6 de fev. de 2017

A PASSAGEM DE ÔNIBUS EM CURITIBA



No Brasil as pessoas tem a mania de achar que dinheiro nasce em árvores e que as promessas dos governantes se materializam tão logo tomam posse, como um passe de mágica decorrente do discurso bonito das campanhas eleitorais onde se pratica muito marketing e pouco ou nenhum debate. 

O caso da passagem de ônibus em Curitiba é sintomático.

Em 2013, as manifestações de rua iniciaram como um grito contra a Copa do Mundo que se aproximava, mas na esteira disto acabaram apropriando o protesto contra o aumento das tarifas de transporte pelo país afora. Então, "black-blocs" saíram quebrando, pichando, depredando, vandalizando e matando, fazendo o diabo com o pano de fundo bonitinho e simpático de lutar contra o aumento das tarifas e acordar a sociedade contra os abusos do Estado gastador que não dá saúde, nem educação e muito menos segurança, mesmo gastando bilhões com eventos internacionais, o famoso discurso dos vinte centavos.

Em Curitiba, tanto o então prefeito Gustavo Fruet (PDT/PT) quanto o governador Beto Richa (PSDB) resolveram dialogar com os vândalos ao invés de investigar e prender seus líderes criminosos. Daí instalou-se um debate absurdo, que ultrapassou qualquer limite de bom senso a partir do momento em que manifestantes de rua que não estavam nem um pouco preocupados com o transporte coletivo começaram a impor suas idéias tortas, lunáticos defensores do passe livre tiveram voz ativa e preponderante sobre um assunto técnico complexo, que no mínimo exigiria conhecimentos profundos de contabilidade de custos e de legislação municipal sobre o transporte. Mesmo assim, lhes foi dada a voz ativa e decisiva, porque isso protegia a realização da Copa do Mundo, que tinha que sair a qualquer custo.

O resultado foi que, ao invés de aumentar, a passagem diminuiu de preço com o corte puro e simples de itens da planilha de custos das empresas de transporte, sem o ataque a nenhum dos problemas inerentes, tais como o excesso de isenções, a tarifa domingueira, o crime, comum na cidade, de pular a catraca para não pagar e o custo da integração com a região metropolitana, que foi sumariamente encerrada porque prefeito e governador brigaram e este retirou o subsídio que o governo apropriava ao sistema para cobrir seus custos adicionais.

E a partir de então, o que aconteceu foi a imposição da realidade contra o discurso de "black blocs" e governantes irresponsáveis. As empresas que já trabalhavam com margens apertadas ficaram sem capital de giro. A discussão sobre o cálculo da tarifa acabou sem soluções financeiras tão logo o assunto saiu da mídia. Os salários de motoristas e cobradores começaram a atrasar, a tarifa técnica passou a não cobrir o custo do sistema e a previsão de renovação da frota, que envelheceu aumentando novamente os custos de manutenção e as falhas na prestação dos serviços. O atraso de salários que era eventual, passou a ser constante e com isso, as greves de advertência se tornaram comuns, a ponto do curitibano pesquisar sobre sua ocorrência duas vezes ao mês, nas datas de pagamentos e de adiantamento de salários. 

Instalou-se o caos com aumento brutal de custos de transporte especialmente para os moradores de cidades da região metropolitana que, sem a integração, passaram a pagar passagem adicional ao entrarem em Curitiba. Na esteira da crise econômica somada à perda visível de qualidade do sistema, caiu também o número de passageiros, pressionando novamente o caixa das empresas sem que o prefeito e o governador sequer tentassem um diálogo para solucionar a questão, porque o primeiro queria se reeleger e o segundo, queria eleger o seu candidato, Rafael Greca, que acabou vencendo, quebrando a tradição da cidade em reeleger seus prefeitos.

A grande verdade é que, por mais gananciosa que seja uma empresa ou seus proprietários, ela não atrasará salários de funcionários, nem negligenciará a prestação de seus serviços. Basicamente, empresas vivem em função de praticar suas atividades, se suas margens de lucro são grandes, se ela é deficitária, seus administradores jamais trabalham contra a consecução de suas atividades, porque empresas não existem sem elas.

Greca assume a prefeitura e encontra o sistema exaurido, clamando por um aumento de passagem na faixa de 20% para evitar novas greves e buscar recuperação. Após tratativas de emergência porque o assunto era de discussão praticamente proibida até então, chega-se a um aumento de 16%, com o fim da tarifa reduzida para R$ 1,00 aos domingos, mais ou menos atendendo o clamor das empresas e aliviando o custeio do sistema, não sem o protesto contra o prefeito que teria mentido em campanha, usando como pano de fundo a velha prática nacional de dizer que as empresas são gananciosas e que suas planilhas são infladas para "roubar o povo trabalhador".

Ao baixar o valor da passagem artificialmente, a partir dos conceitos errados de defensores de passe livre e "black blocs" que estavam interessados somente em baderna, tanto os governantes quanto a sociedade curitibana incorreram no erro de achar que dinheiro nasce em árvores e que o custo de um serviço pode ser alterado artificialmente apenas e tão somente a partir de um discurso idealizado com forte viés eleitoreiro e ideológico, afora o radicalismo inerente àquela situação.

Curitiba tem um modelo de transporte coletivo que remonta 40 anos. Nos últimos 4, agregou mais problemas e deficiências que nos 36 anteriores. E tudo isso porque se deu voz a idiotas para não atrapalhar um evento que deu prejuízo colossal à cidade.

20 de jan. de 2017

NEM TRUMP SERÁ TUDO AQUILO, NEM OBAMA FOI TUDO ISSO



No exercício do cargo, um presidente dos EUA tem menos poderes que muitos primeiros-ministros europeus e inclusive, que o presidente da república no Brasil. 

Um presidente dos EUA não pode emitir medida provisória nem decreto-lei. A imensa maioria de suas nomeações mais importantes (inclusive ministeriais) tem necessariamente que obter aprovação do Congresso Nacional após sabatina. Ele não implanta um único programa econômico sem negociação com os parlamentares e não pode nomear um juiz da Suprema Corte sem que a sabatina do Senado não só seja rígida, como efetivamente pronta para recusar nomes até que um deles obtenha maioria da casa. Para declarar guerra, um presidente dos EUA precisa de autorização, para movimentar tropas sem que haja interesse ou risco para cidadãos dos EUA, idem. 

O Congresso dos EUA muda de composição conforme as leis estaduais, ou seja, em dois anos após a posse, o partido do presidente pode perder a maioria, o que o força a negociar com a oposição as coisas mais comezinhas, como, por exemplo, o orçamento, que nos EUA é impositivo, não há como gastar sem autorização prévia, com raras exceções legais. Um presidente dos EUA com minoria no Congresso se obriga a negociar com uma oposição ferrenha, porque apesar do sistema ser multipartidário, é dominado há décadas apenas por republicanos e democratas que se alternam tanto no poder federal quanto nos estaduais. Ou seja, não tem como oferecer ministério para aliciar partido de aluguel, a única saída é ceder, tratar com parlamentares olho no olho, mudar os termos da negociação, adequar o projeto àquilo que a maioria no Congresso tende a aceitar. 

Um presidente dos EUA não tem o poder que o do Brasil tem sobre estados e municípios. Cada estado arrecada seus próprios impostos, tem suas próprias leis (inclusive criminais) e seu próprio Legislativo, apenas as questões federais, a defesa e a representação internacional do país são de competência da União, ou seja, ela não impõe regras, não distribui nem contingencia verbas para ajudar ou atrapalhar um governador simpático ou de oposição. 

