chefe do Estado, não o de governo. Foi a intervenção de Sarney que "salvou" o presidencialismo.

péssima Constituição de 1988 mantém uma estrutura parlamentarista para um regime presidencialista. Ela dá enormes iniciativas ao presidente da república, porque de modo geral se imaginava que seria um primeiro-ministro ou chanceler. O melhor exemplo é a medida provisória, que era inicialmente ampla, praticamente ilimitada, porque em teoria pressupunha uma base parlamentar sólida que sustentasse o governo.

Mas ao mesmo tempo em que dá iniciativas, ela torna o presidente refém do Congresso porque ele não é primeiro-ministro, ou seja, ele não chega ao poder sem antes ter uma base parlamentar sólida. Ele se obriga a eleger-se e depois construir esta base. E base que se constrói depois implica negociar com pessoas que estiveram contra ele durante a campanha, sem alinhamento ideológico, sem obrigação de observar liderança.

O que aconteceu entre meados de 1988 e outubro, quando a Carta foi promulgada, foi o determinante legal de todas as crises institucionais que seguiram. A Constituição blindou a classe política com foro privilegiado, a possibilidade de criar partidos do nada e a capacidade de emendar ilimitadamente e sem freio de assunto tanto a legislação que o próprio Congresso produzia quanto à que vinha do Executivo nas medidas provisórias. 

Collor já não tinha apoio parlamentar ao ser eleito por um partido nanico. Montou uma base frágil que nas sucessivas crises de corrupção de seu governo logo se desfez, causando o impeachment. Itamar Franco voltou para o PMDB e compôs com o PSDB e o PFL, conseguindo apoio para encerrar o mandato com tranquilidade. Essa base PMDB/PSDB/PFL venceu as eleições com FHC que mesmo com dificuldades ideológicas conseguiu empreender boa parte das reformas, inclusive constitucionais, apesar do episódio da reeleição onde o tráfico de parlamentares se iniciou, dando um indicativo do meio pelo qual se poderia conter o Congresso.

Quando Lula vence as eleições, constata que sua base parlamentar pura, formada pelo PT, por partidos de esquerda e o antigo PL de José Alencar não lhe garantiriam nenhuma facilidade no Congresso. Inicia-se então um enorme processo de cooptação de parlamentares que desaguou no Mensalão, passando pela entrega de ministérios "de porteira fechada" para o PMDB, e na criação de partidos e siglas de aluguel, que justificavam as saídas de parlamentares dos partidos tradicionais e/ou de oposição. 

FHC necessitava de 3 ou 4 partidos para ter maioria no Congresso, Lula elevou essa quantia a 8 ou 9 e, quando chegou a vez de Dilma Roussef, ela já tinha a indigesta tarefa de negociar com 16, a maioria deles criada no segundo mandato de Lula, para que indivíduos em específico se aproveitassem da popularidade do ex-presidente e compusessem seu governo de dezenas de ministérios e secretarias distribuídos com farto número de nomeações em confiança.

O fato nisso tudo é que a Constituição exige que o presidente tenha apoio parlamentar, e daí chegamos a Michel Temer. 

Pouco antes das eleições de 2014 o PMDB de Temer, Jucá, Renan, Geddel, etc.. apregoava sua adesão à chapa de Dilma Roussef em busca de um governo de "iguais", compartilhado, no qual o partido teria um mesmo número de ministérios e uma concentração idêntica de poderes. Foi Lula que escolheu Temer e que ofereceu mundos e fundos para ter o PMDB com Dilma. Em novembro, Dilma inicia a composição e bate de frente com o partido aliado, indicando que o governo seria predominantemente petista e que ao PMDB ficariam apenas uns poucos ministérios de menor importância, quebrando a promessa de igualdade.

Então, Eduardo Cunha que já era favorito a ser o novo presidente da Câmara no primeiro turno, em outubro, por conta da insatisfação da parte do PMDB que preferia alinhar-se a Aécio Neves, passou a ser considerado favas contadas. O petistas imaginavam que o PMDB iria espernear, mas acabaria desistindo da briga para ficar com os cargos, como sempre fizera desde o governo FHC, o problema é isso acabou não acontecendo, porque a popularidade da presidente caiu rapidamente, ao mesmo tempo em que se descobriu que suas políticas macroeconômicas destroçaram as contas públicas. Juntando com uma presidência da câmara que já não prendia mais a pauta, foi uma questão de tempo o governo já visceralmente incompetente meter de vez os pés pelas mãos.

Dilma foi cassada porque negligenciou apoio parlamentar e ficou imensamente impopular. Temer, também impopular, ao menos tinha apoio parlamentar para propor e aprovar os remédios amargos que o país necessita para se recuperar. 

Semana passada, descobriu-se que Temer era apenas mais um, numa gigantesca máquina de negociar parlamentares,e agora também fica sem o apoio dentro do Congresso, o que o inviabiliza, tal qual o que ocorreu com Dilma e ocorreria com Lula e mesmo FHC em condições similares.

O que se constata desta sequência de fatos históricos é que o presidencialismo de coalizão que acabou surgindo da não implantação do parlamentarismo é um esparadrapo usado para curar câncer, porque o Congresso virou um balcão de negócios na exata medida em que os presidentes foram se elegendo sem bases parlamentares próprias sólidas e suficientes. Os Joesleys, Eikes e Odebrechts são apenas indivíduos que se aproveitam da fraqueza do Executivo em manter apoio parlamentar, porque no cerne da questão está um sistema político que deveria ser de um jeito, mas funciona de outro. Usa-se o Estado agigantado para alavancar negócios privados e em troca se consegue dinheiro para acalmar os ânimos parlamentares que sustentam o presidente.