Em resumo, um presidente dos EUA não governa sem as instituições. Ele pode ter idéias fantásticas, boas e más intenções, ideais, interesses pessoais e objetivos sociais ou corporativos, mas daí a colocar tudo isso em prática é outro assunto que não depende apenas de sua vontade, mas da mobilização do partido que o elegeu, da negociação com o Congresso Nacional e da estrita legalidade do que propor, que será posta à prova nas votações da Câmara dos Deputados e do Senado.

Ninguém nega que Obama foi um presidente carismático e que mal ou bem tirou o país da crise econômica de 2008, nem seus esforços pacifistas e sua preocupação com programas sociais como o "Obamacare". Mas nós, brasileiros, as vezes esquecemos que o discurso de Trump agradou o americano médio, aquele que não está contente com o fim do emprego na indústria, substituído pelo do setor de serviços que emprega imigrantes desqualificados e mais baratos, nem com a insegurança causada ao país pela retirada das tropas do Iraque, que foi um fator que fortaleceu o ISIS. Também não atinamos para o fato de que Hillary Clinton foi acusada de corrupção, o que já está provado que, para nós, não é tão preponderante numa campanha eleitoral quanto lá. 

No Brasil, temos a mania de interpretar os fatos de outros países pela ótica dos nossos defeitos, de modo que tem sido comum nesses dias que antecedem a posse de Donald Trump ver a imprensa e as pessoas comentando sobre o demoníaco republicano que será cassado em pouco tempo porque é mau, machista e xenófobo, com pena de acabar o mandato do democrata bonzinho, paladino dos direitos civis, da paz e da concórdia. 

Esquecemos das instituições que aqui são fracas ou inexistentes e lá são fortes e presentes. Imaginamos um Donald Trump enviando tropas para todos os lados para impor algum capricho seu como constatamos a perseguição a caminhoneiros feita a partir de medida provisória emitida por uma presidente depois cassada. Pensamos que Trump vai comprar o Congresso com ministérios e secretarias, quando lá, se o Congresso implica com um ministro ou secretário o mais fácil é ele renunciar e o presidente colocar o rabo entre as pernas.

O Trump presidente não será aquele dos discursos radicais de campanha, do mesmo modo que Obama não fez as boas coisas que fez sem o auxílio e autorização prévia do Congresso. Do mesmo modo que Obama não fez nada sozinho (e nem entremos na discussão sobre seu legado, que é bem controversa), Trump não transformará o país num enorme cassino e hotel extravagante e permissivo como a fama de seus negócios pode sugerir.

17 de jan. de 2017

HIPOCRISIA PENITENCIÁRIA

na foto: Os ministros Carmen Lúcia e Alexandre de Morais, falando muito sobre o assunto.


Alegando "direitos humanos", o governo brasileiro então liderado por Dilma Roussef chamou o embaixador da Indonésia a prestar explicações e retirou daquele país o representante brasileiro. Suplicou, esperneou, implorou e ameaçou acionar cortes jurídicas internacionais para salvar a vida de um traficante de drogas com execução iminente de pena de morte, que toda pessoa que viaja para aquele país é informada de que se aplica ao tipo criminal. Afrontou abertamente a lei e as autoridades eleitas democraticamente de um importante parceiro comercial brasileiro, que já havia adquirido 16 aviões Embraer Super Tucano e acenava com a possibilidade de adquirir os novos aviões-cargueiros KC-390 e diversos outros materiais militares.

No Brasil as autoridades fingem preocupar-se com direitos humanos. O próprio governo Dilma Roussef diminuiu os recursos do fundo penitenciário, o que não atrai apenas para si a responsabilidade que é de todos os governos que a antecederam e sucederam, ou ainda dos governos estaduais, porque a grande verdade é que, neste país, o sistema penitenciário é apenas mais uma estrutura pública ineficiente e abandonada, só lembrada quando acontecem rebeliões e mortes que atraem os olhares da imprensa.

Na hora de salvar um traficante brasileiro da pena justamente aplicada por violar as leis de um país independente o governo brasileiro "falou grosso", ameaçou e, claro, gastou por conta, se oferecendo até a mandar avião próprio para resgatar o cidadão nacional com data e hora marcada para morrer. Mas para cuidar dos presídios daqui, não, daí a fala é "mansa", a desculpa clássica do "não há dinheiro" e as "soluções" que nossas autoridades sugerem são as mesmas, sempre aplicadas quando um caso grave de violência ganha as manchetes - aumentar impostos, a criação de um ministério e a proposição de uma lei poética, idealizada, cheia de normas de interpretação ampla e objetivos ideais - um "estatuto", que no fim das contas, será apenas mais uma lei não cumprida, seja por exigir efetivos de recursos e pessoal que o país não tem ou não quer gastar, seja pela interpretação que será dada pelo mesmo Judiciário que mantém 40% do sistema prisional com indivíduos retidos temporária ou provisoriamente sem julgamento final, porque este demora uma infinidade de tempo, tamanha a leniência de nosso poder julgador com recursos protelatórios e repetidos sobre fatos já tratados.

Afora a incompetência. O governo brasileiro de modo geral não tem a capacidade de resolver o problema clássico das delegacias que deixam de investigar porque viraram mini-presídios, ou ainda, de instalar e fazer funcionar bloqueadores de celular nas prisões pátrias. Quando instala, acaba desligando porque em volta dos presídios, invasões de imóveis que não foram combatidas a tempo criaram "comunidades" que não aceitam ficar sem o precioso cânone da vida moderna, onipresente nas mãos de todos. 

Mas vai mais longe: descobriu-se que governos e Judiciário não conseguem sequer controlar o tempo de apenamento dos detentos, que não podem ser soltos na data que uma ficha indica ser seu último dia de cárcere, porque é necessário um alvará assinado pelo juiz, que muitas vezes nem sequer dá expediente na Vara de Execuções Penais. E ainda se constatou que nem mesmo dentro dos presídios se sabe em que pavilhão está cada preso, não se sabe ao certo quem de lá dentro trabalha e quem não, não se consegue distinguir preso de alta do de baixa periculosidade.

É um caos completo causado por incompetência visceral, leis mal redigidas, agentes públicos preguiçosos e, óbvio, péssima aplicação dos recursos disponíveis na medida em que já se disse que são necessários 10 bilhões de reais para adequar o sistema, uma mixaria perto do que já se sabe que se roubou da Petrobras, ou ante mesmo o déficit público estimado para 2017 ou efetivo em 2016, de mais de 100 bi em um orçamento de quase 3 trilhões de reais.  Usa-se o número de 10 bi, mas se esquece de informar que ele representa 0,3% do orçamento da União, que desconsidera os orçamentos estaduais, o que tornaria esse percentual já ínfimo muito menor.

O problema do sistema penitenciário não está apenas no preso, nem no excesso de lotação, muito menos no dinheiro que recebe e aplica mal, trata-se de uma questão de inexistência generalizada de ética: uma sociedade que não se importa com preso, uma classe política alienada que pensa que redações legais poéticas  resolvem problemas materiais, um poder Judiciário descompromissado que adotou como regra de interpretação  a aceitação de todo tipo de recurso, mesmo protelatório, em favor de réus, impondo como se noticiou hoje, um mutirão de defensores públicos para aliviar a lotação de prisões pelo país afora, quando isso deveria ser obrigação diária deles, no sentido de não deixar alguém preso sequer um dia além da data final do apenamento.

Direitos humanos não representam apenas ter compaixão por vidas humanas. Exigem competência, trabalho sério, aplicação correta de regras, responsabilidade com recursos públicos e observância estrita das leis. A única coisa que direitos humanos não comportam é a que sobra no Brasil, a hipocrisia de sensibilizar-se em atrasado, de algo grave que já se sabe que está acontecendo há muito tempo, mas que ninguém efetivamente se preocupa em solucionar.