Por esta razão é que falar em diretas já é apenas alimentar uma máquina que já funciona de modo precário. Qualquer presidente que seja eleito já, não terá base parlamentar sólida para governar e não será a sua popularidade pessoal que lhe dará condições de governabilidade, porque, afinal, o Congresso vai continuar sendo o atual.

Hoje, a melhor saída para o país seria a cassação ou renúncia de Michel Temer, com um novo presidente eleito mesmo pelo Congresso, a partir de uma coalizão parlamentar, ou seja, um presidente do PMDB, com a base congressual acalmada e capaz de ainda aproveitar os poucos meses do mandato para tentar restituir confiança econômica no país.

Mas de 2018 em diante só há 3 opções: a) uma reforma política que institua o parlamentarismo e corrija a distorção da Constituição de 1988; b) uma reforma política que equilibre o Executivo com o Legislativo; c) a eleição de um presidente acompanhada também da conquista por ele de uma maioria parlamentar consistente, o que é muito improvável, no cenário atual.

18 de mai. de 2017

NO BRASIL, O APOCALIPSE É PERIÓDICO



O que é possível concluir a partir dos efeitos dos muitos processos judiciais-institucionais observados nos últimos anos? Faço um apanhado:

- É possível concluir que uma presidente cassada por crime de responsabilidade não precisa ser apenada com perda de direitos políticos, mesmo contrariando a letra da Constituição.
- Dá para concluir que um réu indiciado em vários processos que versam sobre corrupção, pode presidir o Senado, mas não pode constar da linha sucessória, em caso de vacância da presidência.
- Fácil de constatar que mesmo havendo dezenas de pessoas indicando corrupção e favorecimentos, além de documentos, fotos, extratos bancários e inclusive documentos encontrados na casa do réu, ainda assim é preciso prova, quer-se um recibo que ateste que o réu recebeu valores por conta de um favorecimento de corrupção.
- Quem tem foro privilegiado não é processado porque o STF não tem tempo de fazê-lo!
- Prisão só em segunda instância. E mesmo quando você é condenado e depois de condenado volta a delinquir, ainda assim tem direito a habeas corpus, não importando mais a primeira condenação.
- Mulher com filhos pode cumprir prisão preventiva em casa, desde que seja rica e poderosa.
- Sendo rico, poderoso e homem, você pode cumprir prisão preventiva em casa se conseguir sacar milhões de reais do patrimônio que deveria estar bloqueado, e a Justiça lhe autoriza!

E isso aí é só um resumo do show jurídico de horrores, onde a letra da Lei não é mais observada, substituída por sua interpretação momentânea à guisa da incapacidade das instituições de cassarem mandatos, expulsarem quadros partidários e impedirem o uso da máquina política-governamental na obstrução da justiça e na manipulação dos recursos públicos para enriquecer uns poucos e inclusive financiar regimes políticos no exterior.

A Lei, no Brasil, deixou de ser um marco obrigacional, ela virou o ponto de partida para se discutir o limite da legalidade que se pretende caso a caso. E a culpa disso é da classe política desonesta e do Judiciário frouxo, incluindo sua cúpula, já que o STF tem se prestado a alimentar a chicana constante na exata medida em que não decide, em que não trata dos inquéritos contra políticos de sua competência e em que mantém um regimento dúbio, em que a competência de cada ato é sempre discutível.

Mas o que esperar de um país governado por um conjunto de indiciados, réus e portadores de ficha corrida policial, encastelados por uma Constituição que lhes garante foro privilegiado? O que esperar de um país onde os políticos vão sendo acusados de corrupção, mas são tratados como "acusados" mesmo com montanhas de provas contra eles, a ponto de sequer se discutir sua inclusão dos quadros partidários aos quais fazem parte? O que esperar de um país onde o depoimento de um réu indiciado causa uma operação de segurança jamais vista na história e depois um evento político para o fã-clube de um meliante contra quem paira um conjunto de indícios probatórios?

A questão deixou de ser a delação premiada de algum beneficiário do Estado gigantesco e paquidérmico, que tudo controla, que em tudo impõe burocracia e que ao mesmo tempo usa generosamente suas empresas estatais para comprar apoios.

Petrobrás, Eletrobrás e BNDES são apenas interruptores de um sistema elétrico de corrupção endêmica, que desde a fundação do país vem garantindo aos amigos dos políticos a condição de cidadãos de primeira classe, à custa dos cidadãos das demais classes, que são os contribuintes de um Estado que aumenta impostos todos os anos, que impõe burocracia insana em todas as atividades, que atrapalha quem quer produzir, que protege cartéis e trustes, que negligencia educação, que não dá saúde e que é conivente com a violência da sociedade acuada, sem proteção policial ou institucional. Um Estado que prefere ver o cidadão desempregado recebendo esmola do Bolsa-Família a ter um emprego e renda para manter sua família com dignidade.

O Estado brasileiro é doente. É tão doente que chega a ter funcionários recebendo 10 vezes o teto remuneratório constitucional. É tão doente que não consegue concluir uma obra pública por mais prosaica que seja, dentro do prazo e de um orçamento razoável. É tão doente que exige que, para se vender um simples alfinete, o comerciante emita-se uma nota fiscal previamente autorizada, exigindo dezenas de códigos para que ela seja validada.

É isso que o Estado brasileiro faz. Ele dá esmolas para o eleitor e fortunas para o financiador do candidato. Ele  controla a atividade econômica a ponto de torná-la inviável, mas faz vistas grossas para quantias inimagináveis de dinheiro que agentes estatais manipulam em favor de uns poucos.

E entre estes ungidos que operam as falcatruas com o dinheiro público e o povo estúpido, gente como eu, que paga impostos, que se mata para manter a contribuição previdenciária em dia para se aposentar com no máximo 5200 reais, que sofre com desemprego, que não sai de casa com medo de ser assaltado, que não pode mandar o filho para uma escola pública porque ela só ensina ideologia de quem não gosta de trabalhar, que tem que pagar plano de saúde porque o SUS não funciona, etc... Entre os ungidos e gente como eu e você, estão os eleitos, que gozam das mais elaboradas mordomias, pagas por governos que não garantem saúde, educação e segurança, mas nos quais não faltam jatinhos, viagens internacionais, verbas de representação, salários mais altos que das funções similares da iniciativa privada e aposentadoria especial, integral e corrigida anualmente por índice superior ao da inflação oficial. Os eleitos tem dezenas de assessores bem remunerados, quotas para passagens aéreas, apartamentos funcionais e casas oficiais. Toda uma estrutura de facilidades e prazer posta à disposição dos eleitos, que em suas campanhas, gastam muito mais do que receberão de salários durante o mandato inteiro.

As delações premiadas geraram um clima apocalíptico periódico no país. Ora a Odebrecht denuncia milhares de políticos, ora a JBS diz que todo mundo recebia prenda eleitoral em troca de empréstimos generosos e subsidiados do BNDES. As vezes é na Petrobrás que se descobre que a diretoria autorizou a aquisição de uma refinaria inútil por 10 vezes seu preço de mercado, de vez em quando a Eletrobrás descobre que cobrou tarifas ilegais. Ora é uma Copa do Mundo caríssima, as vezes é uma Olimpíada inviável. E a cada delação um novo escândalo, e a cada escândalo, fogem mais investidores, mais empresários honestos fecham as portas, mais gente perde o emprego e mais os políticos aumentam os impostos para manter as máquinas que lhes garantem suas mordomias. E a cada aumento de imposto o país se torna menos viável e competitivo e quem paga a conta final é sempre o você (e eu) que só vê a vida piorar em direção à miséria igual à da Venezuela e de Cuba!

A cada pequeno apocalipse, mais processos, mais políticos se dizendo honestos e chamando a militância idiota para defendê-los, mais atos judiciais, mas poucas prisões, porque o STF não deixa, porque a prova é ilegal, porque faltou uma vírgula no mandado. Só o que fica é o clima de fim do mundo.

Ora, a cada delação deveria seguir-se uma série de prisões efetivas, de perdas de mandato, de apreensão de bens, de auditorias nos órgãos públicos... mas não, a partir daí a desculpa é o "estado de direito" o "devido processo legal" contra os "acusados", que todo mundo com mais de um neurônio sabe que são culpados. Quando é para livrar a cara dos políticos, interpreta-se a Lei, quando é para prendê-los, é a Lei e nada mais.

É o apocalipse periódico, que vai extinguindo a vida dos brasileiros que não recebem propina.. só a deles!



16 de mai. de 2017

NÃO É LULA CONTRA MORO


Uma denúncia criminal só pode ser aceita com prova material do delito e indícios de sua autoria. Um juiz não faz persecução penal, ele recebe a denúncia-crime, à aceita e analisa as provas a partir dos pedidos das partes, cabendo-lhe a (árdua) tarefa de condenar ou não, a partir de provas que são juntadas aos autos pelo Ministério Público, os assistentes de acusação e o réu.

Ou seja, é o Ministério Público que faz a persecução penal, é ele quem persegue a pena condenatória, o juiz tem por função analisar se efetivamente o crime está materialmente provado e demonstrar nas justificativas da sentença o nexo de causalidade entre a existência do crime e o suposto autor dele, o indiciado.

É um conceito simples, que qualquer profissional do Direito tem a obrigação de saber.

Certa feita, Jânio Quadros analisava um discurso redigido por um assessor e lhe disse: - lindo, bem escrito, mas onde estão os inimigos? Ele queria dizer ao assessor que o povo não entende discurso técnico, de modo geral, as massas só entendem o "eu contra alguém", ou "o alguém contra mim", ou seja, é preciso ter um inimigo.

O ex-presidente Lula tem por estratégia política e processual se vitimizar. Ele tenta convencer o eleitorado de que está sendo vítima de uma perseguição do Judiciário, capitaneada pelo juiz Sérgio Moro, que na sua visão defensiva está forjando provas e forçando depoimentos para incriminá-lo. Imagina que transformando a discussão em fato político, pode requisitar a medida processual que bem entender, arrastando o processo até (em tese) estar eleito, quando então uma prisão viraria grave crise institucional, não sem desconsiderar o foro privilegiado.