12 de dez. de 2016

NÃO ADIANTA! SEM DESREGULAMENTAR, A ECONOMIA NÃO SAIRÁ DA ESTAGNAÇÃO!



Deixando de lado o desastre político causado pela privatização do Congresso Nacional havida durante os tenebrosos anos Lula/Dilma/Temer, agora descortinada pelas delações das grandes empreiteiras, é importante salientar que não, a economia não vai melhorar mesmo que se façam eleições gerais. A economia não vai se recuperar se o FHC voltar a ser presidente. Não sairá do buraco se Lula voltar consagrado ao Palácio do Planalto. Não vai vai deixar a estagnação nem mesmo se todos os corruptos forem julgados pelo STF e presos, livrando o país da mesquinharia política atávica.

Já no governo FHC, o que foi dramaticamente aumentado nos governos Lula, Dilma e Temer, instalou-se na administração pública a ideia de que a culpa dos problemas do país está no contribuinte que não paga, que sonega e que tudo faz para ocultar suas operações da sacrossanta Receita Federal e das receitas estaduais e municipais. O modelo padrão de salvação das crises políticas geradas pelo excesso de gastos públicos tem sido sempre o mesmo: à menor dificuldade de caixa dos governos que gastam muito, gastam mal e consomem os recursos públicos com empreguismo e corrupção, segue-se aumento de tributos com o aperto da burocracia sobre o cidadão que, pessoa física ou empresa, deve ser vigiado, pois é ele o maldoso ladrão de recursos preciosos usados para promover Copa do Mundo e Olimpíada.

E dentro desta lógica perversa de vilanização, com os aumentos constantes de impostos também veio um aumento ainda pior da burocracia. A partir de 1º de janeiro de 2017, com a obrigatoriedade nacional da nota fiscal ao consumidor eletrônica, absolutamente nenhuma venda, sequer de um botão de camisa, poderá ser feita sem autorização prévia da Receita Federal. E nesta mesma NF-e, deverão constar a descrição do produto, seu NCM e diversas CST(s) que são códigos de classificação fiscal operação por operação, produto por produto, inclusive dividido pelo tipo de embalagem.

E também há o SPED, no qual o contribuinte envia para os órgãos fazendários a integralidade da sua contabilidade, e todos os seus livros fiscais, perdendo horas de produtividade para corrigir arquivos .txt que o sistema não valida porque um dos 700 códigos inerentes ao tipo não confere em um único produto no meio de uma das milhares de notas fiscais do mês, que o próprio sistema autorizou e de repente, não mais aceita naquela configuração.  E o SISCOMEX, que pode impedir uma exportação se o fiscal fazendário implicar com o saldo de uma determinada conta contábil do balancete da empresa. E aproxima-se o dia da entrada em funcionamento do E-Social, ferramenta na qual o contribuinte informará ao governo o ponto do funcionário, que por sua vez, vai gerar uma folha de pagamento emitida pelo sistema, sem margem de qualquer negociação do valor entre patrão e empregado, e garantindo que mesmo os mínimos centavos da base de cálculo da contribuição previdenciária e do FGTS constem da conta em favor do grande irmão fiscalizador, o mesmo que não dá educação de qualidade, nem saúde, muito menos segurança pública para ninguém que não seja político ou alto funcionário público.

E some-se à isto o licenciamento ambiental que demora 3 anos para que se abra um reles posto de gasolina, e as certidões negativas onipresentes nas vendas de bens e obtenções de financiamentos, e os processos pavorosamente burocráticos das juntas comerciais que recusam registros por conta de vírgulas mal aplicadas na redação de contratos sociais, e as filas intermináveis para balcões de atendimento onde o agente público não entende absolutamente nada do que o contribuinte precisa para resolver o problema ou simplesmente não quer atendê-lo pela preguiça que acomete todo indivíduo que sabe que pode abusar da autoridade sem punição alguma. E guias, e carimbos, e informações eletrônicas, e cadastros nos mais diversos órgãos públicos, e sindicatos que inventam contribuições, e conselhos profissionais que exigem contratação e salário de categoria para seus filiados ficarem na empresa 1 dia por semana, e cópias autenticadas com assinatura por verdadeira, porque por semelhança o Estado não aceita mais. E os conselhos de contribuintes e a Justiça, que sempre preservam o Estado, por mais arbitrárias que sejam as decisões sobre tributos contra os contribuintes.

Ninguém empreende num estado de coisas como este. Ninguém tem vontade de colocar seu dinheiro e gastar a maior parte dele atendendo burocratas que ganham cada vez melhor e trabalham cada vez menos. Ninguém aguenta saber que vai trabalhar meses com prejuízo até alcançar um ponto de equilíbrio financeiro, mas corre o risco de não chegar lá se algum agente fiscalizador autuar pesadamente pela suposta infração de um dos milhões de artigos legais que regulamentam tudo o que se faz no país à exaustão, incluindo nisso a incongruência de regras e a divergência de interpretações que fazem do contribuinte presa fácil para qualquer tipo de ação que queira arrancar-lhe mais dinheiro.

É por isso que jovens promissores saem das faculdades, muitas delas públicas e gratuitas e se enterram em concursos públicos onde se transformarão em burocratas alheios à necessidade do país em gerar riqueza.

Talvez até a economia volte a crescer dentro daquela média pífia que o Brasil sempre experimentou, fazendo dele o caranguejo do mundo, que anda para os lados e quando tropeça numa pedra acaba dando um eventual passo adiante. Mas crescer e gerar riqueza de verdade, tirar pessoas das favelas e da miséria, educar e melhorar as condições de vida de populações que vivem em situação de pobreza material e intelectual não é coisa que se consiga com taxas de 2% do PIB. Um país dito "emergente", cuja carga tributária é maior que da riquíssima Suécia, e cuja burocracia não é igualada em lugar nenhum do mundo nunca crescerá o suficiente para enriquecer, o que significa claramente que o sucesso ficará nas mãos do Estado e de seus altos agentes, estes cada vez mais opulentos e exigentes com a sociedade que não teve a felicidade de ser eleita ou aprovada em concurso.

Thomas Hobbes classificaria o Brasil como o melhor exemplo do seu Leviatã: um monstro burocrático que alimenta-se apenas para existir por si mesmo, consumindo e esmagando seus cidadãos , concentrando todo poder em si sem pensar em qualquer outra coisa.

Se o Brasil não desregulamentar a economia, não facilitar o empreendedorismo, o cálculo e o pagamento dos impostos, não gerar liberdade de negociação salarial, continuará estagnado. Novos aumentos de impostos já estão tendo efeito de queda de arrecadação e mais insanidade burocrática tem aumentado exponencialmente a informalidade econômica. O brasileiro caminha para uma situação em que abrirá mão do Estado apenas para sobreviver... somente os políticos e os burocratas parecem não perceber.

8 de dez. de 2016

A CONSTITUIÇÃO ESFARRAPADA



Redigida num contexto libertário, onde se queria dar a impressão de que o poder voltara ao povo após o regime militar, e buscando contemplar os muitos interesses de grupos que ficaram 20 anos alijados deste mesmo poder, a Constituição de 1988 tem sido muito mais um instrumento eleitoreiro e ideológico do que uma carta de direitos a indicar o caminho da cidadania do país.

Demagógica ao extremo com sua redação inspirada em utopias esquerdistas, destruiu o conceito de igualdade entre os cidadãos criando classes privilegiadas, tornou o menor de idade intocável, blindou a classe política em um grau tão poderoso que à ela não é mais necessário observar regra alguma, gerou uma casta econômica e social dominante e privilegiada nas altas esferas do serviço público e promoveu o caos burocrático e tributário que faz do Brasil um país não competitivo, que exporta impostos e que não dá segurança jurídica nenhuma para um investidor.

Falemos especialmente do sistema tributário caótico e desonesto, que autoriza uma situação absurda segundo a qual, com o advento da nota fiscal eletrônica, não se pode fazer uma única venda prosaica de absolutamente nada sem autorização prévia do poder público. Sistema que não tem nem a qualidade de ser estável, de tanto que foi emendado sempre para arrancar mais dinheiro dos contribuintes, sem, claro, devolvê-lo na forma de serviços eficientes, porque o texto constitucional não se preocupou em conter os excessos de gastos públicos que já na época de sua redação eram notórios, descontrolados e estarrecedores.

Tão logo promulgada feriu a previdência dos cidadãos comuns ao equiparar funcionários públicos celetistas com estatutários, especialmente nos benefícios que estes já detinham por fazerem parte de carreiras de Estado. A partir dela, um porteiro de ministério passou a ter direito a aposentadoria integral e, em alguns casos da época, ganhando até mais do que na ativa. 

Tornou o menor de idade um ser inatingível por qualquer regra punitiva, isento de obrigações, com o direito de afrontar professores na sala de aula, não ser punido por seus delitos e até mesmo desdenhar do pátrio-poder, uma vez que até mesmo a palmada educativa foi criminalizada a partir dos conceitos utópicos do texto constitucional. O resultado disto é um sistema educacional que não consegue gerar aprendizado, até porque  qualquer ação disciplinadora é transformada até em motivo para condenação por dano moral. A consequência é a violência endêmica cujo principal protagonista é o jovem que cresceu sem freios morais, desqualificado por nada aprender na escola e sem oportunidades, tamanha a quantidade de obrigações burocráticas e supostamente morais que a Carta impôs a toda pessoa e empresa que pretenda empreender, sob as desculpas tolas de proteger o meio ambiente que o Brasil historicamente sempre destruiu por prazer, ou ainda a preservação de monopólios estúpidos que sempre atenderam tão somente os interesses de políticos eternizados no poder.

Uma Carta que se queria como um "documento da liberdade", virou em entrave ao país, motivo de vergonha e de chicanas jurídicas das mais rasteiras, sempre por conveniências mesquinhas de momento, como a criação do IPMF/CPMF que pagou até arranjos florais no Palácio do Alvorada sem melhorar em nada o sistema de saúde, o aumento do ICMS de vendas entre estados, que pulou de 7 para 19% numa canetada só para atender governadores incompetentes e venais que precisavam de dinheiro após sua reeleição, a regra de reeleição votada às pressas que possibilitou o aparelhamento dos tribunais por nomeações em número excessivo por mandatos políticos dobrados, a condenação sem pena de uma presidente comprovadamente criminosa e, ontem, a declaração no mínimo confusa, segundo a qual o ocupante da chefia do Poder Executivo não pode responder processo criminal ocupando o cargo, mas o ocupante da chefia do Poder Legislativo, pode!

Mais de 90 emendas, uma poucas tentando livrar o país do lixo ideológico estúpido do texto que condena o país ao fracasso econômico e social constante e a maioria atendendo a interesses paroquiais e ideológicos de uma casta política que não se renova nem nos sobrenomes, muito menos nas práticas delituosas e anti-republicanas de manutenção do poder a qualquer custo.

O que na sua promulgação era uma colcha de retalhos cheia de idéias divergentes, nacionalismo tosco e esquerdismo patológico, com o tempo virou um pano de chão em farrapos, onde os poderosos cospem e limpam os pés cheios de barro de valeta sanitária.

2 de dez. de 2016

A LAVA JATO É INDISPENSÁVEL, MAS SÉRGIO MORO NÃO É HERÓI



A maior prova de que a Operação Lava Jato incomoda a classe política, é a mobilização congressual para criar mecanismos de chicanas jurídicas para intimidar o Judiciário e o Ministério Público. Porque é disso que se trata, pegar um tema relevante - o combate ao abuso de autoridade - e gerar uma regra punitiva de interpretação aberta, completamente destituída da observância de qualquer princípio penal e processual penal.

Regra que se diz "aberta" é aquela feita para se adequar ao caso concreto, dando margem de interpretação ao operador do Direito para que, dentro das circunstâncias, adote uma solução justa. É o tipo de regra preponderante nos chamados estatutos, como o da Criança e do Adolescente e o do Idoso, em contraposição aos códigos, que são conjuntos de normas fechadas, objetivas, vinculantes e de listas exaustivas.

Regras penais sempre são fechadas, não podem dar margem à interpretação. Os tipos criminais são objetivos, eles especificam a conduta tida como delituosa. Por isso, gerar uma regra de abuso de autoridade e não listar à exatidão o tipo, gera a possibilidade de chicanas jurídicas, ou seja, manobras para intimidar o agente público, acusações formais, recursos e todo tipo de incidente com finalidade precípua de atrasar a solução do processo, beneficiar o réu da prescrição, seja administrativa, seja penal ou legal de qualquer ordem.

É nesse sentido que isso tem que ser combatido, a regra de abuso de autoridade precisa ser adequada aos princípios do ordenamento jurídico.

Mas esta situação vergonhosa criada pela Câmara dos Deputados na quarta passada não significa que não se pode, nem se deve, combater o abuso de autoridade, que no Brasil é comezinho, praticado não só por juízes, promotores, delegados e altos funcionários públicos, mas mesmo por atendentes de balcão, que muitas vezes ignoram ou interpretam a lei apenas para se livrarem o mais rápido possível do cidadão que está à sua frente.

Alguns agentes fiscais estaduais estão exigindo que as empresas tributadas pelo Super Simples paguem o DIFAL, ICMS criado pela Emenda Constitucional 87/2015, que o STF em decisão liminar suspendeu para as empresas do sistema. E o fazem de modo arbitrário: se o imposto não for pago, a mercadoria não segue viagem nem é retirada. Uma insurgência direta e criminosa contra uma decisão da mais alta corte de Justiça, que simplesmente não é punível, porque não há como enquadrar a conduta no abuso de autoridade que existe na legislação atual.

E vamos mais longe. Certa feita eu acompanhava uma audiência trabalhista em Curitiba. O juiz sacou de uma carteira, pegou o cigarro, acendeu e começou a fumar. Ato contínuo, a advogada do autor fez o mesmo, imediatamente admoestada pelo magistrado, dizendo que ela não podia fumar naquele ambiente. Quando ela disse que o juiz também estava fumando, a resposta veio com uma cara feia e um dedo apontando divisa entre a mesa do magistrado e a das partes, dizendo que daquela linha para trás o fumo era permitido, e para frente, era proibido. Ou seja, se comete algo assim, imagine o que faz em um processo?

Sendo advogado e contabilista, eu posso reportar dezenas de casos de abusos de autoridade, todos suportados em silêncio, ante a impotência que o cidadão sente diante do poder imenso do Estado em se auto-proteger e especialmente, se vingar.

Então, são dois assuntos distintos, que o país deveria discutir com bom senso. Um deles é não atingir o valioso trabalho de investigação não só da Lava Jato, mas de toda e qualquer operação da PF e do MP, que são a esperança do país adotar uma postura ética, de respeito ao cidadão e ao contribuinte, na busca pelo uso do dinheiro público para as funções para as quais ele é arrecadado.

A Operação Lava Jato é valiosa, porque comprovou que sim, o país pode enfrentar a corrupção de frente, pode aprisionar políticos e poderosos, pode mudar o rumo do país para o da honestidade.