O problema, para Lula, é que uma defesa política necessita de um inimigo bem definido, alguém contra quem se opor, com quem possa se comparar. Lula teve vários inimigos durante sua carreira. Começou com Collor, depois passou a ser FHC (apesar de serem amigos). Após isto, elegeu Aécio Neves.  Hoje, Collor, FHC e Aécio são politicamente irrelevantes, não representam mais absolutamente nada até porque o primeiro foi absorvido pelo lulismo e os dois restantes tem força eleitoral relativamente pequena, já que não se conseguiu fazer do PSDB uma força bem definida sobre o que quer que seja, é um partido meramente adesista.

Já o Ministério Público não tem rosto, nem endereço, nem dá declarações. A força-tarefa da Lava Jato sempre se manifesta por meio colegiado, dificilmente algum dos promotores assume solitário qualquer declaração ou ação processual. Já um juiz é um órgão institucional em si mesmo, porque ele decide sozinho em primeira instância. Logo, ao invés de insurgir-se contra o MP, Lula preferiu Moro, quem tem rosto, voz, cujas decisões são efetivas em razão da função que exerce. Passou a ser o inimigo perfeito, o algoz das quimeras políticas do ex-presidente, alguém contra quem se pode direcionar as reclamações, porque a imprensa buscará seu depoimento. Enquanto a campanha política não se inicia, Moro é perfeito, depois, pode ser que as baterias sejam voltadas para algum candidato que ameace a candidatura do ex-presidente.

Também existe um movimento bem claro de incutir na opinião pública que não existem provas. Se há vários delatores, se há documentos, se há circunstâncias, se há várias testemunhas, há provas, e não poucas. Mais que isso, se não houvesse prova material do crime e indícios de autoria, os tribunais já teriam encerrado as ações penais em curso contra Lula preliminarmente, por pura e simples nulidade, mas nem o STF chegou a sequer aventar tese assim. Assim, enquanto a sentença não sai, existe prova material do crime e um indiciado, só se pode afirmar que não há prova a partir da fixação do nexo de causalidade que aparece com a sentença, cuja função é ligar o crime existente ao suposto autor.

Sem contar o absurdo de imaginar que um caso de corrupção terá recibos. Corrupto nenhum em lugar nenhum do mundo dá recibos do que recebe irregularmente, corruptos tendem a ocultar bens e evitar documentos. Contra eles, a prova é quase sempre circunstancial, o que exige que o Judiciário se convença da culpa a partir de um conjunto probatório farto e consistente, muito embora obtido por construção lógica.

O Lula X Moro é uma peça de marketing, adotada inclusive por certos setores da imprensa, que parecem não entender, ou não querer entender como se desenrola um processo judicial, e acabam aceitando o mote dos inimigos viscerais em clima de Fla-Flu em prejuízo das instituições. 

3 de mai. de 2017

LE PEN, TRUMP, BREXIT, NACIONALISMO... O PÊNDULO HISTÓRICO



Se observarmos um pouco a história recente da humanidade, veremos que pelo menos desde o fim da Segunda Guerra o nacionalismo hibernou. Países de patriotismo exacerbado como a Alemanha e a França abriram mão de parte de sua soberania em prol da União Européia, atraindo outros, menores e menos poderosos, mas historicamente também nacionalistas, como a Grécia, a Polônia e a Áustria, juntando-se aos que eram historicamente mais propensos à abertura de suas fronteiras, como a Inglaterra, a Itália, Portugal e Espanha.

No limiar da Segunda Guerra, França, Alemanha e EUA eram potências ensimesmadas, mesmo com a França ainda administrando um império colonial. Foi a mudança de status da Alemanha, para um nacionalismo agressivo e conquistador que mudou isso, e causou a onda internacionalista que seguiu nos 70 anos seguintes, em maior ou menor grau, até decorrente da necessidade de ajuda externa para recuperar o continente europeu.

Do outro lado do Atlântico, o país que até meados da Segunda Guerra era isolacionista (que não deixa de ser um aspecto nacionalista) porque sua economia se bastava em si, os EUA, passou a promover o livre comércio a partir da lição recebida na própria guerra, que o tirou da mais grave recessão de sua história e o alavancou para o status de superpotência mais rica e poderosa do globo, ofuscando até o império colonial que o criou fundado no conceito de livre tráfego de riquezas.

Claro que o medo de um novo conflito também impulsionou a internacionalização, mas o fato é que a Europa e os EUA descobriram com a grande guerra, que o mundo era ávido por livre comércio, menos regulamentações, menos alfândegas e fronteiras, menos entraves para a comunicação e o transporte de um lugar para o outro. O desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação também contribuiu para se formar um conceito de "aldeia global" que prometia riqueza e progresso para todos, mas que falhou ao deparar com o radicalismo islâmico, em face de inúmeros fatores, entre os quais menciono a obsessão ocidental em exportar democracia, mesmo apenas conceitual, e a dependência que o mundo adquiriu ao petróleo, que gerou intervenções desastrosas e injustiças em boa parte pobre do globo.

O mesmo internacionalismo que pregava livre comércio, União Européia, NAFTA, Mercosul, Pacto Andino, OPEP e dezenas de outras ações econômicas, também quis exportar um modelo democrático que nem sempre era adequado aos países. Caíram impérios, monarquias e ditaduras pelo mundo afora, substituídos muitas vezes por regimes depauperados e incapazes de manter coesas suas sociedades, gerando guerras civis e o fenômeno da migração forçada de refugiados e de combatentes, mola mestra do terrorismo global que causa pânico nos países ricos.