No entanto, também é necessário que se distinga a pessoa do juiz, do promotor e do policial federal, da função que ele cumpre. O juiz não é um herói que aprisiona malfeitores, o promotor não é o investigador temerário e impoluto dos filmes de cinema. São partes de uma máquina que convencionamos chamar instituições, que devem funcionar independentemente de seus membros, cuja função é simples: cumprir seus deveres e a lei. 

Sim, eu sou daqueles que irá às ruas para proteger a Operação Lava Jato, mas não pelo Dr. Sérgio Moro ou o Dr. Deltan Dallagnol. Eu irei pelas instituições e pelo meu país, porque não precisamos de heróis, precisamos experimentar o império da lei e da ordem, colocar malfeitores na cadeia e ensinar para nossos filhos os valores da observância a regras, da ética e da honestidade.  

Criar heróis, dá aos réus a oportunidade de se dizerem perseguidos, de usarem suas defesas para outros motivos que não o de comprovarem suas inocências, incendiar o país com debates radicais, acirrar os ânimos e causar problemas, O que o Brasil precisa mais que nunca, é de institucionalismo.

23 de nov. de 2016

E A CRISE AGRAVA...



Eu não botava fé no governo Temer, afinal, ele foi eleito na chapa de Dilma e por si só, isso já dizia que não é flor que se cheire.

Porém, ante a perspectiva de paralisia completa do país com aquela senhora que capitaneou o desmonte mais radical, profundo e rápido da história das contas públicas do mundo inteiro, o negócio foi apoiar o impeachment.

E agora, o que vemos, é a continuidade do que já tínhamos com Dilma. O governo paralisado, aguardando o Congresso tomar medidas que são negligenciadas justamente para querer o seu apoio para votar o que interessa à classe política, que são medidas de prevenção dos políticos contra condenações judiciais. Todo o resto está em segundo plano, com a crise econômica agravando e os estados alimentando a retração econômica com (mais) aumentos de impostos que terão efeito contrário na arrecadação, mas são usados pelas Assembléias Legislativas como uma válvula de escape, para não cortarem gastos e déficits que se acumulam há décadas, nem contrariarem sindicatos de funcionalismo.

Se o Estado brasileiro não se adaptar a uma situação em que deve cortar gastos e tornar-se superavitário, a crise não vai amainar, e não vai demorar muito tempo, atrasos de salário de funcionalismo serão gerais e irrestritos na União, nos estados e nos municípios, espraiando rapidamente para a previdência.

Mas parece que os governos, incluindo o federal, não conseguem convencer a classe política de que a fórmula de levar com a barriga e aumentar impostos não funciona mais. Tanto não funciona que mesmo o RJ tendo aumentado a alíquota de ICMS para 19% continua quebrado, e mesmo o estado do PR tendo aumentado o ICMS em 30% e o IPVA em 40%, continua deficitário e sem dinheiro para pagar nem mesmo o aumento anual do funcionalismo.

Hoje, uma CPMF que geraria algo entre 65 e 75 bilhões, não solucionaria nem o problema de déficit da administração pública em si, que dizer o da previdência.

A retração experimentada em 2016, é fruto dos aumentos de impostos e da burocracia insana que a política usou como resposta à crise fiscal. Só não vê isso quem não quer, por achar que o dinheiro do Estado é infinito e o contribuinte vai se matar para manter os abusos das despesas de governo.

A cada nova medida criando mais impostos e mais declarações, guias, informações e travas de toda à ordem à atividade econômica, mais empregos se perdem, deixa-se de acreditar na economia, porque é cada vez mais complicado produzir e vender.

Nota Fiscal Eletrônica, SPED, Siscomex e toda a parafernália burocrática cumpriram seu papel enquanto a economia crescia. Agora, eles empurram a atividade econômica para a retração, ao mesmo tempo em que os governos não fazem nada para incentivar o empreendedorismo, a geração de empregos e riquezas. A maior parte da receita tributária não vem dos salários de pessoas físicas (incluindo do funcionalismo), mas de empresas que produzem e geram empregos, que agregam valor aos produtos, que fazem o dinheiro circular. O Estado só regula isso, mas pouco ou nada produz, apesar de não se poder dizer que é prescindível.

Ou o governo Temer inicia uma ampla rodada de desregulamentação, fugindo do debate político que visa garantir apenas os interesses dos detentores de cargos eletivos, ou irá para a mesma lata do lixo da história para a qual foi Dilma. Seu tempo de espera é menor, a crise agrava, quanto mais piorar, menos tempo haverá para se evitar um cataclisma econômico que está em curso, apesar do discurso mentiroso da confiança renovada.

9 de nov. de 2016

TRUMP? TRUMP!


Nos EUA se fazem 50 pequenas eleições que no todo, elegem o presidente. Pesquisas de opinião em eleição presidencial são caóticas, porque cada estado tem um peso pré-definido que não exatamente coincide com o tamanho do seu eleitorado, além de existir voto antecipado via correios em vários lugares. Para se ter uma ideia, quando Donald Trump alcançou os 270 delegados necessários para ser eleito, tinha menos votos que Hillary, o que pode não mudar até o fim da apuração. 

Via de regra, elege-se lá, o candidato que melhor mobiliza o seu público cativo, seja por meio do partido (coisa que nem Hillary nem Trump tiveram fortes nesta eleição), seja por discursar e dizer o que seus eleitores fiéis querem ouvir. Como o voto não é obrigatório, o que acontece é que o candidato de discurso mais afinado com os seus, mobiliza-os e alcança a vitória.

Trump teve discurso mais eficiente, Hillary se enrolou no caso dos e-mail, mas ambos não contaram com o entusiasmo de seus respectivos partidos, embora os republicanos pareceram menos unidos. E as acusações de corrupção contra ela pesaram na reta final.

O que parecia barbada há 30 dias, virou um pesadelo para o Partido Democrata e Hillary Clinton. 

Se imaginava que no colégio eleitoral, Hillary teria vitória fácil, mas na prática, ela perdeu nos estados-chave, aqueles que não são historicamente de um grande partido ou de outro. E ela também perdeu, e por larga margem, naquele que deveria ser seu reduto eleitoral mais fiel, o estado do Arkansas, que seu marido governou por mais de uma década, o que é sintomático de que sua popularidade não era assim tão grande quanto o espanto com a campanha agressiva de Donald Trump.

Se eu fosse americano, teria votado em Hillary, mas não critico o país por eleger Trump, porque no Brasil de Dilma, Lula, Beto Richa, Roberto Requião, Gleisi, Lindbergh, Sergio Cabral, Pezão, Tarso e Luciana Genro, Maria do Rosário, Aécio, Jandira outros tantos, não há moral nenhuma para dizer que os outros elegeram alguém bom ou ruim.

Duvido que Trump ponha em prática seu discurso agressivo. Um país que tem instituições e partidos fortes como os EUA, por si só é um contrapeso a qualquer aventura populista. Ademais, existe um "establishment", ou seja, setores importantes da economia e da política aversos a radicalismos, o que não deixa de ser algo elogiável daquele país.

Mas a praga do populismo volta e meia volta a atacar...

Bem se disse que o mundo experimenta uma guinada à direita, no sentido de constatar que as pessoas comuns estão fartas de regras e normas para tudo, estão cansadas de medir as palavras para não ofender a praga politicamente correta, estão cansadas de verem os seus direitos serem violados para proteger direitos difusos dos mais diversos, que muitas vezes vem ou são de outros países e não lhes dizem respeito dentro da vida que levam em suas aldeias. 

É cíclico da humanidade dosar algo que muito se discute e com indas e vindas chegar a um meio termo. Parece que estamos vivendo aquela guinada necessária que antecede isto, talvez Trump represente esse anseio de menos Estado, mais liberdade individual e menos internacionalismo, que ao mesmo tempo significa que as pessoas querem apenas que estas coisas não sejam tão radicais quanto tem sido na última década.





29 de out. de 2016

MARTINHO LUTERO - O REFORMADOR DA FÉ



Fábio Max Marschner Mayer
Advogado, contabilista.
Especialista em Direito Empresarial



1. Introdução. O fim da Idade Média.

A tomada de Constantinopla, com o fim do Império Romano do Oriente em 1453, foi o marco do que se considera o fim da Idade Média, e início da Idade Moderna.

Na Idade Média, Deus era a medida de todas as coisas, o início, o meio, o fim, o onipotente, o monopolista da graça e da punição, cujas palavras apenas a poderosa igreja sabia interpretar, de modo que Roma era a “defensora única e perpétua da paz e da justiça”(.LACEY, Robert e DANZIGER, Danny - O Ano 1000, A Vida No Início do Primeiro Milênio, Ed. Campus, 1999, p.26).

O Deus da Idade Média, era um Deus que interferia ativamente na vida diária” (LACEY, Robert e DANZIGER, Danny - O Ano 1000, A Vida No Início do Primeiro Milênio, Ed. Campus, 1999, p.26) tanto das pessoas quanto dos governos. Aquele mundo era divino, ditado pela igreja, porque entendia-se que não era consequência da natureza humana. “Se o Mundo é governado por um Deus pessoal, logo se vem a considerar o Direito como emanado de uma ordem divina e o Estado como instituição divina. Por sua vez, a vontade divina conhece-se, não pelo raciocínio, mas pela revelação: antes de ser demonstrada, deve ser acreditada ou aceite pela fé.”(DEL VECCHIO, Giorgio – História da Filosofia do Direito – Armênio Amado, Coimbra, 1979, p.60).

Como a revelação era exclusiva da igreja, havia a subordinação dos homens e dos Estados a ela. Deus revelava-se à igreja, porque o homem, e mesmo o soberano nada mais era que uma vontade divina, que não ocupava lugar nas decisões, de modo que, na prática, isso significava a primazia das opiniões do Papa, quando muito da cúria romana.

Martinho Lutero nasce em 1483, na hoje batizada em sua homenagem, Eislebem (terra de Lutero), Alemanha, e se pode dizer que será, durante sua vida, mais um homem importante do renascimento a buscar a reforma de estruturas e modos de pensar que se fizeram presentes por um milênio, praticamente sem contestações. Profundamente religioso, de fé inabalável, contestador e reformador, de retórica poderosa e firmeza nas ações, era um homem do século XVI, um indivíduo que se adaptava aos novos tempos, porque sabia que o mundo mudava.

Aquele foi um tempo de enormes transformações ditadas pelos descobrimentos marítimos, pelo renascentismo cultural, a invenção e rápida disseminação da imprensa e a consolidação de países cujos reinados tinham, até então, submissão aos ditames da poderosa Igreja Católica e ao Papa, que, na prática, era o centro do poder do mundo ocidental.

Mas um novo mundo rapidamente florescia. Novas terras e riquezas eram descobertas, novos povos, culturas e civilizações rapidamente eram contatadas pela Europa. Muitos soberanos passaram a experimentar riquezas e poder jamais sequer sonhados, o comércio prosperava, as artes e o pensamento crítico tornavam impossível o controle do mundo conhecido nos termos postos por Roma durante a Idade Média.

Soberanos poderosos, mas ainda limitados pelo poder da igreja financiavam o conhecimento, eram mecenas das artes, das ciências e do novo pensamento. O indivíduo passa a ter importância na definição de seus destinos, e a igreja ia perdendo gradualmente o poder absoluto sobre os soberanos e indivíduos, mas especialmente sobre a nova burguesia que detinha poder econômico conquistado apesar das amarras religiosas medievais.

2. Júlio II, Leão X e os papas ainda medievais.

Em 1506 é lançada a pedra fundamental da nova Basílica de São Pedro, que hoje é o prédio principal do que conhecemos como o complexo de edificações que constituem o Estado do Vaticano.

O Papa de então era Júlio II, cujo nome não fora escolhido para homenagear São Júlio, mas sim Júlio Cesar, o imperador romano, o que dá a dimensão de seu caráter e modo de pensar.

Júlio II chegara ao poder da Igreja após estar presente em 4 conclaves, com chances reais de assumir o trono de São Pedro em todos. Lutou pelo cargo por 20 anos, não sem ser ativo militante em guerras, conspirações e subornos. Era um político ambicioso, arrogante, impaciente, arbitrário, e principalmente sedento por virar parte da história, deixando seu nome escrito nela.

Mas era um amante das artes, da arquitetura e da beleza. Foi amigo e patrono de gênios como Bramante, Rafael e Michelângelo, todos envolvidos, em maior ou menor grau, com obras de arte para a igreja e na construção da nova basílica, tida à época como seu delírio megalomaníaco, uma construção tão colossal quanto magnífica, que alguns chegaram a considerar impossível dado o tamanho da cúpula, a glorificar Deus, mas também para marcar seu papado encarnando “a grandeza do presente e do futuro”( SCOTTI, Rita A – Basílica de São Pedro – Nova Fronteira, 2007, p.67) proclamando o poder e a glória de Cristo e sua igreja.

Porém, Júlio II ainda era um homem do século XV, a acreditar na primazia da Igreja sobre o mundo, de modo que não hesitou em usar as bulas papais, as excomunhões e as indulgências em prol de seu projeto de afirmar a autoridade que Roma já ia perdendo gradativamente. Nenhuma moral e nenhum escrúpulo foi imaginado para a consecução da obra, neste caso, o fim justificou os meios.

Entre 1510 e 1511, Lutero visita Roma. Já um sacerdote, que estudara Direito, bacharel em estudos bíblicos, professor de teologia na Universidade de Wittenberg e principalmente um monge a viver e ensinar a virtude da pobreza e do amor incondicional de Deus, volta para a Alemanha decepcionado com a devassidão e a decadência de uma igreja mercenária, opulenta e esbanjadora, que vendia indulgências a substituir o arrependimento sincero dos pecados para financiar uma obra que entendia desnecessária. Foi nesse momento que o homem do século XVI iniciou seu confronto com os papas ainda medievais, mandatários de uma a igreja mergulhada em corrupção e afastada do que para ele eram as únicas palavras confiáveis, as das escrituras.

Júlio II morreu em 1513 e, mesmo com o andamento da construção da basílica, deixou a igreja riquíssima e tão poderosa quanto o sempre, mas foi sucedido por um dos Médicis, Leão X, que em resumo, era um pródigo, um esbanjador, um escroque que usou do poder para financiar sua família e seu modo de vida devasso e suntuoso, mas ainda e também um homem da Idade Média, do século XV, que afirmava a sua autoridade como sendo a da igreja, mesmo apenas pelo seu prazer pessoal, de modo que, em seu papado, os custos da construção da basílica tornaram-se proibitivos, os gastos com a obra e manutenção de um extravagante mandatário e uma cúria corrupta somente subiam, junto com o endividamento e com a concessão de indulgências, o que pouco mudou nos papados seguintes, de Clemente VII, também um Médici, e Paulo III.

3. O Vaticano e as Indulgências.

Etimologicamente, o termo indulgência se originou a partir do latim indulgentia, que significa “bondade”, “para ser gentil” ou “perdão de uma pena”(https://www.significados.com.br).