Dizem que o mundo que aprovou o Brexit, elegeu Donald Trump e reforçou imensamente o capital politico de Marine Le Pen da Força Nacional está em divisão ideológica. Mentira porque ele já era dividido bem antes disso, com a diferença que, de modo geral,  experimentava-se um viés internacionalista, que dava força às políticas socialistas, democratas-cristãs e sociais-democratas, que pregavam uma sociedade global ao mesmo tempo em que internamente limitavam os direitos de seus cidadãos.

O que estamos vendo é uma reação natural, uma nova guinada ao nacionalismo. Cidadãos amedrontados com o terrorismo e cansados do discurso de liberdade e fronteiras abertas, que forçam a diminuição da liberdade interna. Estes cidadãos estão migrando seus votos para a direita e a extrema-direita, que prometem justamente o contrário - mais liberdade interna e menos internacionalismo econômico -  economias que não exportem empregos para outros lugares, acumulação de riqueza interna, menos ajuda para o externo.

É uma daquelas guinadas históricas. Ouvi um historiador dizer que, na última vez que o mundo guinou ao nacionalismo, isso causou duas guerras mundiais. Mas arrisco dizer também que o internacionalismo também está acabando com uma guerra mundial, embora ela seja assimétrica e não declarada por estados nacionais. Vivemos uma guerra do radicalismo islâmico (não do Islã) contra o modo de vida ocidental, com uma reação que, se não é militar, é tão radical em suas idéias como se fosse, de restituir o status nacional em prejuízo do internacional.

No futuro imediato é provável a assunção de líderes que preguem nacionalismo, alavancados pelo medo causado por esta guerra de fim de ciclo internacional. Não será algo novo na humanidade, nem se pode afirmar que será bom ou mal, será apenas o pêndulo da história voltando para o outro lado.



15 de mar. de 2017

NEGAÇÃO E GREVE GERAL NÃO SOLUCIONAM O PROBLEMA DA PREVIDÊNCIA

Dizer que existe um conjunto de empresas que devem 425 bilhões para a previdência, sem atentar que muitas delas são empresas públicas/estatais, ou de políticos, ou, ainda, falidas em decorrência de atos do próprio governo brasileiro, caso da VARIG, não vai gerar caixa para pagar aposentadorias. Este dinheiro precisa, sim, ser cobrado, mas quem tem a atribuição de fazê-lo é a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e/ou do INSS, órgão formado por profissionais altamente qualificados e que mesmo assim, não consegue encontrar bens penhoráveis que cubram esse crédito tributário gigantesco, isso quando não tentam cobrar empresas estatais ou de políticos protegidas pelos tribunais. 

Ademais, não é porque uma minoria de empresas não paga, que todas as demais sejam culpadas pelo problema. A tentativa é de criminalizar as empresas e dizer que é delas a culpa, a ponto de se alegar que a alíquota previdenciária embutida no Super Simples é renúncia fiscal, é só uma forma de justificar por antecipação o aumento de imposto para as menores empresas, as que mais geram empregos, as que mais tem dificuldades em operar em meio a uma carga tributária insana e uma burocracia que tudo faz para que elas fechem as portas.

Dizer que a seguridade social é superavitária é manipular números de um orçamento sempre tão inflado quanto imediatamente contingenciado tão logo publicado. O papel aceita tudo, os números podem ser apostos ali sem nenhuma relação com a realidade e mesmo assim parecerem lógicos, embora não sejam. Um país sem crescimento econômico consistente, com a população crescendo na média de 2% ao ano pressionando serviços públicos de saúde, educação e segurança pública que já são insuficientes e incapazes, mesmo com o suposto "superávit". Se esse "superávit" existisse não haveria crise, aliás, não haveria nem discussão de reforma, porque político nenhum coloca a mão num vespeiro desses se não tiver necessidade premente.

Hoje, dezenas de categorias profissionais estão paralisadas gritando "fora Temer" e insurgindo-se contra a reforma da previdência e a reforma trabalhista. Simplesmente estão defendendo que não se mude absolutamente nada, funcionando como massa de manobra de quem efetivamente seria prejudicado por reformas efetivas, os privilegiados do país: os sindicalistas que se aposentam com valor integral porque recebem salários altos nas diretorias de suas entidades, dinheiro este vindo da Contribuição Sindical compulsória, os políticos, que se aposentam ganhando muito bem e com 8 anos ou menos de contribuição, os altos funcionários públicos, como uma parte dos juízes e desembargadores, que ganham muito acima do teto constitucional e se aposentam ganhando até mais que isso. 

Não querem reforma, mas a grande verdade é que, quando o Estado não tiver dinheiro para pagar aposentadorias, os primeiros a não receber serão os miseráveis que ganham salário minimo, não os nababos que se aposentam com 100 mil reais mensais, alegando direitos adquiridos e leis estúpidas que os protegem.

Um cliente meu trabalha com 2 irmãos numa pequena empresa. Eles têm mais 15 funcionários e todos trabalham quebrando pedras, carregando caminhões, fazendo entregas e manobrando empilhadeiras. Faturam 200 mil por mês e pagam 25 mil de Super Simples, dinheiro insuficiente para quitar a aposentadoria de um único procurador federal ou mesmo de alguns ex-motoristas do Senado. É justo?