Para uma igreja endividada e sedenda de dinheiro, tanto para financiar a obra da colossal basílica quanto a vida de toda uma cúria que vivia em opulência e devassidão, ainda em 1513, Júlio II ofereceu ao mundo a indulgência dita “plenária”, a todos que contribuissem com verbas para a basílica. Era o perdão dos pecados dos homens em troca única e exclusivamente de dinheiro que, como vimos, depois, a partir de Leão X, tornou-se um modo de financiar o papado e sua corrupta devassidão, sem, porém, impedir o endividamento da igreja, que sempre pressionava por mais dinheiro.

Mesmo a imprensa recém-criada foi usada para disseminar os papéis de indulgência. Documentos que circularam pela Europa inteira nas mãos de mascates da salvação, a prometer a remissão dos pecados em troca das fortunas que chegavam a Roma, mesmo após cada um dos muitos atravessadores satisfazer sua respectiva comissão. Pior, as vezes as indulgências eram eternas, dando a remissão inclusive aos pecados que ainda iriam ocorrer e muitas vezes até dos familiares do adquirente, inclusive os já mortos. Diz-se que um pregador dominicano de nome Johann Tetzel simbolizava esse estado de coisas em seus sermões de impressionante cunho mercantilista: ”Quantos pecados mortais se cometem em um dia, quantos em uma semana, quantos em um ano, quantos em uma vida inteira? São quase infinitos e por eles deve-se pagar uma pena infinita nas chamas do purgatório. Porém, graças a estas cartas confessionais, podereis ganhar, de uma vez por todas, perdão total desses castigo.”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 9.)

É provável que Lutero tenha presenciado um ou mais destes sermões. E na sua concepção de indivíduo profundamente abalado com a decadência constatada em Roma, e cujo voto de pobreza, a formação intelectual e as formas de pensar e agir eram diametralmente contrárias àquele estado de coisas. Para ele, trocara-se o arrependimento sincero dos fiéis, que passaram a ser fregueses.

Lutero entendia que a indulgência era reservada e gratuita a todo fiel que, sinceramente arrependido de seus pecados, procurasse a igreja para confessar, porque somente a fé em Cristo salva, e não as boas obras, que dizer a simples troca de papéis por dinheiro que então estava ocorrendo.

Ademais, os Médici, senhores de países e cidades, comerciantes e banqueiros que impunham seu poder à igreja e faziam os papas, certamente não precisavam do dinheiro de fiéis amedrontados com a possibilidade do purgatório para construir a basílica, então símbolo daquele estado de coisas lastimável.

E em 31 de outubro de 1517, após anos de queixumes e recriminações das mais diversas, resolveu tornar públicas suas insatisfações.

    1. A retórica de Lutero.

Naquele dia, Lutero afixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, uma carta de protesto destinada ao seu arcebisbo, pedindo um debate teológico sobre o significado e o alcance das indulgências que levavam o paganismo à igreja, pois não tinham base nos textos das escrituras sagradas.

Tratava-se de um manifesto violentamente contestador do status quo. A tese de número 28 dizia, por exemplo: “É certamente possível que, quando a moeda tilinta na caixa coletora, a cobiça e a avareza aumentem; mas a intercessão da Igreja depende apenas da vontade de Deus”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 9). Mas em resumo, Lutero pedia uma reforma geral da moralidade pública, o que incluía a moralidade da igreja em não observar (ou interpretar segundo seus interesses)as escrituras sagradas.

Traduzidas para o alemão, o idioma vulgar das pessoas mais simples, as teses foram copiadas e impressas, de modo que ao passo de somente dois meses ficaram conhecidas por toda a Europa, fato inédito até então, uma revolução das comunicações que ameaçou diretamente o poder até então incontestável da Igreja Romana, que não demorou reagir, até porque eram palavras que afetavam diretamente os interesses pessoais do Papa Leão X.

Lutero atacara pontos sensíveis à igreja, especialmente as rendas do papa que ele queria abolidas e a renúncia da exigência papal pelo poder temporal, que significava, em outras palavras, o fim da intervenção de Roma sobre os Estados menores e seus soberanos e mesmo sobre os indivíduos, ainda fortemente influenciados pela ameaça de purgatório por seus pecados, sempre presente na face da Igreja.

Isto lhe valeu a simpatia de Frederico, o Sábio, príncipe da Saxônia, um dos muitos monarcas de pequenos Estados alemães que formavam o então Sacro Império Romano. Com a morte de Maximiliano I, Frederico era um dos 7 soberanos que elegeriam o novo Imperador, e esse poder lhe permitiu proteger Lutero, que contava com a simpatia de membros de sua corte e mesmo de populares, claro, burgueses interessados em uma igreja menos onipresente na vida econômica.

Chamado imediatamente à Ordem dos Agostinianos, de que fazia parte, lá justificou suas teses e inclusive recebeu apoio. Após, foi convocado para ir à Roma, mas sabiamente negou-se e Frederico conseguiu que as suas audiências fossem realizadas em solo alemão. Após os vários capítulos do processo iniciado em junho de 1518, em 1520 foi advertido pelo Papa na bula “Exsurge Domine”, ao que respondeu, de modo até insolente no escrito “A Liberdade de um Cristão”, que “Eu não me submeto a leis a interpretar a palavra de Deus”, de modo que, em janeiro de 1521 foi excomungado por Leão X por meio da bula “Decet Romanum Pontificiem”, consequência da firme negativa em revogar o que então já era uma doutrina conhecida de em toda a Europa, inclusive com seguidores.

Diz-se que Lutero protestou queimando cópia da bula em praça pública, o que demonstra muito de sua fé e seu caráter temerário.

Depois, quando o novo imperador Carlos V inaugurou a Dieta de Worms, concedendo salvo conduto novamente por influência de Frederico, outra vez não se conseguiu que Lutero revogasse sua doutrina. Então ele foi declarado fugitivo e herege, tendo suas obras banidas, quando o monarca da Saxônia lhe garantiu asilo ao forjar uma captura e escondê-lo no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde viveu disfarçado e recluso por quase um ano.

O fato é que Frederico da Saxônia granjeou apoio político às teses de Lutero, uma vez que muitos soberanos, influenciados até pela burguesia ascendente de suas sociedades, ansiavam por livrar-se do jugo implacável da igreja, cujo poder não raro, podia retirar suas coroas, entregando-as a terceiros. Ademais, isto também era anseio da nova burguesia economicamente emergente de pequenos Estados como a Saxônia.

No exílio, Lutero dedicou-se à sua doutrina e à famosa tradução da Bíblia para o alemão, o que também incomodava Roma, que sempre valera-se do desconhecimento do latim pelas massas de fiéis, que dependiam sempre da palavra dos sacerdotes.

Lutero virou uma figura pública da Europa. Tanto as 95 teses, a sua tradução da Bíblia para o alemão e dezenas de livros e panfletos que em maior ou menor grau atingiram e foram conhecidos em toda a Europa, apesar da censura natural que a igreja e muitos soberanos certamente aplicaram. A imprensa móvel ainda insipiente, xilogravuras e mesmo os sermões e discussões formais ou não por todo o continente levaram sua palavra a milhões de católicos, clamando por um Concílio que examinasse as condutas da Igreja, que abolisse as indulgências e as peregrinações pagas que também correspondiam a receitas do papado, propondo que ao clero fosse autorizado o casamento e contestando normas e regras que não constavam das escrituras sagradas, rejeitando sacramentos que não constavam de parte alguma do Novo Testamento.

Até mesmo a forma de celebrar a missa, Lutero contestou na filosofia, nos ritos e inclusive na condução dos serviços, que entendia que deveriam ser em alemão, não em latim, a aproximar a igreja dos fiéis.