A previdência precisa ser discutida. Se o meio, o Congresso Nacional, é ruim, se é corrupto, se é atrabiliário, se não é sério, isso é outro assunto. A questão é que o país precisa parar de fazer baderna e discutir  o que efetivamente causa o problema fiscal previdenciário, o que certamente não se faz impedindo as pessoas de trabalharem, fechando escolas e prejudicando atendimentos médicos, muito menos negando o problema dizendo que há 425 bi para serem cobrados ou há um superávit fantasmagórico na seguridade.

8 de mar. de 2017

- 3,16% : A RETRAÇÃO DO PIB CAUSADA PELO AUMENTO DE IMPOSTOS E BUROCRACIA



A pior recessão da história do Brasil iniciou-se em fins de 2014, ano em que o crescimento do PIB foi de pífio 1%, se muito. A partir de então, a atividade econômica foi caindo gradualmente e com ela, também as receitas tributárias, especialmente a dos estados, porque são dependentes de um imposto sobre consumo, o ICMS.

O que se viu então foi uma sequência de "apertos" burocráticos e fiscais visando arrancar mais dinheiro da sociedade na marra, independentemente da atividade econômica real, com único intuito de não reformar estruturas públicas falidas, ineficientes, com quadro funcional inchado e financiadoras das muitas mordomias da classe política por meio de super-salários e de milhares de cargos em confiança e comissão que, drenando recursos públicos, nunca foram atacados como parte da solução dos déficits crescentes especialmente no RJ e no RS, além de outros em situação delicadíssima, como MG e PR. 

O CONFAZ, conselho das secretarias de fazenda das 27 unidades da federação passou a interpretar de modo draconiano toda e qualquer brecha na legislação do ICMS que viesse a aumentar os impostos e gerar obrigações acessórias. Tornou geral e irrestrita a obrigação burocrática insana do SPED, segundo a qual, para emitir uma prosaica nota fiscal eletrônica de um alfinete é preciso usar um sistema de informática que agrega dezenas de códigos diferentes e impõe que toda transação seja autorizada previamente pelo poder público, gerando custos para as empresas, tais como certificações digitais, sistemas de informática e mesmo necessidade de adquirir hardware, além da despesa crescente com pessoal que saiba operar um monstro burocrático que trava e causa multas ao menor erro de código, com a capacidade inclusive de paralisar as operações de uma empresa em havendo um mínimo problema.

Mesmo o transporte de mercadorias foi atacado, com a criação de um manifesto eletrônico, em que o transportador tem a obrigação de informar de antemão todas as mercadorias e suas respectivas notas fiscais, antes de iniciar viagem. Ou seja, inviabilizou o freteiro de pequenas quantidades de mercadoria, que podem seguir viagem em um único caminhão, o obrigou a ter computador, certificação digital e acesso à internet, sob pena de ficar com o caminhão retido em alguma barreira da estrada. 

Criou-se a partir da leniência do Congresso Nacional o DIFAL, uma manobra criminosa de aumento disfarçado de impostos, que aumentou em até 40% o ICMS sobre operações interestaduais e que obriga a empresa fornecedora a uma burocracia de gerar duas guias de recolhimento a cada nota fiscal emitida para CPF, sendo que a alternativa à isto é de inscrever-se em 27 unidades federativas separadas e observar a legislação acessória de cada uma delas, inclusive declarações mensais.

Abriu-se brecha para os estados abusarem da própria lei e darem interpretação própria à ela, com intuito de faturarem com aplicação de multas e aumento de alíquotas. É o caso das armas e munições: a lei diz que os estados devem cobrar o ICMS/DIFAL com base na alíquota básica interna (que vai de 16 a 19%), mas muitos deles usam uma alíquota específica, de até 29%. Alguns estados passaram então a cobrar a alíquota específica e reter a mercadoria na transportadora ou no aeroporto, exigindo o pagamento da diferença e da multa, informando ainda que o pagamento da multa inviabiliza o recurso administrativo e por consequência, o judicial também, uma vez que na imensa maioria das operações, o valor devido não é economicamente viável para uma ação judicial.

De modo geral, o que se viu foram estados aumentando alíquotas e exigindo novos pagamentos sob algum tipo de justificativa, limitando a creditação de ICMS que diminui o valor a pagar e usando o SPED como forma de coação. Somente no PR, a alíquota que era de 12% para milhares de produtos de consumo básico diário, passou para 18%. Iniciou-se também a cobrança de um diferencial de alíquota para produtos importados à 4%, de tal modo que eles viessem a pagar a alíquota interna do estado, de 18 a 29% e exigiu-se o DIFAL, sendo que o STF proibiu que ele fosse cobrado de empresas tributadas pelo Super Simples, o que ainda é provisório.

Não que a queda do PIB seja resultado apenas dessa barafunda fiscal-tributária. a incompetência e desonestidade do governo Dilma é que foi a responsável pela maior parcela da crise, mas é fato: o excesso de regulamentação fiscal e o aumento do ICMS quebrou empresas, diminuiu as vendas, aumentou os preços e agravou a retração econômica, ao mesmo tempo em que não teve efeito de aumentar a arrecadação, salvo em um primeiro e curto momento.  Mesmo assim, os estados continuaram aumentando a burocracia e as alíquotas, e as pequenas empresas continuaram a quebrar e a ficar insolventes porque já não conseguiam vender e além disso, passaram a arcar com impostos maiores em vendas menores, maiores custos com margens de lucros diminuídas na marra. A inflação recorde de janeiro de 2015 e janeiro de 2016 é o melhor indicador da insanidade tributária vivida, que enfiou o país no pior histórico de retração econômica de sua história, e que devolveu a renda do brasileiro aos níveis da de 2007.