Ou seja, além do apoio de soberanos como Frederico, também granjeava simpatia popular, porque obviamente ele não era o único insatisfeito e também porque a evolução da sociedade exigia mudanças da arcaica estrutora medieval de poder.

Lutero dera voz a inúmeros grupos insatisfeitos com a Igreja, em um momento de evidente efervescência em todas as áreas do conhecimento e das relações humanas.

5. A Reforma e o Cisma.

O movimento reformista não era novo. Já no século XII, Pedro Valdo defendia e divulgava a Bíblia em linguagem popular, e no século XIV, John Wycliffe defendia que o poder da igreja devia ser limitado às questões espirituais. E depois de Lutero vieram muitos outros reformistas, radicais ou moderados como Ulrich Zwingli, Erasmo, Johann Eberlin e depois João Calvino, tido como o Lutero da França.

Além dos apoios entre líderes espirituais a força política do depois conhecido movimento se espraiou para vários outros Estados ditos “Protestantes”, de modo que nem a morte de Frederico da Saxônia em 1525 diminuiu o apoio a Lutero, ao que se juntaram outros soberanos que, inclusive, se opuseram a Carlos V, que defendia a restituição da primazia da Igreja, mas cujas prioridades certamente não estavam em garantir o poder dela, ameaçado que era na Espanha pelos franceses e pelos muçulmanos, e na Áustria pelos otomanos, obrigado a não recusar apoios militares dos alemães, por mais que não fossem mais católicos.

Enfim, Martinho Lutero representou aquele ponto de inflexão histórica, aquele momento em que o rumo é dramaticamente alterado, para onde as muitas forças de uma certa mudança convergem e obtém um resultado muitas vezes tido como impossível até pouco antes. “O momento escolhido para o protesto de Lutero contra as indulgências fora decisivo. Seu apelo por uma reforma eclesiástica coincidira com várias queixas e aspirações emergentes na sociedade germânica e sua mensagem revelou-se aberta a interpretações cujas ênfases diferiam amplamente. Os nacionalistas alemães, buscando a sua independência política do império, identificaram-se com o desafio à autoridade do papa e do imperador. Dissidentes políticos de vários tipos viram nas ideias luteranas um meio de construir uma sociedade mais justa, baseada em ideais cristãos. A defesa das virtudes da disciplina, trabalho duro e frugalidade – que ganharia ênfase maior em décadas posteriores - harmonizava-se com os interesses de uma classe em ascenção de ricos mercadores cujos empreendimentos capitalistas estavam transformando as práticas econômicas tradicionai da Europa. Dessa forma, tornou-se cada vez mais difícil separar o enfoque puramente religioso da mensagem luterana e as questões políticas, sociais e econômicas.”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 20).

Muitos fatos, muitas rebeliões, muitas guerras, muitos pregadores e pastores ainda contribuiriam para a Reforma, que nem de longe aconteceu apenas por consequência de Lutero. Como sempre acontece em qualquer processo histórico, houve episódios de radicalismo extremo que causaram tragédias e naturalmente forçaram que depois se trouxesse a moderação aos debates, e foram consolidando o nascimento de novas religiões cristãs dissociadas de Roma.

Ao fim da vida de Lutero, em 1534, finalmente a igreja reuniu-se em concílio, na tentativa de instituir combate mais vigoroso à Reforma, mas também para reaproximá-la dos fiéis e combater sua corrupção interna, com a instituição, por exemplo, do voto de celibato dos sacerdotes. Nos 18 anos que seguiram, aconteceu o que foi chamado de “Contrareforma”, uma tentativa de manter o poder do papado e a ascendência da igreja sobre o mundo, mas mesmo assim, em bases muito mais éticas, tanto que o concílio seguinte somente ocorreu no século XX. Foi, em resumo, a reunião da igreja que "emitiu o maior número de decretos dogmáticos e reformas, e produziu os resultados mais benéficos", duradouros e profundos "sobre a fé e a disciplina da Igreja" (Enciclopédia Católica New Adent, 1913, citado em wikipedia).

Fato porém que, além de já ser tarde demais, os tempos eram outros. A igreja já não detinha mais o poder temporal de outrora, que se esvaíra rapidamente. Carlos V, poderso monarca do Império Sacro Romano havia lutado em várias frentes, contra os franceses e os muçulmanos e contra o Império Otomano, e necessitava do poderio militar das nações já protestantes. Assim, em 1555, quase uma década antes do fim do concílio, assinou a paz de Augsburgo, que “dava a todos os príncipes alemães seculares e às cidades independentes o direito de escolher entre o luteranismo e o catolicismo. Os súditos deveriam obedecer a escolha dos governantes, mas quem não concordassepodia migrar para outros territórios(...)A Reforma tornara-se lei na Alemanha”(A História em Revista – 1500-1600, Abril Livros, p. 31).

O cisma era uma realidade, e irreversível, Roma perdera a exclusividade sobre a fé.

    1. Conclusão.

Tracei apenas um perfil de Martinho Lutero, focado na sua importância na reforma. Muito se poderia falar de sua obra e personalidade, se poderia citar diversos episódios de sua vida que marcaram o processo da reforma, ou, ainda, discutir se foi ou não antissemita ao tratar dos judeus alemães. Seria possível trazer Lutero até o século XX e discutir se sua doutrina embasou ou não alguns aspectos do nazismo ou ainda, o que ele representou no nascimento das milhares de seitas neo-pentecostais cristãs que disputam fiéis em nosso tempo.

Nada disso afeta a importância histórica de Martinho Lutero para a humanidade. Mesmo a Igreja Católica deve à ele talvez sua própria existência, porque é fato que suas 95 teses, sua popularidade, os debates que ensejou em toda a Europa e os apoios que recebeu de príncipes e governantes, forçaram Roma a convocar o Concílio de Trento, modernizar-se, aproximar-se dos fiéis e combater a corrupção que à levou a mercantilizar a fé para financiar papas sabidamente corruptos, pródigos e devassos.

Em 2017, serão comemorados os 500 anos das teses, e a Igreja Católica ainda é a principal fé cristã da humanidade, não sem ter aprendido muito e inclusive deixado de beligerar com luteranos e calvinistas e não raro unindo-se a eles na defesa do cristianismo que lhes é comum.

Lutero foi um homem incomum de carisma avassalador. Foi mais um episódio de homem certo no lugar e no tempo exatos, que mudou a humanidade para melhor.

Sem pretensão de substituir o trabalho dos historiadores profissionais, cujas teses e conclusões podem divergir do que escrevo com muito de opiniões pessoais, este texto tem por finalidade homenagear a figura histórica cuja coragem reformou a fé.

Curitiba, outubro de 2016.


  • A História em Revista – 1500 a 1600, Abril Livros.
  • Uma História Politicamente Incorreta da Bíblia – Robert J. Hutchinson, Editora Agir, Rio de Janeiro, 2012;
  • O Ano Mil, A Vida no Início do Primeiro Milênio – Robert Lacey e Danny Danziger, Editora Campus, 1999;
  • Invenções da Idade Média – Chiara Frugoni, Zahar Editores, 2007;
  • Uma Breve História do Mundo – Geoffrey Blainey, Editora Fundamento, 2a. Edição, 2004;
  • Basilica de São Pedro – Rita A. Scotti – Editora Nova Fronteira, 2007;
  • História da Filosofia do Direito e do Estado – Antonio Truyol y Serra, Ed Alianza Universidad, Espanha, 1982;
  • Lições de Filosofia do Direito – Giorgio del Vecchio, 5a edição, Armenio Amado Editor, Coimbra, Portugal, 1979.
  • Wikipédia, verbetes: Martinho Lutero, Concilio de Trento, Reforma Protestante e João Calvino

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