Dizer que o PIB caiu e a recessão foi culpa de crise internacional, de operação Lava Jato, de corrupção e mesmo de incompetência e desonestidade viscerais, não deve afastar o entendimento de que a queda também se deu por ganância tributária e fiscal dos governantes, vontade de tirar mais da sociedade para continuar gastando sem freio algum e financiando a eternização no poder.



6 de fev. de 2017

A PASSAGEM DE ÔNIBUS EM CURITIBA



No Brasil as pessoas tem a mania de achar que dinheiro nasce em árvores e que as promessas dos governantes se materializam tão logo tomam posse, como um passe de mágica decorrente do discurso bonito das campanhas eleitorais onde se pratica muito marketing e pouco ou nenhum debate. 

O caso da passagem de ônibus em Curitiba é sintomático.

Em 2013, as manifestações de rua iniciaram como um grito contra a Copa do Mundo que se aproximava, mas na esteira disto acabaram apropriando o protesto contra o aumento das tarifas de transporte pelo país afora. Então, "black-blocs" saíram quebrando, pichando, depredando, vandalizando e matando, fazendo o diabo com o pano de fundo bonitinho e simpático de lutar contra o aumento das tarifas e acordar a sociedade contra os abusos do Estado gastador que não dá saúde, nem educação e muito menos segurança, mesmo gastando bilhões com eventos internacionais, o famoso discurso dos vinte centavos.

Em Curitiba, tanto o então prefeito Gustavo Fruet (PDT/PT) quanto o governador Beto Richa (PSDB) resolveram dialogar com os vândalos ao invés de investigar e prender seus líderes criminosos. Daí instalou-se um debate absurdo, que ultrapassou qualquer limite de bom senso a partir do momento em que manifestantes de rua que não estavam nem um pouco preocupados com o transporte coletivo começaram a impor suas idéias tortas, lunáticos defensores do passe livre tiveram voz ativa e preponderante sobre um assunto técnico complexo, que no mínimo exigiria conhecimentos profundos de contabilidade de custos e de legislação municipal sobre o transporte. Mesmo assim, lhes foi dada a voz ativa e decisiva, porque isso protegia a realização da Copa do Mundo, que tinha que sair a qualquer custo.

O resultado foi que, ao invés de aumentar, a passagem diminuiu de preço com o corte puro e simples de itens da planilha de custos das empresas de transporte, sem o ataque a nenhum dos problemas inerentes, tais como o excesso de isenções, a tarifa domingueira, o crime, comum na cidade, de pular a catraca para não pagar e o custo da integração com a região metropolitana, que foi sumariamente encerrada porque prefeito e governador brigaram e este retirou o subsídio que o governo apropriava ao sistema para cobrir seus custos adicionais.

E a partir de então, o que aconteceu foi a imposição da realidade contra o discurso de "black blocs" e governantes irresponsáveis. As empresas que já trabalhavam com margens apertadas ficaram sem capital de giro. A discussão sobre o cálculo da tarifa acabou sem soluções financeiras tão logo o assunto saiu da mídia. Os salários de motoristas e cobradores começaram a atrasar, a tarifa técnica passou a não cobrir o custo do sistema e a previsão de renovação da frota, que envelheceu aumentando novamente os custos de manutenção e as falhas na prestação dos serviços. O atraso de salários que era eventual, passou a ser constante e com isso, as greves de advertência se tornaram comuns, a ponto do curitibano pesquisar sobre sua ocorrência duas vezes ao mês, nas datas de pagamentos e de adiantamento de salários. 

Instalou-se o caos com aumento brutal de custos de transporte especialmente para os moradores de cidades da região metropolitana que, sem a integração, passaram a pagar passagem adicional ao entrarem em Curitiba. Na esteira da crise econômica somada à perda visível de qualidade do sistema, caiu também o número de passageiros, pressionando novamente o caixa das empresas sem que o prefeito e o governador sequer tentassem um diálogo para solucionar a questão, porque o primeiro queria se reeleger e o segundo, queria eleger o seu candidato, Rafael Greca, que acabou vencendo, quebrando a tradição da cidade em reeleger seus prefeitos.

A grande verdade é que, por mais gananciosa que seja uma empresa ou seus proprietários, ela não atrasará salários de funcionários, nem negligenciará a prestação de seus serviços. Basicamente, empresas vivem em função de praticar suas atividades, se suas margens de lucro são grandes, se ela é deficitária, seus administradores jamais trabalham contra a consecução de suas atividades, porque empresas não existem sem elas.

Greca assume a prefeitura e encontra o sistema exaurido, clamando por um aumento de passagem na faixa de 20% para evitar novas greves e buscar recuperação. Após tratativas de emergência porque o assunto era de discussão praticamente proibida até então, chega-se a um aumento de 16%, com o fim da tarifa reduzida para R$ 1,00 aos domingos, mais ou menos atendendo o clamor das empresas e aliviando o custeio do sistema, não sem o protesto contra o prefeito que teria mentido em campanha, usando como pano de fundo a velha prática nacional de dizer que as empresas são gananciosas e que suas planilhas são infladas para "roubar o povo trabalhador".

Ao baixar o valor da passagem artificialmente, a partir dos conceitos errados de defensores de passe livre e "black blocs" que estavam interessados somente em baderna, tanto os governantes quanto a sociedade curitibana incorreram no erro de achar que dinheiro nasce em árvores e que o custo de um serviço pode ser alterado artificialmente apenas e tão somente a partir de um discurso idealizado com forte viés eleitoreiro e ideológico, afora o radicalismo inerente àquela situação.

Curitiba tem um modelo de transporte coletivo que remonta 40 anos. Nos últimos 4, agregou mais problemas e deficiências que nos 36 anteriores. E tudo isso porque se deu voz a idiotas para não atrapalhar um evento que deu prejuízo colossal à cidade.

20 de jan. de 2017

NEM TRUMP SERÁ TUDO AQUILO, NEM OBAMA FOI TUDO ISSO



No exercício do cargo, um presidente dos EUA tem menos poderes que muitos primeiros-ministros europeus e inclusive, que o presidente da república no Brasil. 

Um presidente dos EUA não pode emitir medida provisória nem decreto-lei. A imensa maioria de suas nomeações mais importantes (inclusive ministeriais) tem necessariamente que obter aprovação do Congresso Nacional após sabatina. Ele não implanta um único programa econômico sem negociação com os parlamentares e não pode nomear um juiz da Suprema Corte sem que a sabatina do Senado não só seja rígida, como efetivamente pronta para recusar nomes até que um deles obtenha maioria da casa. Para declarar guerra, um presidente dos EUA precisa de autorização, para movimentar tropas sem que haja interesse ou risco para cidadãos dos EUA, idem. 

O Congresso dos EUA muda de composição conforme as leis estaduais, ou seja, em dois anos após a posse, o partido do presidente pode perder a maioria, o que o força a negociar com a oposição as coisas mais comezinhas, como, por exemplo, o orçamento, que nos EUA é impositivo, não há como gastar sem autorização prévia, com raras exceções legais. Um presidente dos EUA com minoria no Congresso se obriga a negociar com uma oposição ferrenha, porque apesar do sistema ser multipartidário, é dominado há décadas apenas por republicanos e democratas que se alternam tanto no poder federal quanto nos estaduais. Ou seja, não tem como oferecer ministério para aliciar partido de aluguel, a única saída é ceder, tratar com parlamentares olho no olho, mudar os termos da negociação, adequar o projeto àquilo que a maioria no Congresso tende a aceitar. 

Um presidente dos EUA não tem o poder que o do Brasil tem sobre estados e municípios. Cada estado arrecada seus próprios impostos, tem suas próprias leis (inclusive criminais) e seu próprio Legislativo, apenas as questões federais, a defesa e a representação internacional do país são de competência da União, ou seja, ela não impõe regras, não distribui nem contingencia verbas para ajudar ou atrapalhar um governador simpático ou de oposição. 

Em resumo, um presidente dos EUA não governa sem as instituições. Ele pode ter idéias fantásticas, boas e más intenções, ideais, interesses pessoais e objetivos sociais ou corporativos, mas daí a colocar tudo isso em prática é outro assunto que não depende apenas de sua vontade, mas da mobilização do partido que o elegeu, da negociação com o Congresso Nacional e da estrita legalidade do que propor, que será posta à prova nas votações da Câmara dos Deputados e do Senado.

Ninguém nega que Obama foi um presidente carismático e que mal ou bem tirou o país da crise econômica de 2008, nem seus esforços pacifistas e sua preocupação com programas sociais como o "Obamacare". Mas nós, brasileiros, as vezes esquecemos que o discurso de Trump agradou o americano médio, aquele que não está contente com o fim do emprego na indústria, substituído pelo do setor de serviços que emprega imigrantes desqualificados e mais baratos, nem com a insegurança causada ao país pela retirada das tropas do Iraque, que foi um fator que fortaleceu o ISIS. Também não atinamos para o fato de que Hillary Clinton foi acusada de corrupção, o que já está provado que, para nós, não é tão preponderante numa campanha eleitoral quanto lá. 

No Brasil, temos a mania de interpretar os fatos de outros países pela ótica dos nossos defeitos, de modo que tem sido comum nesses dias que antecedem a posse de Donald Trump ver a imprensa e as pessoas comentando sobre o demoníaco republicano que será cassado em pouco tempo porque é mau, machista e xenófobo, com pena de acabar o mandato do democrata bonzinho, paladino dos direitos civis, da paz e da concórdia. 

Esquecemos das instituições que aqui são fracas ou inexistentes e lá são fortes e presentes. Imaginamos um Donald Trump enviando tropas para todos os lados para impor algum capricho seu como constatamos a perseguição a caminhoneiros feita a partir de medida provisória emitida por uma presidente depois cassada. Pensamos que Trump vai comprar o Congresso com ministérios e secretarias, quando lá, se o Congresso implica com um ministro ou secretário o mais fácil é ele renunciar e o presidente colocar o rabo entre as pernas.

O Trump presidente não será aquele dos discursos radicais de campanha, do mesmo modo que Obama não fez as boas coisas que fez sem o auxílio e autorização prévia do Congresso. Do mesmo modo que Obama não fez nada sozinho (e nem entremos na discussão sobre seu legado, que é bem controversa), Trump não transformará o país num enorme cassino e hotel extravagante e permissivo como a fama de seus negócios pode sugerir.

CORITIBA: O MEDO DO FUTURO.

No erro de uma diretoria interina, que acionou a justiça comum em 1989 para não jogar uma partida marcada de má-fé pela CBF para prejudicar ...